sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A saga dos Irmãos Morávios



Os irmãos morávios e a igreja valdense são os únicos grupos protestantes atuais cujas raízes mais remotas são anteriores à Reforma do século 16. Os valdenses tiveram suas origens em um movimento reformista iniciado por volta de 1175 por Valdès, um comerciante de Lião, no sul da França. Expulsos da Igreja Católica em 1184, seus simpatizantes enfrentaram heroicamente séculos de perseguição, abraçando eventualmente a Reforma Protestante. Refugiaram-se principalmente nos vales alpinos do norte da Itália, na região conhecida como Piemonte, a sudoeste de Turim. Os irmãos morávios, por sua vez, têm uma história ainda mais complexa, mas não menos inspiradora, cujos primórdios remontam à Inglaterra do final do século 14.

De João Wyclif a João Hus
John Wyclif (c.1325-1384) nasceu em Yorkshire, estudou na Universidade de Oxford e abraçou o sacerdócio. Na década de 1360, adquiriu grande reputação em Oxford e outros centros intelectuais como brilhante professor e escritor de filosofia. Posteriormente, tornou-se conselheiro teológico do rei e prestou serviços à coroa inglesa. Defendeu a teoria de que o poder civil tinha o direito de se apoderar das propriedades do clero corrupto. Suas opiniões foram condenadas pelo papa em 1377, mas ele teve o apoio de pessoas influentes e do povo. Após o Grande Cisma (1378), com a existência simultânea de dois papas rivais, suas idéias tornaram-se mais radicais e ele acabou por rejeitar toda a estrutura tradicional da igreja medieval. Em uma série de tratados teológicos, afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o conjunto dos eleitos, e questionou o papado e a transubstanciação. Além disso, incentivou a primeira tradução da Bíblia completa para a língua inglesa (1384).

Eventualmente, Wyclif perdeu o apoio da nobreza e de muitos simpatizantes, mas viveu em paz os seus últimos anos, vindo a falecer em sua paróquia, Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384. Seus seguidores, conhecidos como lolardos, foram duramente reprimidos nas décadas seguintes. Ensinavam que a missão principal de um sacerdote era pregar as Escrituras e que a Bíblia dever ser acessível a todos nas várias línguas vulgares. Essas idéias contribuiriam para a ampla aceitação da Reforma Protestante pelos ingleses no século 16.

No século 14, a Boêmia (Tchecoslováquia) fazia parte do Sacro Império Germânico. Politicamente, o país estava dividido por conflitos entre os tchecos e a comunidade imigrante alemã, mais poderosa. Em 1382, a Boêmia, até então pouco ligada à Inglaterra, aproximou-se deste país por meio do casamento de uma princesa tcheca com o rei Ricardo II. Jovens tchecos passaram a estudar em Oxford e conheceram as doutrinas de Wyclif, que logo levaram para a sua terra, especialmente para a Universidade de Praga (fundada em 1348). Entre os professores que abraçaram muitas idéias de Wyclif estava o ardoroso Jan Hus (c. 1373-1415).

Hus nasceu na vila de Husinec, estudou na Universidade de Praga e foi ordenado sacerdote em 1400. Pouco antes da ordenação teve uma experiência de conversão pelo estudo da Bíblia e se tornou um zeloso defensor de reformas eclesiásticas. Além de lecionar na universidade, em 1402 foi nomeado pregador da Capela de Belém, o centro do movimento reformista tcheco, alcançando enorme popularidade por suas pregações. Como João Wyclif, ele ensinava que a igreja verdadeira consiste somente dos eleitos, dos quais o cabeça é Cristo, e não o papa. Embora defendesse a autoridade tradicional do clero, Hus afirmava que somente Deus pode perdoar pecados. Acreditava que nem o papa nem os cardeais podiam estabelecer como autêntica uma doutrina que fosse contrária à Escritura, e que nenhum cristão devia obedecer às suas ordens quando estas se revelassem abertamente erradas. Dizia que a igreja devia ter uma vida de simplicidade e pobreza, à semelhança de Cristo. A única lei da igreja era a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, daí a grande importância da pregação. Condenou a corrupção do clero, a adoração de imagens, os falsos milagres, as peregrinações supersticiosas e a venda das indulgências, mas manteve a transubstanciação.

A partir de 1410, as autoridades eclesiásticas e seculares começaram a tomar medidas drásticas contra os wyclifitas. Apesar de ser altamente estimado pelo povo, Hus foi excomungado e seguiu para o exílio no sul da Boêmia, onde escreveu sua principal obra, De Ecclesia (Sobre a Igreja). Munido de um salvo-conduto fornecido pelo imperador alemão Sigismundo, compareceu ao célebre Concílio de Constança (1414-1418), no sul da Alemanha, a fim de justificar as suas posições. Em 4 de maio de 1415, o concílio condenou formalmente João Wyclif como herege e ordenou que o seu corpo fosse retirado da terra consagrada (essa ordem só seria cumprida em 1428). Hus, considerado por todos um wyclifita, recusou-se firmemente a abjurar as suas idéias. No dia 6 de julho de 1415 foi sentenciado e queimado na fogueira, enfrentando a morte com grande coragem e dignidade.

A Unitas Fratrum e os Irmãos Morávios
A notícia da morte de Hus produziu grande revolta na Boêmia, que seria agravada pela condenação do seu amigo e colega Jerônimo de Praga, também levado à fogueira pelo Concílio de Constança, em 30 de maio de 1416. Outra fonte de protestos foi a proibição, pelo mesmo concílio, da ministração do cálice da Ceia aos leigos, prática que se tornara o símbolo do movimento hussita. Surgiram duas facções no movimento: um partido moderado e aristocrático, sediado em Praga, conhecido como utraquistas (referência à comunhão sub utraque, isto é, “em ambas” as espécies) ou calixtinos (do latim calix = cálice), e um partido radical, popular, os taboritas (de Tábor, a sua fortaleza). Os primeiros rejeitaram somente as práticas que consideravam proibidas pela “lei de Deus”, a Bíblia, ao passo que os taboritas repudiavam todas as práticas não sancionadas expressamente pelas Escrituras.

