quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

S.João Crisóstomo






Nasceu na Antioquia e viveu de 344 a 405 (ou 407). Tinha inclinações para asceta, diretor de consciências e pregador de massa. Porém, não tinha senso político e era intransigente nos seus princípios. Ele figura entre os quatro grandes Padres do Oriente. Deixou uma grande obra escrita que se divide em três classes: homilias; tratados e cartas. As homilias se dividem em homilias sobre o Antigo Testamento, sobre o Novo Testamento e homilias dogmáticas e polêmicas. A citação, no caso, é das homilias do Novo Testamento, sobre o Evangelho de São João. Como pregador, muitas vezes tomava a defesa dos pobres que estavam padecendo necessidade: “nunca pactuou com o escândalo da riqueza e do luxo que se expõem aos olhos dos pobres”. Erguendo a voz contra a opressão dos ricos, o luxo e a cobiça, lembrando os limites da propriedade e a dignidade do homem. Reagindo, também, contra a escravidão e a sua alienação. Quando assumiu o episcopado de Constantinopla, S. João Crisóstomo, segundo Hamman, “Despojou a casa episcopal do luxo acumulado por seu predecessor, acabou com as recepções suntuosas, levando uma vida frugal”. Além disso, corrigiu abusos clericais e monacais, instituiu hospitais e asilos e empreendeu evangelização na zona agrícola.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Espírito e arte





Espírito e arte


Jaci Maraschin

Quando se fala de espírito estamos em face de um termo altamente equívoco e, portanto, plurívoco. A mesma coisa acontece com o termo arte. Cada orientação filosófica, religiosa e artística entende esses termos de maneiras diferentes. Além disso, no interior de cada uma dessas condições os significados se fragmentam e “espírito e arte” passam a querer dizer qualquer coisa segundo preferências, interesses e posições. Entre os filósofos, teólogos e artistas do mundo antigo e os da pós-modernidade a gama de nuances é enorme. Os que se acostumaram com o pensamento antigo situam o espírito mais para o lado da essência e da abstração do que os pensadores atuais. Os que praticam métodos acadêmicos para a produção e, conseqüentemente, para a produção de obras de arte não consideram arte o que faz, por exemplo, Duchamp. No campo da música as repetições do minimalismo e as dissonâncias da “música nova”, por exemplo, parecem pertencer a outra categoria de criação estética se comparadas com a música harmoniosa e agradável de Bach e Mozart.

Os teólogos, entre outros metafísicos, já analisaram o significado do termo “espírito” à exaustão. Paul Tillich, por exemplo, fala até mesmo da igreja como “comunidade espiritual”. Alguns conferem-lhe certa substância e, outros, caráter divino. O deus da metafísica é um ser espiritual. Nas definições dogmáticas, essa incompreensível espiritualidade chega mesmo a se transformar na terceira pessoa da santíssima trindade com o nome de “Espírito Santo” muito embora pouco pessoal e nada concreta.

Aqui no Brasil, talvez por influência do espiritismo, de movimentos pentecostais e carismáticos e de certos tipos de protestantismo, “espírito” significa a parte assim chamada “nobre” do ser humano, capaz de agir sobre o corpo de maneira purificadora e salvadora.Nesse caso, o corpo representaria a parte baixa e vil da pessoa. Pressupõe a desencarnação até mesmo quando se afirma a encarnação. A dialética da encarnação, desencarnação e reencarnação povoa boa parte do imaginário religioso em nosso país. Nos meios teológicos o Espírito Santo pode ser identificado com o que a tradição bíblica chama de espírito de Deus, também relembrado nas aulas de nossos seminários teológicos pelo termo hebraico, ruah, ou pelo grego, pneuma. Assim o espírito é também sopro, vento, ar.

É na concepção de ar que desejo situar o conceito de espírito em relação não apenas com a religião mas principalmente com a arte. Ao proceder assim, estou dando um salto arriscado sobre o abismo que separa a metafísica e a estética do passado e a pós-modernidade. E o que estou querendo dizer também se relaciona com o conceito semelhante de “alma” tão em voga nos meios religiosos e artísticos. Boa parte da pregação evangelística concentra-se em esforços para salvar a “alma” dos pecadores. Da mesma forma, dize-se sem muita reflexão que este ou aquele artista interpreta a obra de arte a seus cuidados “com alma”. Eu costumo dizer que um bom pianista é o que toca seu teclado com as mãos e que melhor realiza o seu trabalho se possuir a necessária técnica para executar a obra que apresenta. Acho que, nesses casos, a palavra “alma” é utilizada de maneira equívoca. Talvez ajude o leitor relembrar que essa palavra, “alma”, vem do latim “anima”, raiz de nossos vocábulos, “ânimo, animação, animal, animalidade” e, conseqüentemente, com seus opostos, “desânimo, desanimação, e negação do animal e da animalidade”. Dizemos que os seres vivos são seres animados. A nossa animalidade expressa a energia vital sem a qual nos desanimamos e morremos. Quando Maria, no Magnificat, faz poesia ( isto é, anima-se a cantar a vida), declara que sua alma engrandece ao Senhor, e que seu espírito se alegra ... , está querendo dizer que seu corpo, agora cheio ( prenhe) de vida, animaliza-se e respira com o sêmen que agora começa a transformar o seu corpo no processo vital da maternidade. O Espírito é sopro, vento e ar. Que outra coisa poderiam ter sido as palavras do anjo Gabriel senão essa ventania? O ato da procriação é ato animal. Essa animalidade, sem a qual nada se cria, realiza-se por meio do vigor alimentado pelo ar. Espiritualidade significa respirar, isto é, estar vivo e viver na animação dessa vitalidade.

Lembremo-nos da lenda da criação de Adão. Sem o ar soprado por Deus ele jamais teria passado de mero pó da terra transformado em barro e moldado pelas mãos de Deus como se fosse uma escultura. Só se tornou vivo quando se encheu de ar. E só se tornou ser espiritual quando começou a respirar. Espiritualidade, então, quer dizer isto: capacidade de respirar – respiração. Na lista estabelecida por Hegel, na sua densa e extensa obra sobre o Espírito, não encontrei esse conceito. Para ele, o espírito é a mente humana em contraste com a natureza; pode ser até mesmo o elemento psicológico embutido em cada um de nós, incluindo aí a intuição, a consciência, a vontade, etc. Para alguns religiosos, espírito, como já disse seria a mesma coisa que alma. Mas todos se esquecem do ar, mesmo se o ar é tão evidente nos livros sagrados.

