quinta-feira, 12 de abril de 2012

O MUNDO DOS CONFLITOS



Por Dietrich Bonhoeffer*

"A originária semelhança com Deus se converteu em igualdade roubada. Enquanto o ser humano como imagem de Deus vive exclusivamente de sua origem em Deus, o ser humano que se tornou igual a Deus esqueceu sua origem e se transformou em seu próprio criador e juiz. O que Deus deu ao ser humano este quis ser agora por si mesmo. Dádiva de Deus, porém, é essencialmente, dádiva de Deus. A origem constitui a dádiva. Com a origem a dádiva de transforma. Na verdade, a dádiva consiste em sua origem. O ser humano como imagem de Deus vive da origem divina; o ser humano que se tornou igual a Deus vive de origem própria. Com o roubo da origem, o ser humano incorporou um mistério divino - a Sagrada Escritura descreve este processo como o comer da fruta proibida - no qual ele perece. Sabe, agora, o que é bom e o que é mau. Não que tivesse enriquecido, com isso, o conhecimento que tinha até então com um novo saber; antes a noção do bem e do mal resulta numa inversão total do seu conhecimento, que até então era unicamente um conhecimento de Deus como sua origem. Sabendo do bem e do mal, sabe o que somente a origem, Deus, pode e deve saber. É só com extrema reserva que a própria Bíblia nos indica que Deus é conhecedor do bem e do mal. É a primeira referência à predestinação, ao mistério de uma eterna desunião que tem sua origem no eternamente Uno, ao mistério de uma eterna escolha e eleição por aquele em quem não há escuridão, mas somente luz. Saber do bem e do mal significa compreender a si mesmo como origem do bem e do mal, como fonte de uma eterna escolha e eleição. Como isto é possível continua sendo o mistério daquele em quem não há dicotomia, porque ele mesmo é a única e eterna origem e superação de toda dicotomia. O ser humano roubou de Deus este mistério, ao pretender ser ele mesmo origem. Em vez de conhecer apenas o bondoso Deus e tudo nele, entende agora a si mesmo como fonte do bem e do mal; em vez de aceitar a escolha e eleição divinas, deseja escolher mesmo, ser a origem da escolha; assim, de certa forma, traz o mistério da predestinação em si mesmo. Em vez de saber de si tão-somente na realidade de ser eleito e amado por Deus, tem que entender-se na possibilidade de escolher, de ser a origem do bem e do mal. Tornou-se como Deus, mas contra Deus. Eis o embuste da serpente. O ser humano sabe o que é bom e o que é mau; mas, como ele não é a origem, como adquire este saber unicamente na separação da origem, o bem e o mal que conhece não são o bem e mal de Deus, mas o bem e mal contra Deus. É bem e mal de escolha própria, contra a eterna eleição divina. O ser humano tornou-se igual a Deus como antideus.

Isto se manifesta no fato de o ser humano ciente do bem e do mal ter-se desvinculado definitivamente da vida, da vida eterna tal como emana na eleição de Deus. 'Assim, para que não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente!... e ele o expulsou e colocou os querubins diante do jardim do Éden com a espada desnuda que golpeava, para quardar o caminho da árvore da vida'. (Gênesis 3.22,24) O ser humano que sabe do bem e do mal contra Deus, contra sua origem, sem Deus por escolha própria, que se entende em suas possibilidades discordes, está separado da vida unificadora e conciliadora em Deus, está entregue à morte. O mistério que roubou de Deus o faz perecer".

*Dietrich Bonhoeffer (Breslau, 4 de fevereiro de 1906 – Berlim, 9 de abril de 1945) foi um teólogo, pastor luterano, membro da resistência alemã anti-nazista e membro fundador da Igreja Confessante, ala da igreja evangélica contrária à política nazista.

sábado, 7 de abril de 2012

Paixão de Cristo – Paixão da Terra




Para os cristãos a Sexta-feira Santa celebra a Paixão do Filho do Homem. Ele não morreu. Foi morto em consequência de uma prática libertadora dos oprimidos e de uma mensagem que revelava Deus como “Paizinho”(Abba) de infinita bondade e de ilimitada misericórdia que incluía a todos até “os ingratos e maus”. Antes de ser executado na cruz, foi submetido a todo tipo de tortura. Segundo alguns intérpretes sofreu até abuso sexual.

Como referem os relatos do Novo Testamento, usando palavras do profeta Isaias, “foi considerado a escória da humanidade, o homem das dores, pessoa da qual se desvia o rosto, desprezível e sem valor, tido como castigado, humilhado e ferido por Deus; mas ele, justo e servo sofredor, se ofereceu livremente para ficar junto aos malfeitores, tomando sobre si crimes e intercedendo por todos nós”.

Desceu até o inferno da solidão humana, gritando nos extertores da cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”? Porque desceu até ao mais profundo, Deus o elevou até ao mais alto. É o significado da ressurreição, não como reanimação de um cadáver, mas como uma revolução na evolução, realizando nele, antecipadamente, todas as potencialidades escondidas no ser humano. Ele irrompeu como criatura nova, mostrando o fim bom de todo o processo evolucionário.