Após um período de conflitos, as duas facções se uniram em 1420, adotando uma agenda religiosa comum, “Os Quatro Artigos de Praga”, que exigiam a livre pregação da Palavra de Deus, o cálice para os leigos, a pobreza apostólica e uma vida de austeridade para clérigos e leigos. Durante alguns anos, eles se envolveram em várias guerras vitoriosas contra os seus adversários. Uma tentativa de acordo com a igreja católica produziu novas lutas internas, sendo os taboritas derrotados pelos utraquistas em 1434, na batalha de Lipany. Fracassado o acordo com o catolicismo, os utraquistas tornaram-se um grupo religioso autônomo, cuja plena paridade com os católicos foi declarada pelo Parlamento da Boêmia em 1485. Alguns anos antes, em 1457, havia surgido a Unitas Fratrum (Unidade dos Irmãos Boêmios), reunindo elementos taboritas, utraquistas e valdenses. Essa igreja absorveu o que havia de mais vital no movimento hussita e tornou-se a precursora dos irmãos morávios.

Com o advento da Reforma, os “irmãos unidos” abraçaram o protestantismo. Nessa época, eles contavam com cerca de 400 igrejas locais e 150 a 200 mil membros na Boêmia e na vizinha Morávia. Expulsos de sua pátria durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), espalharam-se por diversas regiões da Europa e perderam muitos adeptos. Um ano especialmente amargo foi 1621, quando quinze irmãos foram decapitados no “dia de sangue”, muitos crentes foram mandados para as minas ou masmorras, igrejas foram fechadas, escolas destruídas, Bíblias, hinários e catecismos foram queimados. Os poucos remanescentes continuaram a realizar as suas funções religiosas em segredo e a orar pelo renascimento da sua igreja. Um importante líder desse período aflitivo foi o notável educador Jan Amos Comenius (1592-1672), eleito bispo dos irmãos morávios em 1632.

O conde Zinzendorf e Herrnhut
Em 1722, sobreviventes dos irmãos unidos que falavam alemão, residentes no norte da Morávia, começaram a buscar refúgio na vizinha Saxônia, sob a liderança de um carpinteiro, Christian David. O jovem conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf (1700-1760) permitiu que eles fundassem uma vila em sua propriedade de Berthelsdorf, cerca de 110 quilômetros a leste de Dresden. Zinzendorf era fruto do pietismo, um influente movimento que havia surgido recentemente no luteranismo alemão. Esse movimento teve como líderes iniciais Phillip Jacob Spener (1635-1705) e August Hermann Francke (1663-1727), sendo seu principal centro de atividade a cidade de Halle, também na Saxônia, a terra de Martinho Lutero. Os pietistas davam grande ênfase à devoção, à experiência e aos sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e rituais. Também valorizavam a conversão pessoal, o sacerdócio universal dos crentes, o estudo das Escrituras, os pequenos grupos para comunhão e auxílio mútuo, e um cristianismo prático voltado para educação, missões e beneficência.

Nascido em uma família aristocrática, Zinzendorf recebeu uma educação pietista em Halle dos 10 aos 17 anos. Desde a infância revelou uma intensa devoção pessoal a Cristo e mesmo depois de ingressar no serviço público, em 1721, continuou a ter como interesse predominante o cultivo da “religião do coração”. Foi então que entrou em contato com os morávios. A vila que estes fundaram em sua propriedade recebeu o nome de Herrnhut (“a vigília do Senhor”). A comunidade cresceu e logo se uniram a ela muitos pietistas alemães e outros entusiastas religiosos. Inicialmente Zinzendorf lhes deu pouca atenção, mas em 1727 começou a assumir a liderança espiritual do grupo. Superadas algumas divisões iniciais, no dia 13 de agosto de 1727 foi realizado um marcante culto de comunhão que veio a ser considerado o renascimento da antiga Unitas Fratrum, a Igreja Morávia renovada. A partir de então, Herrnhut tornou-se uma disciplinada e fervorosa comunidade cristã, um corpo de soldados de Cristo ansioso em promover a sua causa no país e no exterior.

Embora Zinzendorf desejasse que os morávios permanecessem como membros da igreja estatal da Saxônia (luterana), gradualmente eles formaram uma igreja separada. Em 1745 a Igreja Morávia já estava plenamente organizada com seus bispos, presbíteros e diáconos, embora seu governo fosse, e ainda seja, mais presbiteriano que episcopal. A essa altura o moravianismo estava criando uma liturgia de grande beleza e uma rica tradição hinológica. A Igreja Morávia restaurada permaneceu pequena, mas sua influência se fez sentir em toda a Europa. Seus primeiros bispos foram David Nitschmann (1735) e o próprio Zinzendorf (1737), que, após uma vida de intensa atividade missionária e pastoral na Europa e na América do Norte, faleceu em Herrnhut em 1760. Certa vez havia declarado, referindo-se a Cristo: “Eu tenho uma paixão; é ele e ele somente”.

Até aos confins da terra
Com o seu zelo por Cristo, os morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário e nenhum demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Numa viagem a Copenhague para assistir à coroação do rei dinamarquês Cristiano VI, Zinzendorf conheceu alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia. Regressou a Herrnhut cheio de fervor missionário e, em conseqüência disso, Leonhard Dober e David Nitschmann iniciaram uma missão aos escravos africanos em St. Thomas, nas Ilhas Virgens, em 1732, e Christian David e outros seguiram para a Groenlândia no ano seguinte.

Em 1734, um grupo liderado por August Gottlieb Spangenberg (1704-1792) começou a trabalhar na Geórgia. No Natal de 1741, o próprio Zinzendorf visitou a América e deu o nome de Bethlehem (Belém) à colônia que os morávios da Geórgia estavam criando na Pensilvânia. Essa cidade se tornaria a sede americana do movimento. O mais famoso missionário morávio aos índios norte-americanos foi David Zeisberger (1721-1808), que trabalhou entre os creeks da Geórgia a partir de 1740 e entre os iroqueses desde 1743 até a sua morte.

Herrnhut tornou-se um centro de atividade missionária, iniciando missões no Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antigua e outros locais. Em 1748, foi iniciada uma missão aos judeus em Amsterdã. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3 mil conversos haviam sido batizados. Outros locais alcançados posteriormente foram Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla. Em 1832, havia 42 estações missionárias morávias ao redor do mundo. Os nomes dos primeiros campos missionários mostram uma característica do trabalho morávio: eram em geral locais difíceis e inóspitos, exigindo uma paciência e dedicação toda especial, traço que até hoje caracteriza o trabalho missionário desse grupo.