Em nossa época, foi Luce Irigaray, filósofa francesa, que a partir de Anaxímenes, retomou o tema do ar no pensamento contemporâneo capaz de superar até mesmo as considerações de Heidegger sobre o ser e o tempo e sobre as relações entre ser e nada. Ela chama a nossa atenção para certas qualidades do ar: está em toda parte ( não era assim que a gente aprendeu a definir Deus no catecismo e na escola dominical de nossas igrejas?, é invisível, envolve a terra, sacode as árvores, ao mesmo tempo em que se faz sentir em nossa pele. Por que será que as religiões antigas inventaram os anjos? Esses seres voadores sempre foram aéreos. Aéreos e rarefeitos. Aéreos e misteriosos como o ar. Tornaram-se, em diversas tradições, sinônimos de beleza. Foram mensageiros dessa beleza aérea. Não será aérea toda a beleza? Vocês já se deram conta de que nossas experiências com a beleza tem a ver com a respiração? Que quando ficamos ofegantes nossa respiração se modifica? Ou será que ficamos ofegantes porque a respiração se enche do novo ar emanado da beleza? Dessa beleza aérea? Em outras palavras, estou querendo dizer que a beleza é leve. Porque os anjos eram feitos de ar podiam atravessar paredes e subir e descer quando bem quisessem. Os santos antigos levitavam. Ficavam cheios de espírito, isto é, ficavam parecidos com o ar. Os anjos foram representados com asas. Botticelli até mesmo chegou a pintar anjos com asas de borboleta. As asas das borboletas são mais leves do que as dos pássaros. Não têm penas nem ossos. Essas representações da imaginação artísticas não significam exigências para a existência dos anjos. Eles nem mesmo precisariam de asas porque eram feitos de ar. Essas representações não são exigidas por eles, mas por nossa ignorância. As narrativas da descida do Espírito Santo para encontrar os apóstolos de Jesus mencionam, no dizer pictórico do livro sagrado, a experiência de um barulho “que parecia um vento soprando muito forte que encheu toda a casa onde estavam sentados” ( At 2.2). As línguas de fogo, que eles teriam visto, após, só se tornaram possíveis por causa desse vento que teria enchido a casa de ar. Não há fogo sem ar.

Embora Kant não se tenha demorado muito na consideração do conceito de espírito, afirmou que era um elemento “estimulante” da mente. Que mais pode estimular a mente do que o ar?

Leiamos o parágrafo 49 escrito por ele na Crítica da faculdade do juízo :

“Diz-se de certos produtos, dos quais se esperaria que devessem pelo menos em parte mostrar-se como arte bela, que eles são sem espírito, embora no que concerne ao gosto não se encontre neles nada censurável. Uma poesia pode ser verdadeiramente graciosa e elegante, mas é sem espírito. Uma história é precisa e ordenada, mas sem espírito. Um discurso festivo é profundo e requintado, mas sem espírito. Muita conversação que entretém, pode ser, contudo, sem espírito; até de uma mulher diz-se: ela é bonita, comunicável e correta, mas sem espírito. Que é, pois, que se entende aqui por espírito?” E responde: “Espírito, em sentido estético, significa o princípio vivificante no ânimo”. Kant, porém , não consegue fazer retroceder seu pensamento ao poder que vivifica, que é o ar.

Walter Benjamin dizia , sem entender muito bem o que estava dizendo, que a característica da verdadeira obra de arte era a aura. Que queria dizer com isso? Referia-se à sua singularidade irrepetível e irreprodutível. O grande engano de Benjamin situa-se precisamente nessa afirmação dogmática posto que não se trata de aura mas de ar. No seu conceito de obra de arte não cabem as grandes obras do cinema nem da gravura nem mesmo da escultura para não falarmos do teatro e da música sempre repetíveis e reproduzíveis. Diz-se de uma sinfonia bem tocada que se trata de uma obra de fôlego. Que quer dizer fôlego? O nosso bom Aurélio nos ajuda: 1. Respiração. 2. Ato de soprar (estou me lembrando dos músicos que tocam flauta, oboé, fagote e trompete). 3.. Capacidade de reter o ar nos pulmões (que tal Jessie Norman?). 4. Espaço de tempo para refazer as coisas perdidas. 5. Fig. Ânimo, coragem. Assim, qualquer obra de arte será sempre obra de fôlego e por causa disso nos leva a “folgar”. Em outras palavras, nos dá prazer. Acaba sendo um folguedo.

A respiração nos faz seres espirituais e animados ( isto é, cheios de alma). Somos seres que respiram e que, por isso, vivem. É na respiração e por meio dela que criamos. Assim, as obras de arte são obras do ar. Sem querer, também dizemos que elas criam certa atmosfera. Quem visita, por exemplo, em São Paulo, a Oca, no Parque do Ibirapuera, sente essa atmosfera que não está presente apenas nas obras de arte que são ali periodicamente mostradas, mas na própria arquitetura que as abriga. É do ar que vem o movimento. As partes de uma peça musical chamam-se de “movimentos” . E quando recitamos nossos poemas e dizemos nossas frases, mesmo as mais banais, só fazemos isso se abrirmos nossas bocas e se deixarmos passar por elas o ar que as alimenta.

A espiritualidade, assim concebida, relaciona-se de maneira privilegiada com as obras de arte porque nelas nada mais importa do que seu aparecimento. Entre elas e o ar não se interpõem os elementos asfixiantes que experimentamos na poluição do trânsito, no ruído das máquinas e na agitação da bolsa de valores. São como os anjos. Quanto menos pesadas mais cheias de espírito e mais condutoras da respiração. Quanto mais destituídas de sentido ( de lógica) mais espirituais. Menos carregadas de mensagens. Mais transparentes ao ar que as envolve e torna possíveis. Portanto, mais perto da vida.

É por isso, talvez, que depois da metafísica e da teologia que morreram ou que estão morrendo asfixiadas pela falta de ar sobra para a nossa alegria e fruição a arte. A metafísica e a teologia morreram ou estão morrendo porque foram encerradas em grandes caixas de metal cuidadosamente fechadas com ferrolhos e parafusos de dogmas racionais, de princípios e de fundamentos sólidos e irrefutáveis e de certezas feitas de chumbo. Foram, além disso, embaladas em sistemas feitos de tecidos infalíveis e eternos, e de postulados entrincheirados em silogismos e conceitos puros. A história da metafísica e da teologia conseguiu produzir dentro dessas caixas o vácuo da academia. São containers sem ar.

A arte é ainda o lugar que sobra em nosso mundo para a respiração. É a clareira de que fala Heidegger, possível de ser encontrada depois de se percorrer a floresta cheia das sombras do pensamento puramente racional.

O espírito e a arte relacionam-se com o rito porque nele, celebra-se gratuitamente, o estar-no-mundo. Nossos rituais estendem-se desde os religiosos até os sociais e comemorativos. São as liturgias quando libertadas dos livros de reza, os festejos populares quando desvencilhados das manipulações do comércio, e os atos de amor quando libertados das regras heterônomas impostas pelo moralismo e pelo puritanismo de igrejas e grupos sociais. A gratuidade dos ritos pode derrubar a tirania dos que querem submeter a vida humana a leis e a dogmas que contrariam a vida e o prazer de viver.

O rito é, pois, obra de arte.

