segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Hábitos que transformam






Em 1989, o reverendo John Stott veio ao Brasil para falar num dos congressos da VINDE -- Visão Nacional de Evangelização. Depois de uma de suas palestras, nos reunimos para conversar com ele. Era um grupo pequeno de jovens pastores, sentados em torno de um dos maiores expositores bíblicos da nossa geração, perto de completar 70 anos. A conversa seguiu animada. Ele nos deu liberdade para perguntas pessoais e, entre outras, não faltaram aquelas sobre o porquê de não se casar.

Porém, de todas, guardei apenas a resposta que ele deu quando lhe perguntaram sobre a razão do seu longo ministério tão frutífero. Ele respondeu: “Leio a Bíblia e oro todos os dias, vou à igreja todos os domingos e nunca falto à celebração da Eucaristia”. A resposta foi surpreendente por sua simplicidade.

Sabemos que ler a Bíblia e orar todos os dias, ir aos cultos e participar da Ceia nunca foram, por si só, sinais confiáveis de espiritualidade, muito menos um caminho seguro para a maturidade. Muitas pessoas fazem isso por puro legalismo. Por outro lado, sabemos também que não fazer nada disso é um caminho seguro e certo para o fracasso espiritual.

O doutor James Houston, criticando o abandono da leitura devocional em nossos dias por uma literatura funcional e pragmática, afirma: “Os hábitos de leitura do chiqueiro não podem satisfazer a um filho e aos porcos ao mesmo tempo”. Ao usar a imagem da Parábola do Filho Pródigo, ele nos chama a atenção para o risco de nos acostumarmos com a vida do chiqueiro. Para Houston, as práticas devocionais nos ajudam a perceber que existe algo maior e mais excelente na vida de comunhão com o Pai.

O reverendo A. W. Tozer (1897-1963) escreveu um artigo afirmando que “Deus fala com o homem que mostra interesse”, e que “Deus nada tem a dizer ao indivíduo frívolo”. Mais do que cultivar o hábito de ler a Bíblia, orar e participar do culto, o que na verdade fazemos quando cultivamos estas práticas devocionais é demonstrar o interesse vivo que temos por Deus e por sua Palavra.

Da mesma forma como a vida necessita do básico (ter o suficiente para comer e vestir, onde descansar), a natureza da vida espiritual repousa sobre o que é essencial (Bíblia, oração, comunhão, adoração e missão). São esses hábitos básicos que nos colocam no lugar onde podemos experimentar a graça de Deus e crescer.

Há hoje muita oferta para a vida e para a espiritualidade. A sedução do supérfluo despreza o essencial. Vivemos o grande perigo de negar o básico, achando que podemos experimentar a graça de Deus e provar sua bondade e amor sem nos aquietar e deixar que sua Palavra molde nosso caráter, que a oração fortaleça nosso espírito e que a comunhão nos sustente em nossa identidade como povo de Deus.

As disciplinas espirituais básicas cultivadas pelo reverendo Stott ao longo de sua vida formaram seu caráter como cristão. Nada pode substituir a prática diária da oração nem a leitura devocional das Escrituras. Nada substitui o valor do culto comunitário nem o mistério da Eucaristia. O cultivo destas disciplinas requer de nós não apenas tempo e perseverança, mas também humildade e coragem para sermos transformados pelo poder de Deus.

Deus não nos chamou para a realização pessoal, mas para a comunhão pessoal e íntima com ele e o próximo. Deus não nos chamou para sermos operários agitados do seu reino, mas para amá-lo e amar ao próximo de todo o coração. Os hábitos devocionais libertam-nos da “normalidade” do chiqueiro e nos transportam para uma existência de comunhão com Deus que enobrece a vida. São estes hábitos que preservam nossos olhos voltados para o alto, para que, aqui na terra, nossa existência ganhe a grandeza dos ideais divinos.

As práticas devocionais fazem parte do processo formativo da alma diante de Deus. Precisamos cultivá-las a fim de permanecermos em sintonia com o reino de Deus, que molda o nosso caráter em Cristo. É a palavra de Deus que devolve a vida aos “ossos secos” da agitação moderna.


• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

DEZ PRINCÍPIOS PARA SER BEM-SUCEDIDO

01 - Creia que sua vida cumpre um propósito divino na terra. Você é influenciado pelos genes que herdou de seus pais e é bastante "circunstancializado" pelo meio no qual vive. Entretanto, mais forte que as determinações genéticas e os condicionamentos do meio social, é o seu chamado para ser. Você foi criado como um sacerdote neste universo de Deus. Por isso, você existe e sabe que existe. Encha sua consciência com esse significado. Quando você assumir sua vocação para ser, as outras pessoas vão "encontrar" você.



02 - Creia que seu dia ganha força e energia espiritual quando você ora. Portanto, ore sempre. Mesmo nos seus afazeres. Sempre que uma notícia ou informação lhe chegar, entregue-a a Deus. Ofereça a Deus os potenciais e as possibilidades que cada fato, percepção ou impressão lhe trazem ao coração. Além disso, pare um pouco todos os dias, ainda que seja só um pouco, e ore. Dê graças por tudo e abrace o Senhor no seu coração. Quando orar, peça coisas específicas, mas não se esqueça de sempre terminar de modo submisso e geral, dizendo: "Seja feita a tua vontade, assim na Terra como nos céu". Afinal, você não sabe se o que quer é o melhor. Mas o Senhor sabe!



03 - Creia que a maior inteligência que Deus lhe deu não é a intelectual nem a emocional, mas sim a inteligência. "O coração tem razões que a própria razão desconhece". Usar a cabeça (inteligência intelectual) e saber se relacionar com o próximo e as circunstâncias (inteligência emocional) é fundamental. Mas não é essencial. O essencial habita os mistérios do espírito, no mundo do coração. Portanto, dê atenção aos seus sonhos noturnos e aos seus sentimentos perceptivos. Quando você tiver uma "impressão", não a despreze de cara. Medite. Ore. Discirna. A resposta pode estar no passado. Mas, às vezes, trata-se de uma intuição profética. Pode ser um alerta sobre o futuro. Nesse caso, ore, corrija a rota e prossiga.