Conclusão
Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes, especialmente na Inglaterra. A convivência com alguns morávios causou profundo impacto em João Wesley e contribuiu para a sua conversão e o surgimento do metodismo. William Carey, o pioneiro das missões batistas, os admirava grandemente e apelou para o seu exemplo de obediência. Eles também inspiraram a criação de duas das primeiras agências protestantes de missões — a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804). Assim completou-se um ciclo extraordinário: a obra do pré-reformador inglês João Wyclif contribuiu para o surgimento dos morávios e, séculos depois, estes foram uma bênção para a Inglaterra e, por meio dela, para muitos outros povos.

Por Alderi Souza de Matos, doutor em história da igreja pela Universidade de Boston.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Uma vida de dedicação à causa dos pobres




A vida de dom Helder Câmara, que hoje completaria 100 anos, é pontuada pela luta incansável contra a miséria, que não foi bem vista durante a revolução militar, valendo-lhe a alcunha de ´Bispo Vermelho´. Sem abandonar esses princípios, originários da Teologia da Libertação, respeitou a hierarquia da Igreja Católica, mesmo vendo seu trabalho de 22 anos na Arquidiocese de Olinda e Recife desmoronar. O empenho em aproximar a Igreja do povo resultou no fim das missas em latim e também na criação da CNBB

O 11º filho do casal João Eduardo Torres Câmara, guarda-livros da Casa Boris Frères, e Adelaide Rodrigues Pessoa Câmara, professora. Nasceu no Centro de Fortaleza, em casa localizada onde hoje está o Mercado Central. A família contou que a mãe desejava o nome José, mas o pai abriu um atlas aleatoriamente e achou bonito o nome de uma cidadela ao norte da Holanda, Helder, cujo significado — limpo ou pensamento claro — bem o resume.

Helder Pessoa Câmara cedo demonstrou interesse pela vida religiosa. Tanto que, aos quatro/ cinco anos, brincava de celebrar missas. O sonho de tornar-se sacerdote resistiu aos discursos do pai maçom; ao tifo, que faz a irmã, Nair, por promessa, passar anos sem dançar; e também à epidemia de crupe, que levou seis dos 13 filhos do casal Câmara.

Aos 14 anos, ingressou no Seminário Diocesano de Fortaleza e, em 1931, aos 22 anos, com autorização especial da Santa Sé, por não ter a idade mínima exigida, ordenou-se.

Dedicado inicialmente ao Movimento da Juventude Operária Católica, fundou, em 1931, a Legião Cearense do Trabalho. Buscando meio termo entre socialismo e capitalismo, simpatizou com o Integralismo, movimento com bases no fascismo italiano.

A simpatia ao movimento, no entanto, não durou muito. Nos anos 1930 — quando o Brasil se industrializava e a população migrava do campo para a cidade — cresciam outras religiões. O ambiente, favorável ao pensamento católico democrático, influenciou a mudança de pensamento do então padre Helder. Em 1936, foi transferido para o Rio de Janeiro e viu, na Ação Católica, forma de organização que poderia contribuir para a renovação das práticas da Igreja, com a preocupação, também, de criar uma ordem social mais justa.

Os anos de 1950 são dedicado à mobilização dos bispos do Brasil e das Américas, esforço bem sucedido que resulta na criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952; e no Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), em 1955. Sagrado bispo, no Rio de Janeiro, em 1952, assume, durante 12 anos, a secretaria geral da CNBB. Em 1964, torna-se arcebispo de Olinda e Recife.

De 1962 a 1965, no Concílio Vaticano II, dom Helder faz um trabalho silencioso e eficiente, com o desejo de por em pauta a questão da miséria e incentivar uma reforma interna na Igreja Católica. Para começar, defendeu a substituição do latim em celebrações, catequeses, orações e cantos pela língua viva em cada país, incentivando a participação dos fiéis.

No início da revolução militar, é bispo de todos, acima de direita e esquerda. O clima entre a Arquidiocese e militares é de camaradagem. Dom Helder prega para militares, com a pretensão de “converter” a revolução. Aos poucos, porém, seu discurso passa a ser visto como “vermelho”.

Após o Ato Institucional Nº 5, cai em desgraça. Em artigos anônimos, é chamado de comunista, difamador do Brasil, falso profeta, político demagogo; em pichações, de mentiroso, infiel, antipratriota; em denúncias oficiais, é acusado de promover guerrilhas, financiar entidades comunistas, ser amigo de Fidel Castro.

Entre 1970 e 1975, houve muita perseguição, prisão e tortura entre as pessoas mais próximas ao pastor. A residência oficial do bispo foi metralhada; além disso, telefonemas anônimos, ameaças de morte, insultos e palavrões nos muros do Palácio Episcopal. Indicado ao Nobel da Paz em 1970, 1971, 1972 e 1973, enfrentou campanha difamatória da revolução militar que provavelmente impediu a titulação.

A partir de 1985, viu seu trabalho de 22 anos à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife desmoronar, a partir da posse do seu sucessor, dom José Cardoso Sobrinho, que fechou o Instituto de Teologia do Recife (Iter) e o Seminário Regional Nordeste II (Serene II), mas silenciou em respeito à hierarquia da Igreja Católica.

CINEMA E LITERATURA
O santo rebelde

A pesquisadora e cineasta mineira Érika Bauer, radicada em Brasília, responsável pelo documentário “Dom Hélder Câmara: o Santo Rebelde”, contou que dois fatores principais a influenciaram a querer contar a história do religioso: o primeiro foi perceber o carisma que dom Helder apresentava diante das câmeras e o segundo foi perceber que a maioria das pessoas que já ouvira falar dele desconhecia sua trajetória.

Ela partiu, então, para uma longa pesquisa de imagens que abrangeu, além do Brasil, França, Alemanha, Itália e Holanda. Érika captou logo a essência de dom Helder, homem que enxergou na mídia, antes de todos, o caminho para difundir os ideais da “Teologia da Libertação”, que alia os ensinamentos do Novo Testamento a questões sociais, com viés marxista.

Sua história de vida, densa e complexa, com ações inúmeras vezes desaprovadas pelo Vaticano, levaram Érika a optar por um documentário de linguagem tradicional, sem experimentalismos.

Dispensando depoimentos de personalidades, preferiu centrar-se, nas mais de 60 horas de imagens e nas gravações que captou com aqueles que conviveram estreitamente com o arcebispo.

O filme contém relatos do arcebispo sobre sua escolha, ainda na infância, pelo caminho clerical; a ordenação; a rápida passagem pelo Integralismo, atraído pelo caráter nacionalista do movimento; a transferência para o Rio, onde se tornou nacionalmente conhecido e começou a colocar em prática, de maneira mais efetiva, seus idéias de justiça e paz social. Durante este período, o religioso conheceu o futuro papa Paulo VI, abrindo caminho para sua mobilização que resultou na implantação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Segue mostrando que, numa tentativa frustrada de abrandar seu discurso e esvaziar suas ações na então politizada ex-capital federal, uma manobra militar levou-o ao Recife, onde dom Hélder não só continuou sua missão evangelizadora, marcada pela “Teologia da Libertação”, como atingiu projeção internacional.