Um aluno de filosofia me perguntou, à queima roupa, que era arte. Fiquei perturbado porque não queria cair na armadilha metafísica da estética e lhe dar uma definição. Escrevi-lhe, então, o seguinte:
arte é o que a gente faz quando não tem nada para fazer
e faz apenas porque sente vontade de fazer o que vai fazer
não importa o que se faz
se pego uma pedra e tenho vontade de tirar uma lasca dessa pedra
eu tiro essa lasca e isso é arte
mas se eu não pego essa pedra e não tiro essa lasca
então não fiz arte
a arte é pois inteiramente inútil
não serve para nada que seja necessário
muito embora esse fazer acabe sendo uma espécie de impulso
sem o qual eu não saberia viver
nesse caso a arte passa da inutilidade
para a realização do que em mim não tem nenhum sentido
é parecida com o brinquedo
a diferença é que o brinquedo não foi feito por mim
a arte é o que eu faço quando não tenho nada para fazer
nada que venha de fora por imposição ou dever
a arte não tem dever
não é ética
ir ao cinema, por exemplo, não é arte
é apenas fruição da arte que um outro que não eu fez
mas a fruição da arte é também inútil
a não ser se considerarmos útil a fruição
ela só serve para ser fruída
e termina aí
fazemos usos da arte
mas os usos da arte não são arte
são apenas seus usos
e o artista não tem controle sobre eles

O autor é editor da revista Correlatio e professor de hermenêutica e estética no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP.

Modelos de ministério pastoral

MODELOS DE MINISTÉRIO PASTORAL - John Sttot


Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus.

Ora, além disso, o que se requer nos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel. Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo. Porque, embora em nada me sinta culpado, nem por isso sou justificado; pois quem me julga é o Senhor. Portanto nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor. Ora, irmãos, estas coisas eu as apliquei figuradamente a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, de modo que nenhum de vós se ensoberbeça a favor de um contra outro. Pois, quem te diferença? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido? Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós já chegastes a reinar! E oxalá reinásseis de fato, para que também nós reinássemos convosco!

Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte; pois somos feitos espetáculo ao mundo, tanto a anjos como a homens. Nós somos loucos por amor de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos, e vós fortes; vós ilustres, e nós desprezíveis. Até a presente hora padecemos fome, e sede; estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos; somos injuriados, e bendizemos; somos perseguidos, e o suportamos; somos difamados, e exortamos; até o presente somos considerados como o refugo do mundo, e como a escória de tudo. Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a filhos meus amados.

Porque ainda que tenhais dez mil aios em Cristo, não tendes contudo muitos pais; pois eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus. Rogo-vos, portanto, que sejais meus imitadores. Por isso mesmo vos enviei Timóteo, que é meu filho amado, e fiel no Senhor; o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo, como por toda parte eu ensino em cada igreja. Mas alguns andam inchados, como se eu não houvesse de ir ter convosco. Em breve, porém, irei ter convosco, se o Senhor quiser, e então conhecerei, não as palavras dos que andam inchados, mas o poder. Porque o reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder. Que quereis? Irei a vós com vara, ou com amor e espírito de mansidão? (i Corintios 4) Paulo nos dá um modelo de ministério cristão. Este é um tema sobre o qual atualmente há muita confusão. O que é o clérigo ou o pastor ordenado? A que se assemelha, ao sacerdote católico ou ao presbítero da tradição reformada? É pastor, evangelista, profeta, pregador? É psicoterapeuta, administrador, trabalhador social? Esta indefinição do perfil do ministro cristão não é nova. Ao longo da sua história, a igreja tem oscilado entre os extremos do clericalismo e o anticlericalismo, às vezes exaltando aos ministros e outras os considerando imprescindíveis. Mark Twain inclui uma cena expressiva em sua conhecida novela, As aventuras de Huckleberry Fynn. Huck relata a uma jovem que, na igreja quefreqüenta seu tio, na Inglaterra, havia pelo menos 17 clérigos, ainda que nem todos pregavam no mesmo dia. Johanna pergunta a ela o que fazem os restantes clérigos, e Huck responde: “Não muito. Vão de um lado para outro, passam o prato para as ofertas, mas não muito mais”. “Então para que estão lá?”, pergunta sua amiga. E Huck responde: “Bem, é para manter o estilo. Acaso você não entende nada de estilo?”

A liderança cristã

Quando lemos a carta de Paulo ao Corintios, vemos que desde o começo houve percepções erradas sobre o lugar do ministro ordenado. As facções em Corinto brigavam entre si para apoiar um líder em particular, e Paulo reage horrorizado por este culto aos líderes. Para corrigir o conceito dos corintios, o apóstolo desenvolve quatro modelos do que é o ministério de um pastor ordenado. Ainda que descreva seu próprio ministério apostólico, as figuras também se aplicam ao ministério cristão atual. Cada modelo ou metáfora ilustra uma verdade essencial sobre a liderança cristã.

Servos de Cristo

Antes de ser ministro da Palavra ou da igreja, os líderes são ministros ou servos de Cristo. Sem dúvida, existem passagens da Bíblia que enfatizam a honra do ministério cristão e motivam à igreja a ter estima e amor pelos que desempenham essa função. Mas aqui, Paulo usa uma expressão de muita humildade; o termo grego que se traduz como “servo” é uperetes. É interessante a origem desta palavra. Os barcos do mundo antigo tinham três níveis de remadores. Osuperet es eram os que estavam no nível mais baixo do barco, figura de humildade e trabalho forçado. Paulo descreve ao ministro como subordinado a Cristo, alguém que ocupa um nível de humildade. O ministro cristão deve começar com uma atitude de submissão e amor ao Senhor, com o encontro diário com Deus em oração e uma vida de obediência.

Como subordinados de Cristo, somos responsáveis perante ele por nosso ministério. O fato de termos que dar conta a Deus do nosso trabalho nos consola ao mesmo tempo que nos desafia. Nos consola porque podemos dizer, como Paulo, que o Senhor é quem nos julga. Perante Ele ficaram à vista as intenções do coração.

Não há porque fazer comparação, diz o apóstolo. Se há diferença entre pessoas, por acaso não é Deus responsável por elas? Os dons que temos os temos recebido de Deus. Nossa responsabilidade final é ante Deus. Logicamente, devemos escutar a critica humana, ainda que em algumas ocasiões pode ser dolorosa. A crítica nem sempre é justa nem amável. Sem dúvida Jesus Cristo é mais misericordioso que qualquer juiz humano. As cartas anônimas, por exemplo, costumam ser muito agressivas, porque o autor não se identifica. Com o passar dos anos, aprendi a não levar a sério as cartas anônimas.

