quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

GLOBALIZAÇÃO E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO





Como viver e pensar a Teologia da Libertação numa era de globalização? Muitos e muitas afirmam que a Teologia da Libertação ficou no passado, já não é mais necessária e que não atrai mais devido ao fim dos blocos socialistas e das teorias marxistas. Outros e outras tentam ainda caminhar na construção de uma nova sociedade tendo como eixo a teologia da libertação mesmo sabendo que a Igreja a deixou no esquecimento.



Sabe-se que a caracterização da teologia da libertação possui sua singularidade em seu método construído a partir da realidade história e social, ou seja, a partir dos excluídos (as) da sociedade (VER), iluminada pela fé cristã (JULGAR) e que visa a prática transformadora da sociedade velha rumo a uma nova sociedade (AGIR). Portanto, teologia da libertação e sociedade compreende-se a partir da dialeticidade que as une onde se constrói uma nova política participativa, uma nova economia inclusiva e solidária, uma nova cultura pluralista e uma nova religião ecumênica e macro-ecumênica.



A pergunta é: Ainda é possível viver a teologia da libertação? As respostas são muitas, mas considerando as realidades históricas que se apresentam pode-se dizer que sim, principalmente, se construir e se pensar numa nova teologia da libertação sem o monopólio da Igreja Católica. Uma nova teologia da libertação que não se esqueça dos princípios e métodos, mas que adote a sociedade enquanto espaço de construção de uma práxis que conscientiza, conscientizando-se a partir das realidades humanas que se encontram na exclusão, na opressão, na desumanização e na exploração. Assim, diria que vivemos já uma nova fase da teologia da libertação que se apresenta não mais nas Igrejas, mas, sobretudo, nas ONGs, nos movimentos populares e sociais, nos grupos de direitos humanos, em algumas universidades, nas associações e cooperativas etc. São nestes espaços que se encontra a nova teologia da libertação sendo vivida nesta era de globalização.



Segundo Leonardo Boff, ainda não terminou o processo de construção da humanidade. O Homem possui uma tendência para se expandir e, por isso, consegue se adaptar em todos os ecossistemas pela qual a Terra já passou. Entre estes podemos considerar a fase atual de globalização na qual vive a humanidade inteira. Este atual projeto de globalização surgiu desde os primórdios da humanidade e se fortaleceu no séc. XVI com a cultura européia que rompe as fronteiras do velho mundo. Pode-se denominar esta fase de “ocidentalização do mundo” ou Idade do Ferro da atual globalização. A chamada ocidentalização do mundo conseguiu gerar duas conseqüências desastrosas na história da humanidade, a saber: o etnocídio dos povos indígenas e a escravização dos povos africanos. E vale lembrar que tudo era feito, política e economicamente, em nome do Deus cristão da Igreja Católica (América Latina) e das Igrejas Protestantes (Estados Unidos e Canadá). Evidentemente, os pedidos de perdão foram feitos por parte das Igrejas, mas nada conseguirá apagar da história este projeto pré-globalizado que se implantou nas consciências de muitas nações.



Podemos dizer então que “a cultura ocidental conseguiu impor a todos os povos sua forma de acercar-se da natureza mediante a tecnociência, sua maneira de organizar a sociedade (a democracia representativa), sua visão de pessoa humana (cidadão com direitos inalienáveis) e a maneira de entender e cultuar Deus (cristianismo como religião hegemônica no mundo)” (Boff, Leonardo. Processos de globalização e desafios à Teologia da Libertação. In.: Boff, L. e Arruda, M. Globalização: Desafios socioeconômicos, éticos e educativos, p. 26).



A globalização possui três vertentes fundamentais que são: a economia, a política e a espiritual ou religiosa. Na economia ou nas economias mundiais, existe uma relação de interdependência entre globalização e mercado. São três fatores que dão dinâmica à globalização econômica e de mercado, a saber: 1) o surgimento dos megaconglomerados e corporações estratégicas atuando em redes globais; 2) a chamada continentalização das economias dentro do processo de globalização como, por exemplo: o Mercado Comum Europeu, o NAFTA e o Mercosul; 3) a lógica de mercado baseado na livre concorrência o que fortalece o surgimento das elites orgânicas transnacionais que gerenciam econômica e politicamente o planeta.



Na política, com o projeto de ocidentalização da humanidade se construiu a idéia hegemônica de Estados-Nações e de Democracia como valor universal. A democracia funciona quando existe o respeito aos Direitos Humanos. Mas, mesmo assim, assistimos nestes últimos tempos a imposição da democracia a países do Oriente a partir do desrespeito aos direitos humanos como no Afeganistão e Iraque.