No auge da perseguição política do governo militar, a Suécia o indicou quatro vezes consecutivas ao “Prêmio Nobel da Paz”, entre 1971 e 1974, que, afinal, nunca recebeu.

Documentos indicam uma ação secreta do governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), embora nem o documentário de Erika, nem a biografia “Dom Hélder Câmara: entre o Poder e a Profecia”, dos professores Nelson Piletti e Walter Praxedes, publicada em 1997, e “bússola” do documentário, tenham conseguido comprovar esta interferência de maneira categórica.

Maristela Crispim
Repórter

LINHA DO TEMPO

1909
Nasce, no dia 7 de fevereiro, no Centro de Fortaleza, Helder Pessoa Câmara, 11º filho dos 13 do casal João Eduardo Torres Câmara e Adelaide Rodrigues Pessoa Câmara

1931
Ordena-se padre, aos 22 anos, com autorização especial da Santa Sé, por não ter a idade mínima exigida. No dia seguinte, celebra sua primeira missa, na Igreja da Sé

1931
Dedicado inicialmente ao Movimento da Juventude Operária Católica, funda, com amigos, a Legião Cearense do Trabalho, já simpatizante do Integralismo

1936
É transferido para o Rio de Janeiro, onde ingressa na Ação Católica com o intuito de contribuir para a renovação das práticas da Igreja e passa a ser conhecido nacionalmente

1952
É eleito bispo no Rio de Janeiro e ajuda a constituir a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual é secretário-geral por 12 anos consecutivos

1964
Torna-se arcebispo de Olinda e Recife, posição que ocupa durante 21 anos, período em que sofre perseguição da revolução militar e projeta-se internacionalmente

1970 a 1973
Indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz, indícios levam a crer que companha de difamação movida por setores conservadores influenciou o resultado

1985
Dom José Cardoso Sobrinho assume o arcebispado de Olinda e Recife, fechando o Instituto de Teologia do Recife (Iter) e o Seminário Regional Nordeste II (Serene II)

1989
Uma grande festa reúne dom Helder Câmara, dom Aloísio Lorscheider e a então secretária de Cultura do Ceará, Violeta Arraes, em Canindé, para comemorar seus 80 anos

1999
Após completar 90 anos, dom Helder morre, dia 27 de agosto, na Casa Paroquial da Igreja das Fronteiras, em Recife, onde passou anos ouvindo música clássica e rezando

2006
Em 10 de setembro, Dia Mundial da Paz, o Diário do Nordeste publica uma edição especial da série ´Os Pacifistas´, destacando, como personagem, dom Helder

GLOBALIZAÇÃO E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO





Como viver e pensar a Teologia da Libertação numa era de globalização? Muitos e muitas afirmam que a Teologia da Libertação ficou no passado, já não é mais necessária e que não atrai mais devido ao fim dos blocos socialistas e das teorias marxistas. Outros e outras tentam ainda caminhar na construção de uma nova sociedade tendo como eixo a teologia da libertação mesmo sabendo que a Igreja a deixou no esquecimento.



Sabe-se que a caracterização da teologia da libertação possui sua singularidade em seu método construído a partir da realidade história e social, ou seja, a partir dos excluídos (as) da sociedade (VER), iluminada pela fé cristã (JULGAR) e que visa a prática transformadora da sociedade velha rumo a uma nova sociedade (AGIR). Portanto, teologia da libertação e sociedade compreende-se a partir da dialeticidade que as une onde se constrói uma nova política participativa, uma nova economia inclusiva e solidária, uma nova cultura pluralista e uma nova religião ecumênica e macro-ecumênica.



A pergunta é: Ainda é possível viver a teologia da libertação? As respostas são muitas, mas considerando as realidades históricas que se apresentam pode-se dizer que sim, principalmente, se construir e se pensar numa nova teologia da libertação sem o monopólio da Igreja Católica. Uma nova teologia da libertação que não se esqueça dos princípios e métodos, mas que adote a sociedade enquanto espaço de construção de uma práxis que conscientiza, conscientizando-se a partir das realidades humanas que se encontram na exclusão, na opressão, na desumanização e na exploração. Assim, diria que vivemos já uma nova fase da teologia da libertação que se apresenta não mais nas Igrejas, mas, sobretudo, nas ONGs, nos movimentos populares e sociais, nos grupos de direitos humanos, em algumas universidades, nas associações e cooperativas etc. São nestes espaços que se encontra a nova teologia da libertação sendo vivida nesta era de globalização.



Segundo Leonardo Boff, ainda não terminou o processo de construção da humanidade. O Homem possui uma tendência para se expandir e, por isso, consegue se adaptar em todos os ecossistemas pela qual a Terra já passou. Entre estes podemos considerar a fase atual de globalização na qual vive a humanidade inteira. Este atual projeto de globalização surgiu desde os primórdios da humanidade e se fortaleceu no séc. XVI com a cultura européia que rompe as fronteiras do velho mundo. Pode-se denominar esta fase de “ocidentalização do mundo” ou Idade do Ferro da atual globalização. A chamada ocidentalização do mundo conseguiu gerar duas conseqüências desastrosas na história da humanidade, a saber: o etnocídio dos povos indígenas e a escravização dos povos africanos. E vale lembrar que tudo era feito, política e economicamente, em nome do Deus cristão da Igreja Católica (América Latina) e das Igrejas Protestantes (Estados Unidos e Canadá). Evidentemente, os pedidos de perdão foram feitos por parte das Igrejas, mas nada conseguirá apagar da história este projeto pré-globalizado que se implantou nas consciências de muitas nações.



Podemos dizer então que “a cultura ocidental conseguiu impor a todos os povos sua forma de acercar-se da natureza mediante a tecnociência, sua maneira de organizar a sociedade (a democracia representativa), sua visão de pessoa humana (cidadão com direitos inalienáveis) e a maneira de entender e cultuar Deus (cristianismo como religião hegemônica no mundo)” (Boff, Leonardo. Processos de globalização e desafios à Teologia da Libertação. In.: Boff, L. e Arruda, M. Globalização: Desafios socioeconômicos, éticos e educativos, p. 26).