Ao final do século passado, um famoso pregador subia ao púlpito, quando uma senhora lhe atirou um papel. Ele o pegou e leu a única palavra que dizia: “tonto”. Começou seu sermão dizendo: “Tenho recebido durante minha vida muitas cartas anônimas, mas é a primeira vez que recebo a assinatura sem o texto.” Se o autor não está disposto a identificar- se, não podemos tomar sua crítica como algo sério. Uma vez que nos traz ânimo saber que nosso juiz final é o Senhor, ser responsáveis perante Deus é também um enorme desafio. Grande parte do trabalho de um ministro ou pastor não se conhece nem se supervisiona. No entanto, sempre estamos na presença de Deus e algum dia vamos ter que prestar contas a Ele.

Mordomos da revelação

Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer nos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel. Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo. Porque, embora em nada me sinta culpado, nem por isso sou justificado; pois quem me julga é o Senhor. Portanto nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor.(I Corintios 4:1-5)

Os ministérios de Deus não ficaram ocultos, reservados somente para pessoas elegidas. Seus ministérios são segredos proclamados à humanidade para que possamos conhecer a Deus e viver em relacionamento com Ele. Deus se deu a conhecer, acima de tudo, em Jesus Cristo. As verdades sobre Jesus Cristo, Sua pessoa e Sua obra, só podem ser conhecidas através da revelação do Espírito. Os apóstolos foram os primeiros mordomos da mensagem, por quanto receberam a revelação para que conhecessem os mistérios de Deus. Depois deles, também os pastores são mordomos da revelação, porque Deus lhes confiou o ensinamento das Escrituras.

De acordo com o Novo Testamento, a primeira responsabilidade do ministro é ensinar ao povo de Deus; quer dizer, alimentar ao rebanho. Em I Timóteo 3:2-3, o apóstolo Paulo dá uma lista de requisitos para o ministro. Enumera qualidades morais muito importantes e, na mesma lista, inclui o que poderíamos chamar de uma “aptidão profissional”: o pastor deve ser apto para ensinar, para nutrir as ovelhas.

É interessante observar, no campo, que os pastores não alimentam as ovelhas, salvo se estejam doentes. Sua tarefa, na realidade, é as conduzir até os pastos, onde as ovelhas se alimentam a si mesmas. Assim deve fazer o pastor na igreja: guiar aos crentes à Palavra, para que se alimentem dela. Os pastores ensinam o que lhes foi dado, quer dizer, a mensagem bíblica. Exige-se dos ministros que sejam mordomos ou administradores fieis daquilo que lhes foi confiado. É fácil se transformar em um mordomo infiel da mensagem, e é triste que existam muitos deles na igreja contemporânea. Alguns descuidam do estudo da Palavra de Deus ou a lêem de maneira ocasional e superficial. Outros não conseguem vincular o texto bíblico ao mundo atual, e outros manipulam o texto para que diga o que eles querem que diga. Há pastores que selecionam das Escrituras só o que eles gostam dela. Todos estes são exemplos de infidelidade. As congregações vivem, crescem e florescem pela Palavra de Deus. Sem ela, adoecem e morrem. Por isso é tão importante que o ministro ordenado tenha hábitos disciplinados de estudo e que investigue tanto o mundo antigo como o atual, para que seu ensinamento seja completo nutritivo. Imaginemos uma planície cortada por um abismo profundo. Um lado da planície representa o mundo bíblico e o outro o mundo contemporâneo. Entre o mundo bíblico e o mundo atual, temos um profundo “cânion de 2.000 anos”, dois milênios de mudanças culturais. Apliquemos este diagrama à tarefa de pregação. Nós os evangélicos vivemos do lado da planície que representa o mundo bíblico. Somos homens e mulheres que cremos ma Bíblia, a amamos e a lemos. Não nos sentimos muito a vontade no lado que representa o mundo atual e até nos sentimos ameaçados por ele. Nem nos ocorreria pregar outra coisa que não fosse o texto bíblico. Mas pode acontecer que a mensagem nunca “aterrisse” do outro lado do abismo. É bíblico, mas esta enraizada na realidade contemporânea. Esta é uma debilidade característica dos pregadores evangélicos. Os liberais cometem o erro oposto. Se sentem cômodos na cultura moderna, mas perderam a essência da revelação bíblica. Sua mensagem é aceita pelo mundo, mas não é bíblica. Esta é uma das tragédias da igreja hoje: os evangélicos são bíblicos mas não contemporâneos, e os liberais são contemporâneos mas não bíblicos. Poucos são os pregadores e mestres que constroem pontes para unir os dois mundos: o bíblico e o contemporâneo. Mas este é o desafio que temos. A única maneira de sermos bons mordomos da revelação de Deus é relacionar a Palavra com o mundo, e para isso devemos estudar e compreender os dois lados deste “abismo”.

Pessoalmente, estou muito agradecido a Marin Lloyd Jones, quem me apresentou fazem mais de trinta anos um pequeno calendário de leituras bíblicas, que havia preparado um clérigo em 1842, para sua consagração na Escócia, com o propósito de que lesse a Bíblia todo ano: o Antigo Testamento uma vez, e o Novo duas. Ainda que se requeira ler quatro capítulos por dia, o método é de muito benefício. Não se começa lendo Gênesis, para seguir em forma contínua, senão que se começa simultaneamente nos quatro grandes inícios da Bíblia: Gênesis 1, Esdras1, Mateus 1 e Atos 1. Estes são quatro grandes nascimentos: Gênesis relata o nascimento do universo e Esdras o renascimento da nação, depois do cativeiro babilônico. Mateus 1 o nascimento de Cristo; e Atos 1 é o nascimento da igreja. Minha própria prática é ler três capítulos cada manhã; dois deles corridos, e o terceiro para meditar e estudar. Reservo o quarto para a tarde. Este enfoque ajuda a integrar a mensagem global das Escrituras. Minha recomendação é que procuremos, com este ou qualquer sistema, ler a Bíblia completa todo ano.

Por sua vez, precisamos relacionar a Bíblia com a realidade atual. Fazem uns trinta anos, comecei um grupo de leitura em Londres, ao que convidei a uns quinze jovens profissionais, homens e mulheres, que estavam comprometidos com a Palavra e desejavam as aplicar em seu âmbito cultural. Este grupo de leitura tem se mantido; nos reunimos somente de quatro a seis vezes por ano, em cada reunião decidimos que livro vamos ler antes do próximo encontro. Escolhemos livros populares, que estão produzindo impacto no pensamento moderno; às vezes escolhemos um filme. Quando nos reunimos, cada membro do grupo dispõe só de um minuto para definir qual o principal assunto que, pelo seu entendimento, o autor está enfocando. Dedicamos umas duas horas para refletir e discutir sobre esses temas, e durante a última meia hora, nos fazemos a seguinte pergunta: O que diz o evangelho às pessoas que pensam desta forma e vive nesta realidade? Estes encontros me têm ajudado muitíssimo a entrar no mundo moderno e estender uma ponte a partir da Bíblia até os problemas atuais. Reuniões deste tipo, com profissionais ou estudantes, membros de nossa igreja ou amigos em geral, são um espaço fecundo e desafiante para construir pontes entre a revelação de Deus e o mundo contemporâneo.