Mesmo assim, como dizia Pascal, Cristo continua em sua paixão,agonizando até o fim do mundo, enquanto seus irmãos e suas irmãs, a Terra que o viu nascer, viver e morrer, não forem finalmente resgatados. Já dizia a mística inglesa Juliana de Norwich (1342-1413): “ele sofre com todas as criaturas que sofrem no universo”. Outro contemplativo inglês, William Bowling, do século XVII, concretizava ainda mais afirmando:”Cristo verteu seu sangue tanto para as vacas e os cavalos quanto para nós homens”.

Hoje a paixão de Cristo se atualiza na paixão do mundo, nos milhões e milhões de sofredores, vítimas de um tipo de economia que dá mais valor ao vil metal que à dignidade da vida, especialmente da vida humana. O Cristo se encontra crucificado na Terra devastada; suas chagas são as clareiras de florestas abatidas; seu sangue são os rios contaminados.

A rede de organizações que acompanham o estado da Terra, a Global Footprint Network, revelou no dia 23 de setembro de 2008, exatamente uma semana após o estouro da crise econômico-financeira que, neste exato dia, se tinham ultrapassado em 30% os limites da Terra. Chamaram-no de The Earth Overshoot Day: o dia da ultrapassagem da Terra. Esta notícia não ganhou nenhum destaque nos meios de comunicação, ao contrário da crise financeira que até hoje ganha a primeira página.

Com esta ruptura, a Terra já não tem condições de repor os bens e serviços necessários para a manutenção do sistema-vida. Em outras palavras, a Terra perdeu a sustentabilidade necessária para a nossa subsistência. Por causa disso, milhões e milhões de seres humanos são condenados a morrer antes do tempo e entre 27-100 mil espécies de seres vivos, segundo dados do conhecido biólogo Edward Wilson, estão desaparecendo a cada ano. Este fato inaugura aquilo que alguns cientistas já denunciaram como sendo uma nova era geológica. Foi chamada de antropoceno, na qual o grande meteoro rasante e destruidor da natureza é o ser humano.

Com sua voracidade e obsessão de crescer mais e mais para consumir mais e mais está se transformando numa força avassaladora dos ecossistemas e da Terra como um todo. Comparece como o Satã da Terra quando deveria ser seu anjo da guarda.

A Avaliação Ecossistêmica do Milênio, organizada pela ONU entre os anos 2001-2005, envolvendo cerca de 1.300 cientistas do mundo inteiro, além de outras 850 personalidades das várias ciências e da política, concluíram que dos 24 serviços ambientais essenciais para a vida (água, ar puro, climas, alimentos, sementes, fibras, energia e outros) 15 deles se encontravam em processo acelerado de degradação. Quer dizer, estamos destruindo as bases físico-químico-ecológicas que sustentam a vida sobre o planeta.

Agora não dispomos mais uma Arca de Noé que salve alguns e deixe perecer os demais. Desta vez, ou nos salvamos todos ou todos corremos o risco de perecer.

Neste contexto vale recordar as sábias palavras do Secretário Geral da ONU Ban Ki Moon, proferidas no dia 22 de fevereiro de 2009 referindo-se à crise econômico-financeira em relação à crise ecológica:”Não podemos deixar que o urgente comprometa o essencial” É urgente encontrar um encaminhamento à crise dos mercados e das finanças, mas é essencial garantir a vitalidade e a integridade da Terra. Sem esta salvaguarda, qualquer outra iniciativa ou projeto perdem sua base de sustentação.

Temos que transformar a paixão da Terra num processo de sua ressurreição na medida em que suspendermos a guerra total que movemos contra ela em todas as frentes. Isso somente se alcançará refazendo o contrato natural que se funda da reciprocidade: a Terra nos dá tudo o que precisamos para viver e nós lhe retribuímos com cuidado, respeito e veneração, pois é nossa grande e generosa Mãe.
Esta é o desafio e a mensagem que cabe assumer na Sexta-feira Santa do presente ano de 2012.

Leonardo Boff é ecoteólogo e da Comissão Central da Carta da Terra.

domingo, 1 de abril de 2012

Liturgia: Preparar para Celebrar‏.



por Rev.Lauri Wollmann

Ao preparar uma celebração é preciso ter em mente o seguinte: Não pode haver celebração li-túrgica sem ação do Espírito Santo. O mistério da Páscoa de Jesus que celebramos é fruto do Espírito que fez Jesus levar até o fim a vontade do Pai."

È importante não esquecer que a celebração da Eucaristia é sempre a memória de tudo aquilo que Jesus fez. É a atualização do mistério da nossa redenção. A liturgia precisa manifestar o mistério e nesta manifestação deve entrar a nossa vida.

Ao preparar uma celebração é importante a equipe seguir os passos a seguir descritos.