A globalização possui três vertentes fundamentais que são: a economia, a política e a espiritual ou religiosa. Na economia ou nas economias mundiais, existe uma relação de interdependência entre globalização e mercado. São três fatores que dão dinâmica à globalização econômica e de mercado, a saber: 1) o surgimento dos megaconglomerados e corporações estratégicas atuando em redes globais; 2) a chamada continentalização das economias dentro do processo de globalização como, por exemplo: o Mercado Comum Europeu, o NAFTA e o Mercosul; 3) a lógica de mercado baseado na livre concorrência o que fortalece o surgimento das elites orgânicas transnacionais que gerenciam econômica e politicamente o planeta.



Na política, com o projeto de ocidentalização da humanidade se construiu a idéia hegemônica de Estados-Nações e de Democracia como valor universal. A democracia funciona quando existe o respeito aos Direitos Humanos. Mas, mesmo assim, assistimos nestes últimos tempos a imposição da democracia a países do Oriente a partir do desrespeito aos direitos humanos como no Afeganistão e Iraque.



No entanto, três dados se complementam no processo da globalização política da humanidade, a saber: o crescente avanço da mídia e dos meios de comunicação que interliga todos em tudo; o perigo nuclear ou perigo à biosfera com a retomada das experiências nucleares realizadas pelos Estados Unidos e Irã; e o alerta ecológico, um alerta a toda humanidade que pode ser extinta devido ao acelerado processo de desmatamento e destruição da camada de ozônio. Neste sentido, afirma Leonardo Boff:



(...) o tipo de desenvolvimento técnico-industrial adotado implica uma sistemática agressão à natureza, um esgotamento de recursos não-renováveis e uma grande degradação da qualidade de vida para todos os seres vivos. O efeito estufa, o envenenamento do solo e do ar e o buraco de ozônio podem produzir malefícios irreparáveis para a biosfera. A morte revela formas insuspeitadas de ecocídio (morte de ecossistemas), de biocídio (morte de espécies vivas) e geocídio (morte da Terra-Gaia) (idem, p. 28).



Na espiritualidade, a globalização acontece a partir do surgimento de novas formas de consciência planetária que se interagem com novas formas de se fazer a experiência com o sagrado. Nestas novas formas, o Ser Humano e a Terra estão interligados, relacionados numa complementariedade entre o húmus e o homo o que permite formar o novo Homem. Resta saber se seria agora o momento de uma irrupção da noogênese e da noosfera, entendida aqui, como gênese e a esfera do Espírito? Seria este o momento do surgimento de uma nova espiritualidade para o ser humano?



Para as pessoas religiosas o profundo é habitado por Deus, e dialogar com a interioridade profunda é pôr-se na escuta da Palavra divina. Mais e mais se percebe em todo o mundo uma grande sede de espiritualidade, de encontro com o elo perdido que permite uma experiência de re-ligação de todas as coisas e de todas as experiências, conferindo sentido para a vida, a verdade de toda religião (idem, p. 30).



Um dos desafios para a teologia da libertação é interpretar os sinais dos tempos provocados pelo fenômeno da globalização, estes fenômenos que se apresentam em nossas realidades subjetivas. No entanto, sem perder de vista os fundamentos históricos e metodológicos que a sustentam, entre elas, é o de questionar a situação dos pobres e oprimidos neste processo de globalização econômica, política e religiosa que se fortalece neste cenário de um mercado capitalista extremamente anti-social e que, politicamente, tem como desafio a construção de sociedades humanas mais multi-culturais e multi-religiosas.



O desafio da teologia da libertação é o de sustentar uma vida social diferente pautando-se no projeto de vida oferecido pelas tradições religiosas e não mais por uma única Tradição religiosa, a cristã. Sustentar a vida social na participação de todos (as) nas decisões locais e globais, na busca pela igualdade na diversidade, no respeito às diferenças e na comunhão entre as subjetividades humanas. Mas, alguns poderão questionar com toda a razão: Então a Teologia da Libertação baseada nas CEBs, nos movimentos populares, na Igreja dos pobres acabou? Não e Sim. Não, porque deixou de ser monopólio de uma única tradição religiosa e passou a ser pensada e vivida em outras esferas da sociedade e em outras tradições religiosas outrora excluídas. Sim, porque a própria Igreja que apoiou tanto a formação de CEBs, dos movimentos populares e a luta em defesa da dignidade dos pobres retorna a cada dia ao seu projeto subjetivo de globalização, a saber: a cristandade.



Resta, portanto, à teologia da libertação tentar incentivar “o resgate do caráter sagrado da Terra, resgate das tradições espirituais das culturas oprimidas e dos pobres que, geralmente, têm veneração e respeito pela Terra como a grande Mãe. Esta atitude poderá limitar a ganância moderna e permitirá uma nova experiência de Deus no universo que supere os famosos dualismos do cristianismo ocidental, entre Deus e o mundo, a alma e o corpo, o feminino e o masculino” (idem, p. 32). Este é o grande desafio da teologia da libertação nestes tempos de globalização. Por ocasião do cotidiano de nossas vidas, hoje me perguntaram: Você está preparado espiritualmente para assumir o sacerdócio? Na hora, pensei no dualismo da questão. Por que não me perguntaram se estou preparado corporalmente? Porque o corpo ainda é visto como coisa do mundo, carcaça que aprisiona nossa alma. É neste sentido que a Teologia da Libertação deve ajudar a superar tais dualismos que continuam aprisionando o ser humano. O que respondi? Que não! E o semblante da pessoa ficou cheio de perplexidade.



Por Claudemiro Godoy do Nascimento,
Agente de Pastoral. Mestre em Educação pela Unicamp.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A guerra dos fundamentalismos






Hoje se fala muito de fundamentalismo. Fundamentalismo do mercado e do projeto neo-liberal, fundamentalismo cristão, fundamentalismo islâmico, principal responsável pelos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, fundamentalismo das posturas políticas e bélicas do ex-Presidente Bush. Tentemos esclarecer o leitor o que seja fundamentalismo e o risco que representa para a pacífica convivência humana e para o futuro da humanidade.