Escória do Mundo

Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós já chegastes a reinar! E oxalá reinásseis de fato, para que também nós reinássemos convosco! Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte; pois somos feitos espetáculo ao mundo, tanto a anjos como a homens. Nós somos loucos por amor de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos, e vós fortes; vós ilustres, e nós desprezíveis. Até a presente hora padecemos fome, e sede; estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos somos injuriados, e bendizemos; somos perseguidos, e o suportamos; somos difamados, e exortamos; até o presente somos considerados como o refugo do mundo, e como a escória de tudo. (I Corintios 4:8-13) Esta descrição nos causa impacto: Paulo declara que os que servem a Cristo como mordomos da revelação de Deus chegaram a ser como escória, e refugo do mundo. Nos versículos anteriores, o apóstolo escreve com certo sarcasmo: os corintios crêem que já reinam, e bom seria reinar com eles. O apóstolo, no entanto, sabe que o caminho à glória é o sofrimento. O foi para Jesus e o é para nós. Paulo usa duas ilustrações muito vívidas, ambas tomadas do mundo romano. Com elas, Paulo opõe seus próprios sofrimentos à comodidade dos corintios, e contrasta seu sentimento de ser ridicularizado, com a pretendida superioridade deles. Menciona, no primeiro caso, o espetáculo dos gladiadores que se apresentava no anfiteatro nas grandes cidades.

Diante de uma multidão, se jogavam à arena alguns criminosos para que enfrentassem aos leões e aos gladiadores. Paulo afirma que os ministros são como espetáculo para todo mundo, até para os anjos, em uma espécie de teatro cósmico no qual são jogados como se fossem criminosos. O apóstolo faz outra comparação, esta vez com os sacrifícios humanos. Paulo alude a uma cidade grega imaginária, assolada por uma calamidade; para apaziguar a ira dos deuses, se costumava jogar alguns miseráveis ao mar. Às pessoas sacrificadas eram chamadas depericatar mata; o apóstolo se compara a eles. Somos isto para o mundo: escória, refugo, algo que não merece estar em nenhum lugar. Quiçá tudo isto nos parece alheio e pouco aplicável a nossa vida. Se é assim, poderia indicar quanto temos nos apartado do Novo Testamento. Hoje é respeitável ser pastor, mesmo em uma sociedade não cristã. Alguns países dão algumas honras e concessões aos clérigos, como os eximir de impostos ou os chamar de “reverendo”. Não era assim no princípio, e não deveríamos aceitar a situação tão comodamente. É um grande risco chegar a ser um pregador popular. É muito difícil ser popular e ao mesmo tempo ser fiel. A cruz de Cristo continua sendo loucura para alguns e pedra de tropeço para outros. Quando pregamos a cruz desafiamos o orgulho humano, porque o evangelho chega como um dom gratuito e imerecido.

O ser humano preferiria fazer algo para ganhar sua própria salvação ou, pelo menos, contribuir com ela. Pregar, como declara a Bíblia, que ninguém pode contribuir em nada, traz humildade e desperta hostilidade. O evangelho também produz recusa porque afirma que Jesus Cristo é o único Salvador. Essa mensagem ofende o mundo pluralista. Em uma cultura que sustenta a validade de todas as religiões, declarar que só o evangelho é a verdade de Deus, o torna antiquado e ofensivo. Por último, o evangelho exige que nos submetamos ao senhorio de Cristo e vivamos em santidade debaixo das suas normas morais. A maioria dos seres humanos preferem viver da sua maneira, com suas próprias leis. Para eles, o evangelho é pedra de tropeço. Sendo assim, os que pregam e ensinam a Palavra devem estar dispostos a ser tidos por loucos pela causa de Cristo. Estou convencido que se fossemos realmente fiéis a Jesus Cristo sofreríamos mais. O certo é que temos eliminado do evangelho os aspectos pouco populares e, dessa forma, evitamos oposição e perseguição. Dietrich Bonhoefeer, o pastor luterano que foi executado em um campo de concentração, em abril de 1945, escreveu O custo do discipulado enquanto definhava na prisão. Ali definiu o discipulado como uma “aliança com o Cristo sofredor”. O sofrimento é a marca, o selo do autentico cristianismo; é o que confirma nossa identidade como discípulo de Jesus Cristo.

Matinho Lutero, por sua vez, concebia o sofrimento como um dos sinais da igreja verdadeira, à qual descreve como “a comunhão daqueles que são perseguidos e martirizados pela causa do evangelho”. Se nossa vida se desenvolve com total comodidade, se ninguém se opõe a nosso testemunho, deveríamos perguntar se realmente somos fiéis discípulos de Jesus Cristo e servos de sua igreja ou estamos, mais bem, adaptados e cômodos no mundo.

Pais da família que é a igreja

Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a filhos meus amados. Porque ainda que tenhais dez mil aios em Cristo, não tendes contudo muitos pais; pois eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus. Rogo-vos, portanto, que sejais meus imitadores. Por isso mesmo vos enviei Timóteo, que é meu filho amado, e fiel no Senhor; o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo, como por toda parte eu ensino em cada igreja. Mas alguns andam inchados, como se eu não houvesse de ir ter convosco. Em breve, porém, irei ter convosco, se o Senhor quiser, e então conhecerei, não as palavras dos que andam inchados, mas o poder. Porque o reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder. Que quereis? Irei a vós com vara, ou com amor e espírito de mansidão? (i Corintios 4:14-21)

A quarta metáfora ou modelo que Paulo apresenta, descreve aos pastores como pais da família da igreja. No parágrafo final, o apóstolo se refere aos corintios como “seus amados filhos”. Quiçá tenham dez mil mestres ou tutores que os disciplinem, mas não têm muitos pais que os amem. Ele foi seu “pai” no evangelho. Paulo inclusive insta aos corintios a o imitar. Em Mateus 23, Jesus disse que não deviam chamar ninguém de “pai” senão Deus. Está Paulo contradizendo os ensinamentos de Jesus? Quando o Senhor fez esta recomendação, o contexto se refere à autoridade ou a propriedade de uma pessoa a outra. Não devemos permitir que nenhum ser humano nos considere sua possessão. Só Deus é nossa autoridade absoluta. Ele é nosso Pai. Mas em sua carta, Paulo estava se referindo ao carinho, ao amor de um pai. Nesse sentido se considera a si mesmo como um pai dos crentes corintios. Quando escreve aos tessalonicenses, não somente se compara com um pai senão que lhes diz que se sente como uma mãe para aqueles a quem ajudou a nascer em Cristo.