04 - Creia que quando alguém ama a Deus e ao próximo e respeita a vida, então tudo ganha sincronicidade e conectividade. Isso é apenas um outra forma de dizer que "todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus". O amor a Deus traz sentido para a sua vida. O amor de Deus transforma o cenário mais absurdo numa conspiração do bem.



05 - Creia que a leitura bíblica feita com os olhos do coração ilumina a alma e os caminhos da Terra. Ler a Bíblia é importante. Mas lê-la com os olhos da alma é essencial. Quem lê com o intelecto enxerga textos e os compreende. Quem lê com o coração discerne "caminhos sobremodo excelentes". Faça da leitura bíblica não apenas um meio de fortalecimento espiritual. Leia-a como caminho de descoberta e de insights para a sua visão do mundo, de si mesmo e de Deus.



06 - Creia que uma atitude mental positiva tanto é resultado de uma espiritualidade sadia como também pavimenta o caminho de todo ser humano bem-sucedido. Eu costumo dizer que mesmo ateus-positivos se dão melhor na vida que ateus-negativos. O mesmo princípio se aplica a cristãos.



07 - Creia que generosidade e dadivosidade são forças espirituais poderosas que atraem para quem as pratica as melhores oportunidades e possibilidades da vida. Por isso é tão importante dar dízimos e ofertas. Escolha causas, projetos e pessoas nos quais você acredita e dê no mínimo dez por cento dos seus ganhos para essas iniciativas. De fato, fazendo assim, você está abrindo portas invisíveis para você mesmo. E lembre-se: faça isso com entusiasmo e alegria.



08 - Creia que o que diferencia o fazer do não-fazer é apenas uma decisão seguida de gesto simples. Assim sendo, nunca adie o início de qualquer coisa na qual você acredita se a oportunidade se apresentar e seu coração responder com paz e fé. O gesto necessário, tanto para se levantar de cama quanto para levantar a cama, é um só: colocar-se de pé. Daí Jesus ter dito: "Levanta-te, toma teu leito e anda".



09 - Creia que a melhor composição de imagem exterior e de virtude interior para um cristão é aquela que combina a "simplicidade dos pombos" (imagem exterior) com a "prudência das serpentes" (virtude interior). Sendo assim, seja astuto por dentro e simples por fora. Sempre dá certo e protege a vida.



10 - Creia que a maior bênção de possuir uma consciência é poder usá-la para auto-examinar-se todos os dias. Quem se auto-examina resiste melhor às criticas, pois se utiliza delas para diminuir seus próprios equívocos, e se mostra imune a eles quando a consciência o convence de estar fazendo aquilo que é certo. Auto-exame é o que faz a diferença entre aqueles que vivem para preservar sua imagem e a reputação daqueles que vivem para o que é verdadeiro e real.



Por Caio Fábio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Confissões de um ex-dependente de igreja

Por Paulo Brabo


Outro dia um pastor observou que eu deveria confessar ao leitor impenitente da Bacia, que não tem como concluir isso lendo apenas o que escrevo, que não vou à igreja faz mais de dez anos. Ele dava a entender que essa confissão provocaria uma queda sensível na minha popularidade; percebi imediatamente que ele estava certo, e que mais cedo ou mais tarde teria, para podar os galhos da celebridade (porque a fama é uma espécie de compreensão), deixar de contornar indefinidamente o assunto.

Quanto mais penso na questão, no entanto, mais chego à conclusão que o que tenho de confessar é o contrário, e ao resto do mundo, não aos amigos que convivem com desenvoltura entre termos como gazofilácio, genuflexão, glossolalia e graça irresistível. Devo explicações à gente comum que vê o domingo, incrivelmente, como dia de descanso – dia de ir à praia, de andar de bicicleta no parque, de abraçar os amigos ao redor de um churrasco, de correr atrás de uma bola ou de encontrar a paz diante de uma lata de cerveja e uma tela radiante.

Preciso confessar que durante trinta anos fui consumidor de igreja. Durante trinta anos fui dependente de igreja e trafiquei na sua produção.

Devo confessar o mais grave, que durante esses anos abracei a crença (em nenhum momento abalizada pela Escritura ou pelo bom senso) que identificava a qualidade da minha fé com minha participação nas atividades – ao mesmo tempo inofensivas, bem-intencionadas e auto-centradas – de determinada agremiação. Em retrospecto continuo crendo em mais ou menos tudo que cria naquela época, porém essa crença confortante e peculiar (espiritualidade = participação na igreja institucional) fui obrigado contra a vontade, contra minha inclinação e contra a força do hábito, a abandonar.

Preciso deixar claro que não guardo daqueles anos qualquer rancor; de fato não trago deles nenhuma recordação que não esteja envolta em mantos de nostalgia e carinho. Ao contrário de alguns, não sinto de forma alguma ter sido abusado pela igreja institucional; sinto, ao invés disso, como se tivesse sido eu a abusar dela. Minha impressão clara não é ter sido prejudicado pela igreja, mas de tê-la usado de forma contínua e consistente para satisfazer meus próprios apetites – apetites por segurança, atenção, glória, entretenimento, aceitação.

Se hoje encaro aqueles dias como uma forma de dependência é porque acabei aceitando o fato de que a igreja como é experimentada – o conjunto de coisas, lugares, atividades e expectativas para as quais reservamos o nome genérico de igreja – representam um sistema de consumo como qualquer outro. As pessoas consomem igreja não apenas da forma que um dependente consome cocaína, mas da forma que adolescentes consomem telefones celulares e celebridades consomem atenção – isto é, com candura, com avidez, mas muitas vezes para o seu próprio prejuízo.

Todo sistema de consumo confere alguma legitimação, isto é fornece ao consumidor pequenas seguranças e pequenas premiações que fazem com que ele se sinta bem, sinta-se uma pessoa melhor (ou em condições privilegiadas) por estar desfrutando de um produto ou serviço de que – e isto é importante na lógica interna da coisa – não são todos que desfrutam.