1.Como surgiu o fundamentalismo

O nicho do fundamentalismo se encontra no protestantismo norte-americano, surgido nos meados do século XIX e formalizado, posteriormente, numa numa pequena coleção de livros que vinha sob esse título:"Fundamentals. A Testimony of the Truth(1909-1915). Trata-se de uma tendência de fiéis com seus pregadores e teólogos que tomavam as palavras da Bíblia ao pé da letra (o fundamento de tudo para a fé protestante é a Bíblia). Se Deus consignou sua revelação no Livro Sagrado, então tudo, cada palavra e cada sentença, devem ser verdadeiras e imutáveis. Em nome do literalismo, esses fiéis opunham-se às interpretações da assim chamada teologia liberal. Esta usava e usa os métodos histórico-críticos e hermenêuticos para interpretar textos escritos há 2-3 mil anos. Supõe-se que a história e as palavras não ficaram congeladas. Precisam ser interpretadas para resgatar-lhes o sentido original. Esse procedimento para os fundamentalistas é ofensivo a Deus. Por razões semelhantes se opõem aos conhecimentos contemporâneos da história, das ciências, da geografia e especialmente da biologia que possam questionar a verdade bíblica.

Para o fundamentalista a criação se realizou mesmo em sete dias. O cristianismo detem o monopólio da verdade revelada. Jesus é o único caminho para a salvação. Fora dele há somente perdição. Daí o caráter militante e missionário de todo fundamentalista. Face aos demais caminhos espirituais ele é intolerante, pois significam simplesmente errância. Na moral é especialmente rigoroso, particularmente no que concerne à sexualidade e à família. É contra os homosexuais, o movimento feminista e os movimentos libertários em geral. Na economia é conservador e na política sempe exalta a ordem e a segurança a qualquer custo.

O fundamentalismo protestante ganhou relevância social a partir dos anos 50 com as "Electronic Church". Pregadores nacionalmente famosos usam o rádio e a televisão em cadeia para suas pregações e campanhas conservadoras. Sob Ronald Reagan significaram um fator político determinante. Combatem abertamente o Conselho Mundial de Igrejas em Genebra (que reune mais de duas centenas de denominações cristãs) e todo tipo de ecumenismo, tidos como coisa do diabo.

O catolicismo possui também seu tipo de fundamentalismo. Ele vem sob o nome de Restauração e Integrismo. Procura-se restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Visa-se uma integração de todos os elementos da sociedade e da história sob a hegemonia do espiritual representado,interpretado e proposto pela Igreja Católica (seu corpo hierárquico encabeçado pelo Papa). O inimigo a combater é a Modernidade, com suas liberdades e seu processo secularização. Expressões do Integrismo é modernamente o Card. Josef Ratzinger, Presidente da antiga Inquisição, que sustenta ainda a tese de que a Igreja Católica é a única Igreja de Cristo, também a única religião verdadeira, fora da qual não todos correm risco de perdição. Ou o Arcebispo Marcel Lefebvre que fundou sua Igreja paralela, considerada a fiel detentora da Tradição e da fé verdadeiras. Características fundamentalistas se encontram também em setores importantes do pentecostismo, também católico e nas Igrejas evangelicais populares.

2.Que é o fundamentalismo?

Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista. Sendo assim, imediatamente surge um problema de graves consequências: quem se sente portador de uma verdade absoluta não pode tolerar outra verdade e seu destino é a intolerância. E a intolerância gera o desprezo do outro e o desprezo, a agressividade e a agressividade, a guerra contra o erro a ser combatido e exterminado. Irrompem guerras religiosas, violentíssimas, com incontáveis vítimas.

Não há nenhuma religião mais guerreira que a tradição dos filhos de Abraão: judeus, cristãos e muçulmanos. Cada qual vive da convicção tribalista de ser povo escolhido e portador exclusivo da revelação do Deus único e verdadeiro. Essa fé deve ser difundida em todo o mundo, normalmente, com articulação com o poder colonialista e imperial como historicamente ocorreu na América Latina, Africa e Asia.

O fundamentalismo, como atitude e tendência, se encontra em setores de todas as religiões e caminhos espirituais. Hoje em dia, o fundamentalismo judeu se centra na construção do Estado de Israel segundo o tamanho que lhe atribui a Bíblia hebraica. O fundamentalismo islâmico quer fazer do Alcorão a única forma de vida, de moral, de política e de organização do Estado entre os islâmicos e em todo o mundo. Todos os que se opõem a essa visão de mundo são obstáculos à instauração "da cidade de Deus" e consequentemente são infiéis e merecem ser perseguidos e eventualmente eliminados.

3.O fundamentalismo neo-liberal e o tecnico-científico.

O fundamentalismo não possui apenas um rosto religioso. Todos os sistemas seja culturais, científicos, políticos, econômicos e artísticos que se apresentam como portadores exclusivos de verdade e de solução única para os problemas devem ser considerados fundamentalistas. Vivemos atualmente sob o império feroz de vários fundamentalismos.

O primeiro e mais visível de todos é o fundamentalismo da ideologia política do neo-liberalismo, do modo de produção capitalista e de sua melhor expressão, o mercado mundialmente integrado. Ele se apresenta como a solução única para todos os países e para todos as carências da humanidade (todos precisam de um necessário choque de capitalismo,diz-se fundamentalisticamente). A lógica interna deste sistema, entretanto, é ser acumulador de bens e serviços, por isso, criador de grandes desigualdades (injustiças), explorador ou dispensador da força de trabalho e predador da natureza. Ele é apenas competitivo e nada cooperativo. Politicamente é democrático, economicamente é ditatorial. Por isso a economia capitalista destrói continuamente a democracia participativa. Onde se implanta, a cultura capitalista cria uma cosmovisão materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Há teóricos que apresentam essa etapa como o fim da história. Para ela não haveria alternativa. Urge inserir-se nela. Caso contrário perde-se o ritmo da história. A condenação é a marginalidade ou a exclusão. Eis o pensamento único e a ditadura da globalização especialmente econômico-financeira (considero esta etapa como a idade de ferro da globalização), hegemonizada pelas potências ocidentais.

Outro tipo de fundamentalismo comparece no paradigma científico moderno. Ele está assentado sobre a violência contra a natureza. Bem dizia Francis Bacon, pai da moderna metodologia científica: há de se torturar a natureza como o faz o inquisidor com seu inquirido, até que ela entregue todos os seus segredos. Impõe-se esse método, fundado no corte e na compartimentação da realidade una e diversa, como a única forma aceitável de acesso ao real. Desmoralizam-se outras formas de conhecimento que vão além ou ficam aquém dos caminhos da razão instrumental-analítica. Ocorre que o projeto da tecno-ciência gestou o princípio da auto-destruição da vida. A máquina de morte já construída pode pôr fim à biosfera e impossibilitar o projeto planetário humano. Na guerra bacteriológica, basta meio quilo de toxina do botulismo para matar um bilhão de pessoas.