Esta é uma bela imagem do apóstolo Paulo, um homem ao qual costumamos imaginar severo e ainda tosco. No entanto, quando fala de seu ministério pastoral, usa uma figura de tanta suavidade, afeto até sacrifício por seus filhos na fé. Sem dúvida, é legitima a disciplina na igreja, e sempre que se exerça em forma comunitária. Contudo, o apóstolo mostra que a característica principal dos pastores cristãos não é a severidade, senão mais bem a gentileza. Nos diferentes lugares nos quais tive o privilegio de estar, chego à mesma conclusão: na igreja necessitamos menos autoritarismo, menos liderança personalista, e mais afeto e bondade para com a congregação. Cremos realmente no sacerdócio de todos os crentes? As vezes o governo da igreja se parece mais ao “papado de todos os pastores”, e essa não é a doutrina evangélica. Nós que servimos a uma congregação podemos, como escrevia o ministro escocês sua própria experiência, “nos apaixonar pela congregação”. Este pastor comparava sua relação com o “florescer do coração que ocorre em qualquer outra paixão” e esta vivencia o motivava para fazer tudo para o bem daqueles a quem servia. Essa deveria ser a marca do pastor autêntico.

A humildade no serviço

Estas quatro imagens com as quais o apóstolo descreve seu ministério apostólico são aplicáveis aos ministros na igreja hoje, se bem que estes não são apóstolos. O denominador comum a estas quatro metáforas é uma atitude característica mesmo de Jesus Cristo: a humildade. O apóstolo expressa que, como líderes, necessitamos ser humildes ante o Senhor, de quem somos subordinados; humildes ante a Palavra de Deus, da qual somos mordomos; humildes ante o mundo, cuja oposição temos que enfrentar; e finalmente, humildes ante a congregação, ante os crentes aos quais amamos e servimos. Procuremos que nosso ministério se caracterize, acima de todas as coisas, pela gentileza e a humildade de Jesus Cristo. Ele é que nos chamou ao ministério e estabeleceu as normas para exerce-lo. Como líderes, estamos realmente subordinados a Cristo? Somos mordomos fiéis da sua revelação? Estamos dispostos a sofrer por Ele? Somos como um pai e uma mãe para Sua igreja? Damos graças a Deus pelo privilégio que temos: não só somos membros da Sua igreja, senão que fomos chamados a ser pastores e ministros nela. Peçamos-lhe perdão pela maneira com que não temos seguido as normas bíblicas para exercer o ministério. Procuremos ser mais fiéis no estudo e na exposição de Sua Palavra, mais dispostos a sofrer por causa do evangelho, e mais amáveis e gentis para com a congregação. Então seremos uma igreja verdadeiramente viva. O Espírito Santo se mostrará plenamente no louvor e na adoração, no amor entre os irmãos, na fidelidade à Palavra e na evangelização ao mundo necessitado.

Site do IAET

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Espiritualidade para o século XXI: o pensamento de Henri Nouwen





por Jonathan Menezes

Introdução

Meu propósito aqui será expor o que, em minha visão como leitor e admirador, se constitui no modelo de espiritualidade evidenciado na vida e obra de Henri Nouwen, do “ferido que cura feridas”, balizado por uma de suas mais caras convicções, a saber, de que na vida cristã alegrias e tristezas não se excluem, mas fundem-se; uma perspectiva que deve formar seres humanos maduros e honestos, os quais, pela graça, devem aprender a vivenciar os prazeres e, simultaneamente, carregar os fardos de sua própria existência, segurando e bebendo do cálice da vida, como diz Nouwen, com todas as implicações que isso requer.

Quem é Henri Nouwen?

Padre, professor, psicólogo e escritor, Henri J. M. Nouwen nasceu na Holanda, em 1932, e morreu em 1996, de ataque cardíaco. Desde os cinco anos de idade, Nouwen falava sobre suas pretensões de ser padre, e ele estava decidido a isso. Formou-se em teologia e psicologia na Holanda, tendo sido ordenado pouco tempo depois, em 1957. Nouwen passou os primeiros cinco anos de seu ministério realizando algumas de suas notáveis ambições: estudou na renomada clínica psiquiátrica de Karl Menninger (EUA), lecionou nas universidades de Notre Dame e Yale e viajou muito como conferencista. Por sua ênfase ecumênica e ligeiramente aberta em relação à fé cristã, Nouwen teve o privilégio de falar tanto para católicos como para evangélicos, tendo trânsito livre entre estes dois grupos. Até hoje ele é muito respeitado e lido tanto em uma como em outra vertente religiosa. Como testemunha, Philip Yancey diz que “ele ignorava as recomendações de Roma para que apenas os católicos participassem da eucaristia, e a celebrava diariamente com amigos, alunos ou estranhos, onde quer que estivesse” (YANCEY, 2004, p. 304).

Após um período sabático de seis meses trabalhando com os pobres em países da América Latina, Nouwen recebeu convite para lecionar em Harvard. Nesse tempo sua fama e prestígio como professor, escritor e conferencista já percorriam o mundo, e em todo lugar por onde passava ele era bastante respeitado. Todavia, tudo isto não bastava para amenizar o profundo vazio espiritual e as feridas pessoais que ele sentia aumentar com o tempo, tudo isso combinado a uma vida de fama, glória, agenda lotada de compromissos e atividades mil, levando Nouwen a um ponto de colapso total num espaço de três anos. Até que ele teve a compreensão, à luz da experiência de Jesus, de que o caminho para subir é descer. Assim, ele abandonou sua brilhante carreira nas melhores universidades dos EUA, para compartilhar sua vida com os necessitados, servindo em uma comunidade para deficientes mentais, a Arca - O Amanhecer, em Toronto no Canadá. Conforme o próprio Nouwen disse em seus escritos, “ali ele não foi para dar, mas para receber; não por causa de excesso, mas por falta. Foi para conseguir sobreviver” (YANCEY, 2004, p. 306).

Acredito que uma das principais virtudes que Nouwen cultivava, especialmente a partir dos últimos 10 anos de sua vida, em que ele conviveu de perto com o sofrimento e as limitações de seus amigos da Arca, é a de falar abertamente de suas próprias dores e feridas, não só através dos muitos livros que escreveu, mas também nos relacionamentos interpessoais, como testemunham algumas pessoas que com ele conviveram. Ele afirma, no livro Podeis Beber do Cálice?, que conviver diariamente com os membros deficientes da comunidade Daybreake, o pôs em contato com suas próprias feridas e tristezas internas. Por outro lado, testemunha ele, “a alegria que surge ao viverem juntos em uma comunidade de fracos faz a tristeza não apenas tolerável mas uma fonte de gratidão”. Nas palavras de Nouwen:

Minha necessidade de ter amigos, afeição e aceitação estão exatamente aqui para que todos possam ver. Jamais vivi tão profundamente a verdadeira natureza do ministério pastoral: estar com o próximo em compaixão. O ministério de Jesus é descrito na carta aos Hebreus como sendo de solidariedade com o sofrimento humano. Chamar a mim mesmo de padre, hoje, me desafia radicalmente a abandonar qualquer distância, todo e qualquer pequeno pedestal e toda e quelquer posição de poder, e me desafia a associar minha própria vulnerabilidade à daqueles com os quais vivo. E que alegria isso traz! A alegria de pertencer, de fazer parte de algo, de não ser diferente (1996, p. 40, 41).