1. Orar pedindo as luzes do Espírito Santo

Não existe celebração litúrgica sem a ação do Espírito Santo. O mistério da Páscoa de Jesus que celebramos é fruto do Espírito que impulsionou Jesus a realizar a vontade do Pai até as últimas conse-qüências (Cf Hb 9,14)

2. Avaliar a celebração passada

Para avaliar, não basta perguntar "o que deu certo" ou "o que não funcionou". É bom se pergun-tar a partir da assembléia e não a partir da própria equipe. A equipe deve sentir-se participante e não produtora de eventos. Para facilitar a avaliação seria importante algum membro da equipe participar da celebração do meio da assembléia.

Perguntas que podem ser usadas na avaliação: A celebração foi um fato marcante? A assembléia foi envolvida? Os cantos, os símbolos, os ritos, as orações ajudaram a expressar o mistério?

Houve sintonia entre assembléia e equipe? Entre assembléia e presidente? Equipe e presidência? Sentimos prevalecer um clima de oração na nossa celebração? Os(as) ministros(as) agiram do jeito de Jesus? Como entrou na celebração a vida da comunidade e das pessoas? (doentes, sofrimentos, alegri-as, etc...)

3. Situar a celebração, que vai ser preparada, no tempo litúrgico:

Não esquecer que o fundamento de toda a ação litúrgica é o Mistério de Jesus Cristo: sua vida, paixão, morte e ressurreição. É importante ter presente a novidade deste mistério em cada tempo. (qua-resma, páscoa, advento, natal, etc...) Colocar estes mistérios na vida da gente. Quais acontecimentos marcantes da nossa comunidade precisam ser lembrados nesta celebração? (dia das mães, do professor, do médico, ... morte, nascimento, batizado, formatura, etc ...)

4. Fazer a experiência da palavra:

Ler os textos bíblicos do dia, aprofundar os textos dizendo o que cada um entende deles, trazer os textos para suas vidas. É importante ler os textos, meditá-los a partir do mistério de Jesus e confon-tá-los com a nossa vida. É bom ir se perguntando: Quem são os personagens? O que falam? Para quem falam? Qual a boa notícia que Jesus está trazendo? Qual a imagem pascal que aparece no texto?

5. Escolher os cantos:

Alguns que acompanham o rito e outros que fazem parte do rito. Lembrar-se sempre que os can-tos não são momentos para quebrar a monotonia da celebração, mas devem ajudar a dar continuidade, a fazer ligação de uma parte à outra do mistério que celebramos.

6. Exercício de criatividade:

Sem se preocupar muito com a seqüência, as pessoas vão dando idéia do que pode ser feito na celebração. (Gestos, símbolos cantos, jograis, encenações, procissões, dança, etc ... ). Num segundo momento retomar as idéias e por em ordem. Começando pela liturgia da Palavra. Saber que a Palavra é que dá a novidade da celebração. Cada domingo é diferente. Em seguida ir para liturgia de ação de graças (que é o momento logo após o ofertório e antes do Santo).

Depois partir para o Rito da comunhão. Qual vai ser o canto. Finalmente os ritos iniciais e finais (como vai ser a acolhida, a procissão de entrada, onde entra a recordação da vida, etc...). No final pre-ver os avisos, homenagens, membros da comunidade, etc... a bênção e o canto final.

7. Distribuir as responsabilidades:

Quem vai fazer o que? Ministros, leitores, cantores, procissões etc... Ter sempre presente que aquele que exerce um ministério litúrgico, o faz seguindo o exemplo de Cristo servidor de todos. Nun-ca deixar para última hora. Nos casos de procissões, encenações e outros gestos marcar sempre um ensaio.

8. Funções indispensáveis na equipe:

Comentarista, leitores, salmista, intercessor, cantores, instrumentistas, recepcionistas, responsá-vel pelas ofertas, ministros da eucaristia, etc...

9. Preparar o lugar da celebração:

A ornamentação, o som, o altar, os livros e vestes litúrgicas, os vasos sagrados, (cálice, etc ...)

10. Preparar e preparar-se para a celebração.

Investir tempo, recursos financeiros, estar disposto, acolher com carinho, sentir que se está ali para servir em nome do senhor, que a Igreja é de toda a comunidade. Nós respondemos ao chamado do Senhor estamos ali para celebrar juntos, prestando um serviço tão nobre, importante e evangelizador, como membro da Igreja de Jesus.

Alguns lembretes:

• A liturgia é um ato público que tem como centralidade louvar a Deus pela Vida de cada pessoa presente.
• A liturgia é composta de ritos, isto é, um conjunto de sinais, gestos, palavras, símbolos, can-tos...
• O LOC e o hinário não são liturgia; são instrumentos a serviço da liturgia.
• O centro da liturgia é o mistério pascal de Jesus.
• Liturgia é a oração do povo de Deus feita com a participação de todos.
• Liturgia não é fazer sempre igual, mas e recriação da vida.