As igrejas institucionais, por mais bem-intencionadas que sejam (e, creia-me, há muito mais gente bem-intencionada envolvida na criação e na sustentação delas do que seria de se supor) funcionam precisamente dessa maneira. Não é a toa que tanto a palavra quanto o conceito propaganda nasceram, historicamente falando, nos salões eclesiásticos. Se hoje há shopping centers e roupas de marca é porque a igreja inventou o conceito de propaganda e de consumo de massa. Foi a igreja a primeira a vender a idéia de que vestir determinada camisa e ser visto em determinada companhia demonstram eficazmente o seu valor como pessoa; foi a primeira a promover a noção simples (mas cujo tremendo poder as corporações acabaram descobrindo) de que o que você consome mostra que tipo de pessoa você é.

As pessoas que consomem igreja não têm em geral qualquer consciência de que estão se dobrando a um sistema de consumo, mas as evidências estão ali para quem quiser ver. A igreja não é um lugar a que se vai ou um grupo de pessoas que se abraça, mas uma marca que se veste, um produto que se consome continuamente. Tudo de bom que costumamos dizer sobre a igreja reflete, secretamente, essa nossa obsessão com o consumo – “o louvor foi uma benção”, “o sermão foi profundo”, “o coro cantou com perfeição”, “a palavra atingiu os corações”, “Deus falou comigo”. Em outra palavras, tudo que temos a dizer sobre a experiência da igreja são slogans. Na qualidade de consumidores, o que fazemos é retroalimentar nossa dependência, promovendo continuamente nosso produto na esperança de angariar mais consumidores e portanto mais legitimação.

O curioso, o verdadeiramente paradoxal, é que nada nesse sistema circular de consumo (ou em qualquer outro) tem qualquer relação com espiritualidade, com fé ou com a herança de Jesus. Ao contrário, sabemos ao certo que Jesus e os apóstolos bateram-se até a morte no esforço de demolir a tendência muito humana de encarcerar (isto é, satisfazer) os anseios emocionais e espirituais das pessoas em sistemas de consumo e legitimação (isto é, sistemas de controle).

O russo Leo Tolstoi acreditava que, diante da suprema singeleza do ensino de Jesus, levantar (e em seu nome!) uma máquina implacável e arbitrária como a igreja equivalia a restaurar o inferno depois que Jesus tornou o inferno obsoleto. De minha parte, vejo a igreja institucional como um refúgio construído por mãos humanas para nos proteger das terríveis liberdades e responsalidades dadas por Deus a cada mortal e que Jesus desempenhou de modo tão espetacular. Por outro lado, talvez esse refúgio seja ele mesmo o inferno.

No fim das contas você não encontrará na igreja nada que não seja inteiramente atraente e desejável, e aqui está grande parte do problema. Vá a um templo evangélico no domingo de manhã e o que vai encontrar é gente amável, respeitável, ordeira, de banho tomado, sorridente, perfumada e usando suas melhores roupas – e é preciso reconhecer que há um público para esse tipo irresistível de companhia. O bom-mocismo reinante é tamanho, na verdade, que não resta praticamente coisa alguma do escândalo inicial do evangelho. Enquanto descansamos nesse abraço comum a verdadeira igreja, onde estiver (e talvez exista apenas no futuro), estará por certo mais próxima do dono do bar, da vendedora de jogo do bicho, do travesti exausto da esquina, do divorciado com seu laptop, dos velhinhos que babam em desamparo e das crianças que alguém deixou para trás. Certamente não usará gravata e não terá orçamento anual nem endereço fixo.

Portanto nada tenho contra aquilo que a igreja diz, que é em muitos sentidos bom e justo, mas não tenho como continuar endossando aquilo que a igreja dá a entender – sua mensagem subliminar, por assim dizer, mas que fala muitas vezes mais alto do que qualquer outra voz. Com o discurso eclesiástico oficial eu poderia conviver indefinidamente (como de fato já fiz), mas seu meio é na verdade sua mensagem, e frequentar uma igreja é dar a entender:

1. Que aquela facção da igreja é de algum modo mais notável, e portanto mais legítima, do que todas as outras;
2. Que o modo genuíno de se exercer o cristianismo é estar presente nas reuniões regulares e demais atividades de determinada agremiação, ou seja, que a devoção é uma espécie de prêmio de assiduidade;
3. Que o conteúdo da crença é mais importante do que o desafio da fé;
4. Que o caminho do afastamento do mundo, segundo o exemplo de João Batista, é mais digno de imitação do que o caminho do envolvimento com o mundo, segundo a vida de Jesus;
5. Que o modo de vida baseado na busca circular pela legitimação é mais respeitável do que o das pessoas que conseguem viver sem recorrer a esses refrigérios;
6. Que o modo adequado de honrar a herança de Jesus é dançar em celebração ao redor do seu nome, ignorando em grande parte o que ele fez e diz.

Está confirmada, portanto, a ambivalência da minha posição em relação à igreja institucional. Por um lado, sinto falta dos seus confortos; por esse mesmo lado, respeito a inegável riqueza de sua herança cultural, que não gostaria de ver de modo algum apagada. Por outro lado, ressinto-me de que o nome singular de Jesus permaneça associado a um monstro burocrático no que tem de mais inofensivo e opressor no que tem de mais perverso, quando sua vida foi a de um matador de dragões dessa precisa natureza. Dito de outra forma, não tenho como condenar a permanência de alguma manifestação da igreja, mas não tenho como justificá-lo se você faz parte de uma.

Em janeiro de 1996 Walter Isaacson perguntou a Bill Gates a sua posição sobre espiritualidade e religião. Sua resposta entrará para os anais da infâmia – e não a dele. “Só em termos de alocação de recursos, a religião já não é coisa muito eficiente. Há muita coisa que eu poderia estar fazendo domingo de manhã”. Em resumo, o que dois mil anos de cristianismo institucional ensinaram ao homem mais antenado da terra é que religião é o que os cristãos fazem no domingo de manhã.

Só não ouse criticar o cara por sua visão rasa de espiritualidade. Fomos nós que demos essa impressão a ele, e só a nós cabe encontrar maneiras de provar que ele está errado.

Invente uma.