No entanto, três dados se complementam no processo da globalização política da humanidade, a saber: o crescente avanço da mídia e dos meios de comunicação que interliga todos em tudo; o perigo nuclear ou perigo à biosfera com a retomada das experiências nucleares realizadas pelos Estados Unidos e Irã; e o alerta ecológico, um alerta a toda humanidade que pode ser extinta devido ao acelerado processo de desmatamento e destruição da camada de ozônio. Neste sentido, afirma Leonardo Boff:



(...) o tipo de desenvolvimento técnico-industrial adotado implica uma sistemática agressão à natureza, um esgotamento de recursos não-renováveis e uma grande degradação da qualidade de vida para todos os seres vivos. O efeito estufa, o envenenamento do solo e do ar e o buraco de ozônio podem produzir malefícios irreparáveis para a biosfera. A morte revela formas insuspeitadas de ecocídio (morte de ecossistemas), de biocídio (morte de espécies vivas) e geocídio (morte da Terra-Gaia) (idem, p. 28).



Na espiritualidade, a globalização acontece a partir do surgimento de novas formas de consciência planetária que se interagem com novas formas de se fazer a experiência com o sagrado. Nestas novas formas, o Ser Humano e a Terra estão interligados, relacionados numa complementariedade entre o húmus e o homo o que permite formar o novo Homem. Resta saber se seria agora o momento de uma irrupção da noogênese e da noosfera, entendida aqui, como gênese e a esfera do Espírito? Seria este o momento do surgimento de uma nova espiritualidade para o ser humano?



Para as pessoas religiosas o profundo é habitado por Deus, e dialogar com a interioridade profunda é pôr-se na escuta da Palavra divina. Mais e mais se percebe em todo o mundo uma grande sede de espiritualidade, de encontro com o elo perdido que permite uma experiência de re-ligação de todas as coisas e de todas as experiências, conferindo sentido para a vida, a verdade de toda religião (idem, p. 30).



Um dos desafios para a teologia da libertação é interpretar os sinais dos tempos provocados pelo fenômeno da globalização, estes fenômenos que se apresentam em nossas realidades subjetivas. No entanto, sem perder de vista os fundamentos históricos e metodológicos que a sustentam, entre elas, é o de questionar a situação dos pobres e oprimidos neste processo de globalização econômica, política e religiosa que se fortalece neste cenário de um mercado capitalista extremamente anti-social e que, politicamente, tem como desafio a construção de sociedades humanas mais multi-culturais e multi-religiosas.



O desafio da teologia da libertação é o de sustentar uma vida social diferente pautando-se no projeto de vida oferecido pelas tradições religiosas e não mais por uma única Tradição religiosa, a cristã. Sustentar a vida social na participação de todos (as) nas decisões locais e globais, na busca pela igualdade na diversidade, no respeito às diferenças e na comunhão entre as subjetividades humanas. Mas, alguns poderão questionar com toda a razão: Então a Teologia da Libertação baseada nas CEBs, nos movimentos populares, na Igreja dos pobres acabou? Não e Sim. Não, porque deixou de ser monopólio de uma única tradição religiosa e passou a ser pensada e vivida em outras esferas da sociedade e em outras tradições religiosas outrora excluídas. Sim, porque a própria Igreja que apoiou tanto a formação de CEBs, dos movimentos populares e a luta em defesa da dignidade dos pobres retorna a cada dia ao seu projeto subjetivo de globalização, a saber: a cristandade.



Resta, portanto, à teologia da libertação tentar incentivar “o resgate do caráter sagrado da Terra, resgate das tradições espirituais das culturas oprimidas e dos pobres que, geralmente, têm veneração e respeito pela Terra como a grande Mãe. Esta atitude poderá limitar a ganância moderna e permitirá uma nova experiência de Deus no universo que supere os famosos dualismos do cristianismo ocidental, entre Deus e o mundo, a alma e o corpo, o feminino e o masculino” (idem, p. 32). Este é o grande desafio da teologia da libertação nestes tempos de globalização. Por ocasião do cotidiano de nossas vidas, hoje me perguntaram: Você está preparado espiritualmente para assumir o sacerdócio? Na hora, pensei no dualismo da questão. Por que não me perguntaram se estou preparado corporalmente? Porque o corpo ainda é visto como coisa do mundo, carcaça que aprisiona nossa alma. É neste sentido que a Teologia da Libertação deve ajudar a superar tais dualismos que continuam aprisionando o ser humano. O que respondi? Que não! E o semblante da pessoa ficou cheio de perplexidade.



Por Claudemiro Godoy do Nascimento,
Agente de Pastoral. Mestre em Educação pela Unicamp.

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