4. O fundamentalismo político de Bush e de Bin Laden

Nos dias atuais assistimos, estarrecidos, a dois tipos de fundamentalismo político. Um representado pelo presidente dos USA George W. Bush.e outro por Osama Bin Laden. O Presidente norte-americano urde seus discursos no melhor código fundamentalista: A luta é do bem (América) contra o mal (terrorismo islâmico). Ou se é contra o terrorismo e pela América ou se é a favor do terrorismo e contra a América. Não há matizes nem alternativas. O ataque terrorista não foi contra os USA mas sim contra a humanidade, na suposição que eles são a própria humanidade. O projeto inicial de guerra se chamava Justiça Infinita, termo que usurpa a dimensão do Divino. Depois com menor arrogância, mas na linguagem da utopia, chamou-se de Liberdade Duradoura. Termina suas intervenções com "God saves America". Há dezenas de anos que a política exterior dos USA maltrata as nações árabes fazendo pacto com governantes despóticos (alguns emirados árabes nem constituição possuem) em razão da garantia do suprimento de petróleo. A partir de 1991 por ocasião da guerra contra o Iraque já morreram naquele pais cerca de um milhão de crianças por causa do embargo que atinge os suprimentos medicinais e 5% da população foi morta em sistemáticos bombardeios. A atuação no conflito entre Israel e os palestinos é a posiçãos dos USA visivelmente unilateral, em favor dos ataques devastadores que a máquina de guerra israelense move contra a população palestina que usa pedras(intifada). A Arábia Saudita é ocupada por uma poderosa base militar norte-americana, território sagrado do islamismo onde se situam as duas cidades santas Meca e Medina. Tal fato é para a fé islâmica tão vergonhoso quanto um católico tolerar a Máfia no governo do Vaticano. Tais fatos acumulam amargura, ressentimento, revolta e vontade de vindita. É o fermento do terrorismo muçulmano cujos efeitos nefastos todos assistimos e condenamos.

Não menos fundamentalista é a retórica dos Talibans e de Osama Bin Laden Este também coloca a guerra entre o bem (islamismo) e o mal(a América). Em seu famoso discurso após o atentado, divide o mundo entre dois campos: o campo dos fiéis e o campo dos infiéis. "O chefe dos infiéis internacionais, o símbolo mundial moderno do paganismo, é a América e seus aliados".O atentado terrorista significa que "a América foi atacada por Deus em um dos seus órgãos vitais…Graça e gratidão a Deus". A cultura ocidental como um todo é vista como materialista, atéia, secularista, anti-ética e belicista. Daí a recusa em dialogar com ela e a vontade de estrangulá-la em nome do próprio Allah.

Em nome de que Deus ambos falam? Não é seguramente em nome do Deus da vida, de Allah, o Grande e Misericordioso, nem em nome do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, da ternura dos humildes e da opção pelos oprimidos. Falam em nome de ídolos que produzem mortes e vivem de sangue.

É próprio do fundamentalismo responder terror com terror, pois se trata de conferir vitória à única verdade e ao bem e destruir a falsa "verdade" e o mal. Foi o que ambos, Bush e Bin Laden fizeram. Enquanto predominarem tais fundamentalimos seremos condenados à intolerância, à violência e à guerra e, no termo, à ameaça de dizimação da biosfera.

5.Como conviver com o fundamentalismo?

Não se há de sorrir nem de chorar. Mas de procurar entender. Todos os fundamentalismos, não obstante o vário matiz, possuem as mesmas constantes. Trata-se sempre de um sistema fechado, feito de claro e de escuro, inimigo de toda diferenciação e cego face à lógica do arco-iris, onde a pluralidade convive com a unidade. Cada verdade se encontra idissoluvelmente concatenada à outra. Questionada uma, desaba todo o edifício. Daí a intolerância e a lógica linear. Daí sua força de atração para espíritos sedentos de orientações claras e de contornos precisos. Para o fundamenalista militante a morte é doce, pois transporta o mártir diretamente ao seio materno de "Deus" enquanto a vida é vivida como oportunidade de cumprir a missão divina de converter ou exterminar os infiéis. O grupo é o lar da identidade, o porto da plena segurança e a confirmação de estar do lado certo.

Como enfrentar os fundamentalistas? Estes são praticamente inacessíveis à argumentação racional. Nem por isso deve-se renunciar ao diálogo, à tolerância e o uso da razão para mostrar as contradições internas, subjacentes ao discurso e à prática fundamenalista. Por detrás do fundamentalismo político vigora uma experiência dolorosa de humilhação e de prolongado sofrimento. E procura-se infligir a mesma coisa ao outro, o que é manifestamente contraditório. Trazer o fundamentalista à realidade concreta, cheia de contradições, claro-escuros e nuances pode introduzir nele a dúvida e a insegurança. Estas possuem uma função terapêutica. Podem abrir uma brecha para a luz no muro das convicções cerradas e excludentes. Dialogar até a exaustão, negociar até o limite intransponível da razoabilidade, pode levar o fundamentalista a reconhecer o outro, seu direito de existir e a contribuição que poderá dar para uma convergência mínima na diversidade.

Estamos numa encruzilhada da história humana. Ou criar-se-ão relações multipolares de poder, equitativas e inclusivas com pesados investimentos na qualidade total da vida para que todos possam comer, morar com mínima dignidade e apropirar-se de cultura com a qual se possam comunicar com seus semelhantes, preservando a integridade e beleza da natureza ou iremos ao encontro do pior, quem sabe, ao mesmo destino dos dinossauros. Armas para isso existem e sobra demência. Faz-se urgente mais sabedoria que poder e mais espiritualidade que acúmulo de bens materias. Então os povos poderão se abraçar como irmãos na mesma Casa Comum, a Terra, e irradiaremos como filhos da alegria e não como condenados ao vale de lágrimas.

Por Leonardo Boff

O Espírito chega antes do missionário





Por Leonardo Boff

Um dos efeitos do processo de mundialização - que vai muito além de sua expressão econômico-financeira – é o encontro com todo tipo de tradições espirituais e religiosas. Instaurou-se um verdadeiro mercado de bens simbólicos no qual os vários caminhos, doutrinas, cerimoniais, ritos e esoterismos são oferecidos para atender à demanda de um número crescente de pessoas, geralmente, fatigadas pelo excesso de materialimso, racionalismo, consumismo e superficialismo de nossa cultura convencional.