Visite: www.baciadasalmas.com

Por que ir à igreja é o menor dos seus problemas





Por Paulo Brabo





Estou inteiramente convicto (e já devo ter deixado suficientemente clara essa posição) de que a fidelidade de uma pessoa ao ensino, à herança e às expectativas de Jesus não tem nenhuma relação com a assiduidade da participação dessa pessoa nas atividades de uma agremiação religiosa de sua escolha. Sou ao mesmo tempo obrigado a apontar constantemente, através de citações e circunlóquios, que nada há de novo ou de original nessa idéia aparentemente revolucionária. Seria especialmente inexato chamá-la de revelação recente, visto que essa mesma noção tende a voltar periodicamente à tona ao longo dos séculos, e já esteve presente, por exemplo, na boca coletiva de Erasmo, de Tolstói, de Dostoiévski, de H. G. Wells, de Harnack, de Feuerbach, de Kierkegaard, de Simone Weil, de Bonhoeffer e – ainda mais tremendo e prenhe de consequências – do próprio Jesus, de seus primeiros seguidores e de seus primeiros biógrafos.

Por outro lado, é inteiramente natural que a idéia soe inédita e subversiva a cada vez que é articulada. Porque, se for verdade (como vejo que é), e se for cada vez mais aceita como verdade (como penso que está sendo, e por inúmeros motivos), haverá portentosas consequências para todo mundo.

Haverá, por exemplo, graves consequências para as próprias agremiações de que estamos falando. Outro dia alguém me escreveu, em tom de jocosa provocação, perguntando o que deveriam fazer os pastores evangélicos se todas as suas ovelhas seguissem os passos do Paulo Brabo e deixassem sumariamente de frequentar suas próprias igrejas. A resposta, que mandei imediatamente, não poderia ter sido mais enfática: “deveriam, evidentemente, tomar por concluída a sua tarefa!”

Se essa noção for sendo aceita como verdadeira, haverá ainda toda uma gama de consequências para os próprios frequentadores e ex-frequentadores de igreja, bem como para os candidatos a uma coisa e outra. Em especial, o que persiste no ar neste momento (em que um número cada vez maior de cristãos parece estar inteiramente pronto a debandar sensatamente do jugo da formalidade eclesiástica e abraçar a vertiginosa vocação do cristianismo secular) é a tentação de pensar que o ato escrupuloso e heróico de deixar de ir à igreja representa o atingimento de uma nova e notável estirpe de maturidade espiritual, um nirvana ao qual a massa dos igrejeiros, em sua cegueira e obtusidade, parece estar tão distante de alcançar.

É hora, evidentemente, de tratar deste assunto, e esta é a justificativa destas reflexões. Porque pode ser que você sinta-se finalmente pronto para dar o definitivo e corajoso passo na direção de Deus e para longe da religião; talvez você sinta-se enfaticamente chamado a participar da esclarecida elite dos que entenderam a mensagem secreta de Jesus e estão prontos a abraçar as consequências rigorosíssimas desta gnose; talvez você sinta-se inequivocamente desafiado a abandonar os confortos da igreja institucional em favor do cristianismo puro e simples daquele que não tinha, não tem e não terá onde reclinar a cabeça.

Pois se você se encaixa neste perfil, jovem candidato, o que você precisa ouvir é que a motivação legítima para abandonar a instituição deve ser a custosa consciência de não ser melhor do que ninguém, e não a gostosa conclusão de ter alcançado maior compreensão do que alguns; deve ser a insana disposição de abraçar a comunhão com todos, não a elite com uns poucos; deve nascer de uma nova capacidade de encontrar sensatez em todas as tradições religiosas, e não de uma velha habilidade de apontar adequadamente os defeitos da sua. Deve estar relacionada à vontade de abrir todas as portas, e não ao alívio de ver fechada uma. Antes de decidir deixar de fazê-lo, é preciso sacar que frequentar uma igreja é provavelmente o menor dos seus problemas.

A verdade, incrivelmente, é que Jesus não veio libertar você ou quem quer que seja daquilo que costumo chamar de igreja formal ou institucional.

Ele deixou claro, e disso não deve haver dúvida, que cada seguidor seu deve ser capaz de abraçar simultaneamente o peso da liberdade e a graça da responsabilidade. Ele chegou a dizer que este seria um caminho estreito, adotado por poucos ou com muito custo, mas não chegou a dizer onde o caminho levaria ou o que exigiria – provavelmente porque cada um teria de encontrar sua própria resposta, e no final haveria uma resposta para cada pessoa. Ele sem qualquer dúvida denunciou espetacularmente as armadilhas e tentações da religiosidade formal e mostrou-se invariavelmente pronto a criticar os religiosos profissionais em sua missão autoimposta e diabólica de semear a culpa e endossar a opressão. Por outro lado, e deve ser a hora de enfatizarmos isso, Jesus não chegou a convidar uma única pessoa, fosse um judeu trêmulo ou um carola romano pagão, a abandonar ou rejeitar sua própria tradição religiosa.

A tremenda singularidade dos evangelhos não está na revelação de que Deus não exige os sacrifícios da religiosidade e não encontra prazer neles; isso os profetas haviam deixado suficientemente claro quatrocentas páginas antes. A reviravolta trazida pelo exemplo, pela palavra e pela pessoa de Jesus é, como em tudo que diz respeito a ele, ao mesmo tempo mais exigente e mais sutil; é ao mesmo tempo mais pessoal e mais universal. Jesus não veio libertar o homem religioso das instituições religiosas, veio libertar a humanidade inteira de um paradigma ainda mais debilitante e infantilizante, de uma visão de mundo que chamarei, em regime temporário e na falta de melhor termo, de espiritualidade devocional.

Em tudo que faz e diz Jesus ao longo dos evangelhos promove a demolição dessa estirpe devocional de espiritualidade, propondo em seu lugar uma nova e revolucionária alternativa – uma espiritualidade, por assim dizer, existencial. Ao longo desta série de artigos quero deixar claro esta distinção e este método.