Alegrias conjugadas com as tristezas



Henri Nouwen diz que nossa concepção sobre a alegria é baseada no sucesso, no progresso e nas soluções fáceis para nossas mazelas e problemas. Volta e meia ouvimos na igreja que a alegria deve ser a marca distintiva do crente. Mas muitas vezes isso se torna algo do tipo “kit-viagem para o país das maravilhas com Alice e o coelhinho”, ou quem sabe não seria uma espécie de “selo de qualidade cristã”: se você tem, tudo bem, mas se não tem, algo deve estar errado com sua fé. Quantas e quantas vezes cheguei até a me culpar por ser induzido a pensar desse modo nada realístico com que a igreja trata de alegria e felicidade hoje, nada diferindo inclusive da alegria ópio que o mundo pós-moderno tem proposto, do sorriso estampado no rosto, pensamento positivo, muito dinheiro no bolso e “saúde pra dar e vender”.

O culto evangélico, de modo geral, tem refletido fielmente essa realidade. Temos cultos para todos os gostos e tamanhos, afinal a demanda do mercado de “bens simbólicos” (que inclui os crentes) exige que as denominações se adequem à lógica do “quem dá mais leva” para não perder os seus para a “concorrência”. O individualismo de nossos cânticos tem desviado nossos olhares da realidade e da missão, transferindo-nos do mundo terrestre para o mundo celeste. Falam de uma alegria “energética”, como uma total ausência de angústias, dores e sofrimentos, e uma constante presença de paz interior e felicidade. Se não for assim, não pode ser a alegria de Cristo, como diz uma célebre frase que por aí tem sido disseminada: “Não estou em crise, estou em Cristo”. Para essa gente, segundo Caio Fabio, “somente todas as coisas boas são as que cooperam para o bem dos que amam a Deus”.

Não preciso contra-argumentar muito pra dizer que isso, apesar de muito comum, é uma tola subversão do Caminho de Jesus e de toda a bíblia. A oração do profeta Habacuque apresenta o que para mim é a idéia de Deus sobre a alegria: “Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado; Todavia eu me alegrarei no SENHOR; exultarei no Deus da minha salvação” (Hc. 3:17-18). Observe que Habacuque não está aqui dando origem a nenhuma filosofia de confissão positiva, nem está dizendo seguramente coisa alguma a respeito do futuro, algo do tipo: “eu determino que a figueira vai florescer” ou “tenho certeza que Deus não vai deixar faltar”, e só por isso me alegro no Deus que me salvou. Não. Ele está dizendo que mesmo que as coisas piorem ainda mais, ainda assim ele poderá se alegrar no seu Senhor.

Para Nouwen, o cristianismo de nossos tempos procura desconectar-se completamente da realidade do sofrimento e da renúncia ou da vida abnegada. É um cristianismo que busca vitórias sem esforços. Almejamos, de acordo com Nouwen,

crescimento sem crise, cura sem dores, ressurreição sem cruz. Não é de admirar que gostemos de assistir a desfiles militares e de aplaudir heróis que retornam, operadores de milagres e recordistas. Também não é de admirar que nossas comunidades pareçam organizadas para manter o sofrimento à distância. As pessoas são sepultadas de maneira a disfarçar a morte com eufemismos e ornamentação rebuscada (2002, p. 08).

Na visão de Nouwen, a maneira de Jesus é tão diferente. Ele não veio eliminar as dores, mas ajudar-nos a enfrentá-las com o realismo e a esperança que a vida nesse mundo requer, na perspectiva da graça e do amor de Deus, que padece junto com o sofrimento da humanidade. Ora, mas esse Jesus em nome de quem declaramos, determinamos, fazemos brados de vitória, repreendemos o inimigo, os infortúnios e as doenças que nos assolam, choramos, gritamos, esperneamos, rimos, batemos palma, rolamos no chão, nos declaramos perdidamente apaixonados por ele, não é o mesmo Jesus que disse: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33)? E tudo isso, lembrando, ele disse aos discípulos para que estes tivessem paz. Porém, será que em nossa compreensão triunfalista da fé e ilusória da alegria, existe lugar para se conceber uma paz que não significa apenas “ausência de conflito”, mas que se faz presente especialmente nos lugares de dor?

Em lugar de toda a balbúrdia espiritualista, somos chamados a abandonar a frivolidade do caminho fácil e também do fatalismo e desesperança, a deixar de lado nossos falsos gritos de “Hosana” ao mesmo tempo em que oprimimos nosso povo fabricando ilusões religiosas e, com elas, crentes imaturos e doentes, para viver nos caminhos de Cristo, romper as cadeias que ele rompeu, sofrer nossas próprias dores, não só as inerentes à vida, mas também aquelas inseparáveis do exercício da fé cristã na vida. Nas palavras de Nouwen:

Cristo convida-nos a permanecer em contato com os muitos sofrimentos de cada dia e a experimentar o começo da esperança e da nova vida, justamente aí onde vivemos, no meio das feridas, dores, falência. (...) terei menor tendência a negar meu sofrimento quando aprender que Deus o usa para moldar-me e atrair-me para mais perto de si. Deixarei de ver minhas dores como interrupções dos meus planos e serei mais capaz de vê-las como meios de Deus fazer-me pronto a recebê-lo. Deixarei Cristo viver junto às minhas dores e perturbações (2002, p. 09).

O sofrimento que cura

Minha própria percepção é de que se Deus não é pessoal e, por isso, aberto para chorar comigo em minhas tristezas, tampouco será capaz de rir ao meu lado em minhas alegrias ou se regozijar na minha prosperidade. Em Jesus, assim como na experiência de Jó e de tantos outros, não consigo ver um Deus intocável e insensível de tão poderoso que possa ser, mas, por ser tão poderoso, enxergo um Deus que se “rebaixa” se for preciso pra ter compaixão e misericórdia da minha miséria e que caminha comigo, uma ou dez de milhas, tanto no contexto das minhas dores como de meus maiores prazeres, em meio a alegrias que se conjugam com tristezas. Esse é o sentido da espiritualidade para Nouwen. Não se resume na simples idéia de realizar performances e sacrifícios para Deus, mas em convidá-Lo a entrar em nossas vidas de modo que Ele possa chorar com a nossa aflição ao mesmo tempo em que sofremos com as dores de Seu Filho e, conseqüentemente, compartilhemos do sofrimento do amor de Deus por um mundo ferido e proclamemos libertação. Conforme diz Nouwen, “assim como Jesus, quem proclama a libertação é convidado não só a cuidar dos próprios ferimentos e dos ferimentos do outro, mas também a fazer de seus ferimentos uma fonte maior do poder que cura” (2001, p. 119). Para Nouwen, um ministro ferido pode e deve ser também um ministro que cura. Mas, para sermos “servos da cura”, antes é preciso identificar, entender e aceitar nossa própria dor.