O fato é que a espiritualidade devocional é de tal modo insidiosa que você pode abandonar a igreja formal e ainda permanecer inteiramente aleijado pela espiritualidade devocional; em contraste, há os que permanecem voluntariamente debaixo das disciplinas (sempre arbitrárias) da instituição mas já foram inteiramente salvos das cadeias e escamas da espiritualidade devocional, e estes de nada mais precisam ser libertos. É por isso que é preciso ficar claro que deixar de ir à igreja não resolve nenhum problema e não envolve mérito algum. Frequentar a igreja é nada, e deixar de fazê-lo nada é; pelo contrário, sete demônios novos podem estar prontos para assumir o lugar daquele que você pensa que expulsou.

Aquilo de que precisamos ser salvos é da espiritualidade devocional – em favor de uma espiritualidade essencial e existencial, e isso pela exposição ao espírito subversivo de Jesus. É verdade que, em termos estritos, nenhuma manifestação exclusivista e proselitista de religião formal sobreviverá (e estou agora esperando que tudo dê certo) à vitória final da espiritualidade existencial. O que teremos na conclusão será uma forma inegociavelmente generosa e inclusiva de ortodoxia, mas esta é outra história. A missão de Jesus não é acabar com a religião. Embora a capitulação da religiosidade seja o resultado inevitável da assimilação universal da sua mensagem, seu cerne pulsante reside em outro lugar: no convite, no anúncio e na iminência do reino de Deus.

O que posso adiantar é que a espiritualidade devocional, que Jesus veio abolir, procura se expressar e se manter inteligível e relevante através de palavras e conceitos, e a espiritualidade existencial só sabe fazê-lo através de pessoas. A espiritualidade devocional procura encontrar Deus em todo lugar; a espiritualidade existencial procurar fornecer Deus a todos. A espiritualidade devocional tem sonhos e escrúpulos, a existencial não tem ilusões; a espiritualidade devocional pede confortos para si, a existencial provê conforto para os outros; a espiritualidade devocional submete-se à ilusão da vontade do grupo, a existencial exige o preço do autoconhecimento; a espiritualidade devocional busca sinais de que Deus esteja ouvindo, a existencial busca fornecê-los. A espiritualidade devocional almeja a intervenção de Deus e o controle do homem, a espiritualidade existencial quer a intervenção do homem e o reino de Deus.

Canção-tema da CF 2010

O filão religioso

Por Ricardo Gondim

As Casas Bahia disputam o mesmo mercado que a Magazine Luiza. As duas lojas se engalfinham para abocanhar o filão dos eletrodomésticos, guarda-roupas de madeira aglomerada e camas de esponja fina. Buscam conquistar assalariados, serralheiros, aposentados e garis. Em seus comercias, o preço da geladeira aparece em caracteres pequenos, enquanto o valor da prestação explode gigante na tela da televisão. A patuléia calcula. Não importa o número de meses, se couber no orçamento, uma das duas, Bahia ou Luiza, fecha o negócio - o juro embutido deve ser um dos maiores do mundo.

Toda noite, entre oito e dez horas, a mesma lengalenga se repete nos programas evangélicos. Pelo menos quatro “ministérios” concorrem em outro mercado: o religioso. Todos caçam clientes que sustentem, em ordem de prioridade, os empreendimentos expansionistas, as ilusões messiânicas e o estilo de vida nababesco dos líderes. Assim, cada programa oferece milagres e todos calçam suas promessas com testemunhos de gente que jura ter sido brindada pelo divino. Deus lhes teria abençoado com uma vida sem sufoco. Infelizmente, o preço do produto religioso nunca é explicitado. Alardeia-se apenas a espetacular maravilha.

Considerando que a rádio também divulga prodígios a granel, como um cliente religioso pode optar? Para preferir uma igreja, precisa distinguir sobre qual missionário, apóstolo, pastor ou evangelista, Deus apontou o dedo. E se tiver uma filha com leucemia aguda, não pode errar. Ao apelar para uma igreja com pouco poder, perde a filha.

O correto seria freqüentar todas. Mas como? Em nenhuma dessas igrejas televisivas o milagre é gratuito ou instantâneo. As letrinhas, que não aparecem na parte de baixo do vídeo, afirmariam que, por mais “ungido” que for o missionário, um monte de exigência vem embutida na promessa da bênção. É preciso ser constante nos cultos por várias semanas, contribuir financeiramente para que a obra de Deus continue e, ainda, manter-se corretíssimo. Um deslize mínimo impede o Todo Poderoso de operar; qualquer dúvida é considerada uma falta de fé, que mata a possibilidade do milagre.

Lojas de eletrodoméstico vendem eletrodoméstico, óbvio. Igrejas evangélicas comercializam a idéia de que agenciam o favor divino com exclusividade. E por esse serviço, cobram caro, muito caro. Afinal de contas, um produto celestial não pode ser considerado de quarta categoria. A "Brastemp" espiritual que os teleevangelistas oferecem vem do céu.

O acesso ao milagre se complica, porque todos mercadejam o mesmo produto. Os critérios de escolha se reduzem a prazo de entrega, conforto e garantia.

Opa, quase esqueci! As lojas, em conformidade com o Código do Consumidor, são obrigadas a dar garantia, mas as igrejas evangélicas não dão garantia alguma. O cliente nunca tem razão. Quando a filha morrer de leucemia, o pai, além de enlutado, será responsabilizado pela perda. Vai ter que escutar que a menina morreu porque ele “deu brecha” para o diabo, não foi fiel ou não teve fé.

Mercadologicamente, Casas Bahia e Magazine Luiza estão bem à frente das igrejas. Melhor assim, geladeira nova é bem mais útil do que a ilusão do milagre.

Campanha da Fraternidade 2010





11/01/2010 - Ecumênica


Maiá Menezes - O Globo, em 10/09/2009

RIO - O tema da Campanha da Fraternidade 2010, que será oficialmente lançadano dia 17 de fevereiro, foi divulgado nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro, aos pés do Cristo Redentor e sob intensa névoa.

A campanha do ano que vem reunirá as cinco igrejas do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil, entre elas a Católica. Será ecumênica pela terceira vez.

Tirada do evangelho de São Mateus, o lema "Vocês não podem servir a Deus e ao diabo" traduz a preocupação com "uma economia a serviço da vida", que caminhe para uma "sociedade sem exclusão", segundo o reverendo anglicano Luiz Alberto, secretário-geral do Conic.

Apesar de não ser o eixo principal da campanha, também consta no material e no discurso dos que a coordenam a preocupação com a mistura entre religião e dinheiro. Em seu discurso, o reverendo Luiz Alberto fez o alerta:

- Hoje, como no passado, as comunidades cristãs devem se interrogar sobre seu patrimônio, seu uso do dinheiro e seu compromisso com a transformação econômica e social do país.

O texto-base, divulgado ontem, também faz referência a essa preocupação. "As comunidades cristãs precisam resistir à tentação de transformar o culto a Deus em moeda para a obtenção de prosperidade. O cristão é um servidor, não alguém que recorre a Deus em busca de favores", diz trecho na página 66 do documento.

Dom Dimas Lara Barbosa, secretário geral da CNBB, afirmou, em entrevista, que a teologia da prosperidade é "neopagã" e se confronta com o evangelho.

Contundente, o documento faz ainda críticas à dificuldade na implantação de políticas públicas, como a reforma agrária:

"As fracas políticas de reforma agrária falharam nos seus objetivos de reduzir a concentração a terra e também falharam em oferecer condições dignas de trabalho a milhões de famílias de trabalhadores que foram expulsos da terra por meios corruptos e violentos ou por tragédias climáticas. Há uma intensa e contínua expansão do agronegócio e de várias formas de atividade econômica, baseadas no uso irresponsável dos recursos naturais". O texto fala ainda em corrupção: "Tomamos conhecimento todos os dias de uma deplorável série de formas de corrupção, com políticos que usam seu cargo para obter lucro e privilégio para si e para seus aliados, colocando interesses econômicos acima das reais necessidades do povo".

Convidada para o encontro, a senadora Marina Silva (PV-AC), evangélica da Assembleia de Deus, foi saudada por turistas como candidata à presidência e afirmou que "não temos como ser solidários sem preservarmos a base do desenvolvimento". Ela disse ainda que costuma ser criticada por acreditar em utopias, mas que o "pragmatismo tem destruído a natureza e as relações políticas".

Aprender com as abelhas...

Jesus veio buscar e salvar o perdido (João 3.16-21)

Por Rev. Guilhermino Cunha


“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (VS.16)

A missão do Filho de Deus foi buscar e salvar o que se havia perdido. O pecado aliena o homem de Deus, o faz viver em rebeldia e contrariamente ao que a Palavra de Deus ordena. Desobediência e rebeldia fazem parte do cerne da Queda. Esta palavra é o que ela significa: Cair da Graça de Deus, deixar de ouvir a voz de Deus e obedecê-lo, para ouvir a voz enganosa da Serpente, do Diabo.

(I) SALVOS DE QUE E PARA QUE?
• Somos salvos dos nossos pecados pesados: “Dos teus pecados não me lembrarei mais, diz o Senhor.” (Jeremias 31.34). Somos libertos da culpa e do peso daqueles pecados.
• Somos salvos dos nossos pecados presentes: Eu e você vivemos pela Graça, pelas misericórdias de Deus que se renovam a cada manhã, como ensina o profeta Jeremias em Lamentações 3.22 ss. Quem sobrevive pelo perdão, pela graça e pela misericórdia, não pode, nem deve viver julgando ou prejulgando uns aos outros, Como quase sempre acontece.
• Somos salvos dos nossos pecados futuros: Há poder no sangue de Jesus para perdoar e salvar a todos os que creem e confessam a Jesus Cristo. “ A Redenção é universal, mas a salvação é pessoal.” Acontece para os que estão “em Cristo”. Neste mês da Reforma, reafirmamos: “Solus Christus” – Cristo somente e apenas Cristo; “Sola Gratia”, a Graça somente; “Sola Scriptura”, a Escritura somente; e “Sola Fides”, a fé somente.
• Seremos, um dia, postos a salvo e totalmente imunes à presença do pecado. É claro que isto somente se dará do outro lado da eternidade. Por enquanto, precisamos orar como Jesus ensinou: ... Não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal.” (MT 6.13).

(II) LIÇÕES DEVOCIONAIS PRECIOSAS DE JOÃO 3.16
1ª) A expressão “de tal maneira” nos ensina que o amor de Deus foi em grau infinito e de tal maneira glorioso, unilateral e incondicional que nos desafia a amar, como Ele nos amou; a perdoar, como Ele nos perdoou; e a compreender, como Ele nos compreende. Por mais difícil ou quase impossível que seja, o ideal a ser perseguido é este.

2ª) Deus amou, ama e amará sempre: porque DEUS É AMOR, SEM QUE O AMOR SEJA DEUS. Deus é sempre pleno de amor e vida. Tomemos todas as virtudes humanas, elevemo-las à sua máxima potência, o quadro resultante será tão somente uma pálida sombra se comparado com o amor-vida que é Deus. Basta lembrar 1ª de João 4.19: “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro”, para compreendermos que o nosso amor é resposta ao grande e maravilhoso amor de Deus.
3ª) O sujeito do amor é Deus o objeto é o homem e o mundo. As palavras “para que todo aquele que nele crê” sinalizam que não são as árvores, nem os animais, nem as aves ou os peixes, e sim a raça humana é o objeto do amor salvífico de Deus..