“Nenhum ministro pode esconder sua experiência de vida daqueles aos quais quer ajudar”, afirma Nouwen, ao mesmo tempo em que não se pode empregar mal o conceito de ministro ferido defendendo uma forma de “exibicionismo espiritual” (2001, p. 127). Esse é um tipo de equilíbrio que este autor encontrou contra possíveis questionamentos daqueles que porventura acharem que o conceito de ministro ferido é mórbido e doentio, contradizendo, por exemplo, a idéia de auto-realização, auto-estima, auto-preservação, auto-auto, etc., tão usadas no contexto pós-moderno (o que inclui as igrejas). Ou seja, vivemos nossas “vidas espirituais” como alpinistas de egos, parafraseando Philip Yancey.

Conclusão: um modelo para este século

Como você já deve ter percebido, Nouwen concentrou seus escritos no fracasso e nas imperfeições, falando de dores, tristezas, perdas e feridas constantemente presentes em sua vida, arriscando-se a gerar comentários e críticas depreciativas daqueles que não aceitam essa compreensão, assim como eu estou me arriscando nesse momento ao expor seu pensamento de maneira concorde. Michael Ford, biógrafo de Nouwen, e o escritor Philip Yancey, que dedicou um capítulo do livro Alma Sobrevivente exclusivamente para falar de sua admiração por Nouwen e apontá-lo com um de seus mentores, afirmam que esse “espinho na carne”, essa profunda dor que ele dizia “encarar nos olhos” e sobre a qual fazia questão de falar em seus textos, possivelmente era resultante de uma homossexualidade reprimida e, não sem muitas lutas, rejeitada. Enfim, o fato mais importante a se tratar com isso é que todos nós possuímos feridas; algumas estão expostas, outras escondemos o máximo para que ninguém descubra, nos julgue ou aponte-nos como sendo “menos espirituais” por isso. Outras, quem sabe ainda estão obscuras, num campo menos conhecido de nossas vidas. Eu mesmo, tenho que reconhecer, não estou acostumado e nem gosto de falar de minhas próprias mazelas, nem tampouco de expô-las para que os outros vejam. Mas aprendi com Nouwen que “defeitos e fidelidade não suplantam um ao outro, mas coexistem”. Com Philip Yancey, falando sobre Nouwen, também testemunho meu aprendizado de que sofrimento e alegria podem caminhar juntos, que Deus pode usar todas as situações de nossa vida, até mesmo a dor que nunca vai embora (YANCEY, 2004, p. 328).

E porque esta espécie de ministro, defendida por Nouwen, pode ser chamado de um “ministro curador”, ou um “ferido que cura feridas”? Vou deixar com que Nouwen mesmo responda com suas palavras, escritas no livro O Sofrimento que Cura:

É curador porque afasta a falsa ilusão de que integridade pode ser dada de um ser para outro. É curador porque não extrai a solidão e a dor do outro, mas convida a reconhecer sua solidão em um plano que possa ser partilhada. Muitas pessoas nesta vida sofrem porque estão procurando ansiosamente pelo companheiro, pelo evento ou encontro que as livrará da solidão. Mas, quando entram em uma casa de real hospitalidade, percebem logo que seus próprios ferimentos devem ser entendidos não como fontes de desespero e amargura, mas como sinais de que têm que caminhar para frente, obedecendo aos sons do chamado de seus próprios ferimentos (2001, p. 133).

Quero terminar, citando uma canção do Stênio Marcius, que por sua vez se remete a essa profunda poesia da agonia da vida escrita pelo apóstolo Paulo em 2Co. 12:7-10, diz assim:

Às vezes parece que estou só e vencido, mas ao olhar vejo o meu Senhor, olhando para mim e dizendo, dizendo assim: a minha graça, a minha graça te basta, te basta, te basta; Porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. A minha graça te basta, te basta, te basta, porque quando sou fraco é que sou forte, que sou forte, que sou forte.

Natal: Jesus ou Papai Noel






Frei Betto

Aproxima-se o Natal. Curioso como, numa sociedade tão laicizada como a nossa, na qual predomina a tendência de escantear a religião para a esfera privada, uma festa religiosa ainda possa constituir um marco no calendário dos países do Ocidente.

Há nisso uma questão de fundo: o ser humano é, por natureza, lúdico e sociável, o que o induz a ritualizar seus mais atávicos gestos, como alimentar-se ou se relacionar sexualmente. Além de elaborar, condimentar e enfeitar sua comida, o que nenhum outro animal faz, o ser humano exige mesa e protocolo, como talheres e a seqüência prato forte e sobremesa.

No sexo, não se restringe ao acasalamento associado à procriação. Faz dele expressão de amor e o reveste de erotismo e liturgia, embora o pratique também como degradação (prostituição, pornografia e pedofilia) e violência (jogo de poder entre parceiros).

O Carnaval, como o Natal, era originariamente uma festa religiosa. Nos três dias que antecedem a Quaresma, período de jejum e abstinência recomendados pela Igreja, os cristãos de fartavam de carnes – daí o termo Carnaval, festival da carne. Resume-se, hoje, a uma festa meramente profana, onde a carne predomina em outro sentido…

Essa transmutação ocorre também com o Natal. Por ser festa de origem cristã, para celebrar o nascimento de Jesus, a sociedade laica e religiosamente plural a descaracteriza pela introdução da figura consumista de Papai Noel. O que deveria ser memória da presença de Deus na história humana, passa a ser mero período de miniférias centrada em muita comilança e troca compulsiva e compulsória de presentes.

Daí o desconforto que todo Natal nos traz. Como se o nosso inconsciente denunciasse o blefe. Sonegamos a espiritualidade e realçamos o consumismo. Ótimo para o mercado. Mas o será também para as crianças que crescem sem referências espirituais e valores subjetivos, sem ritos de passagem e senso de celebração?

Longe de mim pretender restaurar a religiosidade repressiva do passado. Mas se há algo tão inerente à condição humana, como a manutenção (comer) e a procriação (sexo) da vida, é a espiritualidade. Ela existe há cerca de um milhão de anos, desde que o símio deu o salto para o homo sapiens. As religiões são recentes, surgiram há menos de dez mil anos.
Se a espiritualidade não é fomentada na linha da interiorização subjetiva e da expressão de conexão com o Transcendente, ela corre o sério risco de, apropriada e redirecionada pelo sistema, cair na idolatria de bens materiais (patrimônio) e de bens simbólicos (prestígio, poder, estética pessoal etc). Talvez isso explique por que a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas similares a catedrais pós-modernas…

Já não são princípios religiosos que norteiam a nossa vida.

Desestimulados ao altruísmo e à solidariedade, centramos a existência no próprio umbigo – o que certamente explica, na expressão de Freud, “o mal-estar da civilização”, hoje acrescido desse vazio interior que gera tanta angústia, ansiedade e depressão.

Com certeza o Natal é ocasião propícia para, como propôs Jesus a Nicodemos, nascer de novo…

*Frei Betto é escritor, assessor de movimentos sociais e autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.