4ª) O propósito de Deus é “para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Deus não abandonou a humanidade; em Cristo, Ele veio “buscar e salvar o perdido”. Levantar o caído, em nome de Jesus! É a Missão da Igreja.
.
Concluindo,
• Deus veio, em Cristo, para buscar e salvar; não para condenar. A salvação é oferecida gratuitamente, em Cristo: “Não endureças o teu coração...”
• O propósito redentor não se limita ao “povo eleito”, os judeus; mas a todos os eleitos, em todos os tempos e lugares;
• O objetivo essencial da primeira vinda de Cristo foi para salvar e não para julgar;
• O que crê não será condenado, o que não crê já está condenado. A pessoa que tem Cristo, pela fé, não é julgada, ou seja, Romanos 8.1 é verdade.
• A pessoa que rejeita a Jesus Cristo, como o Filho de Deus que veio em carne, já está condenada: o julgamento final será apenas declaratório.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A Oração






Por Rubem Alves



Hoje vou escrever sobre a arte de "rezar". Dirão que esse não é tópico que devesse ser tratado por um terapeuta. Rezas e orações são coisas de padres, pastores e gurus religiosos, a serem ensinadas em igrejas, mosteiros e terreiros. Acontece que eu sei que o que as pessoas desejam, ao procurar a terapia, é reaprender a esquecida arte de rezar. Claro que elas não sabem disto. Falam sobre outras coisas, dez mil coisas. Não sabem que a alma deseja uma só coisa, cujo nome esquecemos. Como disse T. S. Eliot, temos conhecimento do movimento, mas não da tranqüilidade; conhecimento das palavras e ignorância da Palavra. Todo o nosso conhecimento nos leva para mais perto da nossa ignorância, e toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte.

A terapia é a busca desse nome esquecido. E quando ele é lembrado e é pronunciado com toda a paixão do corpo e da alma, a esse ato se dá o nome de poesia. A esse ato se pode dar também o nome de oração.

Por detrás da nossa tagarelice (falamos muito e escutamos pouco) está escondido o desejo de orar. Muitas palavras são ditas porque ainda não encontramos a única palavra que importa. Eu gostaria de demonstrar isso - e a demonstração começa com um passeio. Para começar, abra bem os olhos! Veja como este mundo é luminoso e belo! Tão bonito que Nietzsche até mesmo lhe compôs um poema:

“Olhei para este mundo - e era como se uma maçã redonda se oferecesse à minha mão, madura dourada maçã de pele de veludo fresco... Como se mãos delicadas me trouxessem um santuário, santuário aberto para o deleite de olhos tímidos e adorantes: assim este mundo hoje a mim se ofereceu...“

Tudo está bem. Tudo está em ordem. Nada impede o deleite dessa dádiva. Ninguém doente. Nenhuma privação econômica terrível. E há mesmo o gostar das pessoas com quem se vive, sem o que a vida teria um gosto amargo.

Mas isso não é tudo. Além das necessidades vitais básicas a alma precisa de beleza. E a beleza - o mundo a serve a mancheias. Está em todos os lugares, na lua, na rua, nas constelações, nas estações, no mar, no ar, nos rios, nas cachoeiras, na chuva, no cheiro das ervas, na luz que cintila na água crespa das lagoas, nos jardins, nos rostos, nas vozes, nos gestos.

Além da beleza estão os prazeres que moram nos olhos, nos ouvidos, no nariz, na boca, na pele. Como no último dia da criação, temos de concordar com o Criador: olhando para o que tinha sido feito, viu que tudo era multo bom.

E, no entanto, sem que haja qualquer explicação para esse fato, tendo todas as coisas, a alma continua vazia. Álvaro de Campos colocou este sentimento num poema:

“Dá-me lírios, lírios, e rosas também. Crisântemos, dálias, violetas e os girassóis acima de todas as flores. Mas por mais rosas e lírios que me dês, eu nunca acharei que a vida é bastante, Faltar-me-á sempre qualquer coisa. Minha dor é inútil como uma gaiola numa terra onde não há aves. E minha dor é silenciosa e triste como a parte da praia onde o mar não chega.“

Como se uma nuvem cinzenta de tristeza-tédio cobrisse todas as coisas. A vida pesa. Caminha-se com dificuldade. O corpo se arrasta. As pessoas procuram a terapia alegando faltar um lírio aqui, uma rosa ali, um crisântemo acolá. Buscam, nessas coisas, a única coisa que importa: a alegria. Acontece que as fontes da alegria não são encontradas no mundo de fora. É inútil que me sejam dadas todas as flores do mundo: as fontes da alegria se encontram no mundo de dentro.

O mundo de dentro: as pessoas religiosas lhe dão o nome de alma. O que é a alma? Alma são as paisagens que existem dentro do nosso corpo. Nosso corpo é urna fronteira entre as paisagens de fora e as paisagens de dentro. E elas são diferentes “O homem tem dois olhos“, disse o místico medieval Angelus Silésius. “Com um ele vê as coisas que passam no tempo. Com o outro ele vê o que é eterno e divino.“ Em algum lugar escondido das paisagens da alma se encontram as fontes da alegria - perdidas. Perdidas as fontes da alegria as paisagens da alma se apagam, o corpo fica como uma casa vazia. E quando a casa está vazia, vai-se a alegria. E as paisagens de fora ficam feias (a despeito de serem belas).

O mundo de fora é um mercado onde pássaros engaiolados são vendidos e comprados. As pessoas pensam que, se comprarem o pássaro certo, terão alegria. Mas pássaros engaiolados, por mais belos que sejam, não podem dar alegria. Na alma não há gaiolas.

A alegria é um pássaro que só vem quando quer. Ela é livre. O máximo que podemos fazer é quebrar todas as gaiolas e cantar uma canção de amor, na esperança de que ela nos ouça. Oração é o nome que se dá a esta canção para invocar a alegria.

Muitas orações são produtos da insensatez das pessoas. Acham que o universo estaria melhor se Deus ouvisse os seus conselhos. Pedem que Deus lhes dê pássaros engaiolados, muitos pássaros. Nisso protestantes e católicos são iguais. Tagarelam. E nem se dão ao trabalho de ouvir. Não sabem que a oração é só um gemido. “Suspiro da criatura oprimida“: haverá definição mais bonita? São palavras de Marx. Suspiro: gemido sem palavras que espera ouvir a música divina, a música que, se ouvida, nos traria a alegria.

Gosto de ler orações. Orações e poemas são a mesma coisa: palavras que se pronunciam a partir do silêncio, pedindo que o silêncio nos fale. A se acreditar em Ricardo Reis, é no silêncio que existe no intervalo das palavras que se ouve a voz de “um Ser qualquer, alheio a nós“, que nos fala. O nome do Ser? Não importa. Todos os nomes são metáforas para o Grande Mistério inominável que nos envolve. Gosto de ler orações porque elas dizem as palavras que eu gostaria de ter dito mas não consegui. As orações põem música no meu silêncio.

(Transparências da eternidade, Verus, 2002)

A Igreja como problema

Por Leonardo Boff

Mais que resposta a problemas a Igreja mesma é um problema. No século XVI com a Reforma protestante dilacerou-se o corpo da cristandade e na Igreja criou-se um problema: entre tantas Igrejas, qual é a verdadeira? Para reafirmar-se, organizou uma defensiva chamada Contra-Reforma. A partir do século XVII com o despontar da razão crítica e da secularização, agravou-se o problema da Igreja: tem sentido ainda a religião, a revelação e a Igreja? Novamente para defender-se, organizou outra defensiva contra o mundo moderno. Os dois processos ocasionaram uma excessiva centração da Igreja sobre si mesma e assim sua marginalização do curso da história. O Papa João XXIII que tinha enorme bom senso captou o equívoco da defensiva. E também foi suficientemente humilde para perceber que sozinho não poderia fazer um acerto de contas, sem dividir a Igreja. Convocou os bispos do mundo inteiro, reunidos no Concílio Vaticano II (1962-1965) para encontrar juntos uma resposta positiva. Em consequência a Igreja se entendeu a si mesma como Povo de Deus, viu a necessidade do diálogo ecumênico com as Igrejas e com as demais religiões e a urgência do mesmo diálogo com o mundo moderno, valorizando suas principais conquistas. Nasceu um novo rosto da Igreja moderna. É a Reforma Católica que tanta esperança e vida nova tem suscitado pelo mundo afora.

Entretanto, em todos os processos de mudanças há sempre resistências e oposições. Elas predominaram naquelas Igrejas que eram perseguidas como na Polônia e em setores importantes da Cúria vaticana, notoriamente conservadora.

Desta área veio o Papa João Paulo II. Com ele começa uma Contra-Reforma contra a Reforma Católica. Retoma o conceito de Igreja fundamentalmente como Hierarquia. Reafirma que as outras Igrejas não são propriamente Igrejas, tendo apenas elementos eclesiais e sustenta que a Igreja é a única religião verdadeira e que os professantes das religiões do mundo estão em grave risco de salvação. É o conteúdo essencial do documento Dominus Jesus do ano 2000 publicado pelo Card. Ratzinger e aprovado pelo Papa. O coração ecumênico continuou organizando encontros cordiais, mas a cabeça fundamentalista criou um sentimento avassalador: a Igreja Católica não muda mesmo e conserva sua arrogância fundamental. Este fechamento se manifestou em quase todos os âmbitos, na administração da Igreja, na doutrina, na moral especialmente no que se refere à sexualidade e à mulher. O Pontificado de João Paulo II significou um longo hiato no processo de atualização da Igreja. Foi uma tentativa de voltar ao modelo anterior, da Igreja bastião de verdades ao invés da casa de janelas e portas abertas a todos de boa-vontade.

O desafio nestes dias é este: irão os cardeais escolher um Papa que retoma a Reforma Católica do Concílio Vaticano II com as contribuições das Igrejas do Terceiro Mundo que deram centralidade aos pobres e à justiça ou um Papa que prolonga a Contra-Reforma, com o uso da dramatização mediática, da centralização na figura do Papa e na Cúria, com um discurso apenas moralizante sobre os pobres e a justiça? Pouco importa o Papa, o que importa é que tenha o bom senso de um João XXIII e convoque um concílio de todas as Igrejas para juntas darem uma contribuição sem arrogância às graves questões da humanidade. Que o Espírio os ilumine.

Sobre Teologia...

Teologia como a palavra sugere é o discurso sobre Deus e de todas as coisas vistas à luz de Deus. Constitui uma singularidade de nossa espécie que, num momento da evolução de milhões de anos, tenha surgido a consciência de Deus. Com essa palavra - Deus - se expressa um valor supremo, um sentido derradeiro do universo e da vida e uma Fonte originária de onde provêm todos os seres.

Esse Deus sempre habita o universo e acompanha os seres humanos. Os textos sagradas das religiões e das tradições espirituais testemunham a permanente atuação de Deus no mundo. Ele sempre atua favorecendo a vida, defendendo o fraco, oferecendo perdão ao caido e prometendo a eternidade da vida em comunhão com Ele.

Pertence à fé dos cristãos afirmar que Deus se acercou da existência humana e se fez Ele mesmo Deus em Jesus de Nazaré. Assim a promessa de união benaventurada com Ele se antecipa e será a destinação de todos os seres e da inteira criação.

Entre as muitas funções da teologia, hoje em dia, duas são mais urgentes: como a teologia colabora na libertação dos oprimidos que são nossos cristos crucificados hoje e como a teologia ajuda a preservar a memória de Deus para que não se perca o sentido e a sacralidade da vida humana, ameaçada por uma cultura da superficialidade, do consumo e do entretenimento. Devemos unir sempre fé com justiça donde nasce a perspectiva de libertação e importa manter a chama da lamparina sagrada sempre acesa, donde se alimenta a esperança humana de um futuro bom para a Terra e a humanidade.




Bibliografia mínima de orientação
- Barth, Karl, Introdução à teologia evangélica, Sinodal, São Leopoldo 1977.
- Boff, Clodovis, Teologia e prática. Teologia do político e suas mediações, Vozes, Petrópolis 1993.
- Boff, Clodovis, Teoria do método teológico, Petrópolis, Vozes 1998.
- Boff, Leonardo e Clodovis, Como fazer teologia da libertação, Vozes, Petrópolis 1993.
- Boff, Leonardo, Experimentar Deus. A transparência de todas as coisas, Verus, Campinas 2002.
- Gutiérrez, Gustavo, Teologia da libertação. Perspectivas, Vozes, Petrópolis 1985.
- Latourelle, René, Teologia, ciência da salvação, Paulinas, S.Paulo 1971.
- Libânio, João Batista e Murad, Afonso, Introdução à teologia. Perfil, enfoques, tarefas, Loyola, S.Paulo 1996.
- Libanio, João Batista, Eu creio-nós cremos. Tratado da fé, Loyola, São Paulo 2000.