Por detrás deste fenômeno há uma busca humana a ser entendida e também a ser atendida. O espiritual e o místico, à revelia das predições dos mestres da suspeita como Marx, Freud e Nietzsche, estão voltando com renovado vigor. Eles revelam uma dimensão esquecida do ser humano, vista pelos modernos, mais como expressão de patologia do que de sanidade. Hoje, entre os estudiosos das ciências da religião, ela está resgatando sua cidadania. Tem seu assento na razão sensível e cordial que não substitui mas completa a razão científico-calculatória. Nela se elaboram os grandes sonhos e surgem as estrelas-guias que dão rumo à nossa vida. A religião desvela o ser humano como projeto infinito e lhe brinda o objeto adequado que o faz descansar: o Infinito.

Os cristãos têm especial dificuldade no diálogo com as religiões. Sustentam a crença de que são portadores de uma revelação única e de um Salvador universal, Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Em alguns, esta crença ganha foros de fundamentalismo, dizendo, sem atalhos, que fora do Cristianismo não há salvação, repetindo uma versão de cariz medieval. Outros, a partir da própria Bíblia e de uma reflexão teológica mais profunda, sustentam que todos os seres humanos, também o cosmos, estão permanentemente sob o arco-iris da graça de Deus. Para os primeiros onze capítulos do Gênesis, nos quais não se fala ainda em Israel, como “povo eleito”, todos os povos da Terra, são povos de Deus. Isso permanece válido até os tempos atuais.

Ademais, dizem as Escrituras que o Espírito enche a face da Terra, perpassa a história, anima as pessoas a praticarem o bem, a viverem na verdade e a realizarem a justiça e o amor. O Espírito chega antes do missionário. Este, antes de anunciar sua mensagem, precisa reconhecer as obras que este Espírito fez no mundo e prolongá-las.

O Cristo não pode ser reduzido ao espaço palestinense. Ao assumir o homem Jesus de Nazaré, o Filho se inseriu no processo da evolução, tocou a realidade humana e ganhou uma dimensão cósmica. Coube ao teólogo franciscano Duns Scotus na idade média e a Teilhard de Chardin nos tempos modernos apontar que o Filho está presente na matéria e nas energias originarias e que foi densificando sua presença na medida em que se realizava a complexidade e crescia a consciência até irromper na forma de Jesus de Nazaré. Esta individuação não diminiu seu caráter divino e cósmico, de forma que pode irromper, sob outros nomes e sob outras figuras que revelam em suas vidas e obras a cercania do mistério de Deus. Para evitar certa “cristianização”do tema, podemos falar, como o fazem grandes tradições, da Sabedoria/Sofia. Ela está presente na criação, na vida dos povos e especialmente nas lições dos mestres e sábios. Ou se usa também a categoria Logos ou Verbo que revela o momento de inteligibilidade e ordenação do universo. Ele não fica uma Energia impessoal mas revela suma subjetividade e suprema consciência.

Estas visões ancoram nossa vida num sentido bom que nos permite suportar os avatares desta cansada existência.

Carta de São Francisco aos governantes dos povos





Quase no final de sua vida, Francisco de Assis escreveu uma carta aberta aos governantes dos povos. Mais de mil franciscanos, vindos do mundo inteiro, reunidos em Brasília em meados de outubro, tentaram reescrevê-la. Dei minha colaboração, proibida pelo bispo local, nestes temos:

“A todos os chefes de Estado e aos portadores de poder neste mundo, eu Frei Francisco de Assis, vosso pequenino e humilde servo, lhes desejo Paz e Bem.

Escrevo-vos esta mensagem com o coração na mão e com os olhos voltados ao alto em forma de súplica.

Ouço, vindo de todos os lados, dois clamores que sobem até ao céu. Um, é o brado da Mãe Terra terrivelmente devastada. E o outro, é a queixa lancinante dos milhões e milhões de nossos irmãos e irmãs, famintos, doentes e excluídos, os seres mais ameaçados da criação.

É um clamor da injustiça ecológica e da injustiça social que implora urgentemente ser escutado.


Meus irmãos e irmãs constituídos em poder: em nome daquele que se anunciou como o “soberano amante da vida”(Sabedoria 11,26) vos suplico: façamos uma aliança global em prol da Terra e da vida.

Temos pouco tempo e falta-nos sabedoria. A roda do aquecimento global do Planeta está girando e não podemos mais pará-la. Mas podemos diminuir-lhe a velocidade e impedir seus efeitos catastróficos.

Não queremos que a nossa Mãe Terra, para salvar outras vidas ameaçadas por nós, se veja obrigada a nos excluir de seu próprio corpo e da comunidade dos viventes.

Por tempo demasiado nos comportamos como um Satã, explorando e devastando os ecossistemas, quando nossa vocação é sermos o Anjo Bom, o Cuidador e o Guardião de tudo o que existe e vive.

Por isso, meus senhores e minhas senhoras, aconselho-vos firmemente que penseis não somente no desenvolvimento sustentável de vossas regiões. Mas que penseis no planeta Terra como um todo, a única Casa Comum que possuímos para morar, para que ela continue a ter vitalidade e integridade e preserve as condições para a nossa existência e para a de toda a comunidade terrenal.

A tecno-ciência que ajudou a destruir, pode nos ajudar a resgatar. E será salvadora se a razão vier acompanhada de sensibilidade, de coração, de compaixão e de reverência.


Advirto-vos, humildemente, meus irmãos e irmãs, que se não fizerdes esta aliança sagrada de cuidado e de irmandade universal deveis prestar contas diante do tribunal da humanidade e enfrentar o Juízo do Senhor da história.

Queremos que nosso tempo seja lembrado como um tempo de responsabilidade coletiva e de cuidado amoroso para com a Mãe Terra e para com toda a vida.

Por fim, irmãos e irmãs, modeladores e modeladoras de nosso futuro comum: recordeis que a Terra não nos pertence. Nós pertencemos a ela pois nos gestou e gerou como filhos e filhas queridos. Custo aceitar que depois de tantos milhões e milhões de anos sobre esse planeta esplendoroso, tenhamos que ser expulsos dele.

Pela iluminação que me vem do Alto, pressinto que não estamos diante de uma tragédia cujo fim é desastroso. Estamos dentro de uma crise que nos acrisolará, nos purificará e nos fará melhores. A vida é chamada à vida. Nascidos do pó das estrelas, o Senhor do universo nos criou para brilharmos e cantarmos a beleza, a majestade e a grandeza da Criação que é o espaço do Espírito e o templo da Santíssima Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Se observardes tudo isso que Deus me inspirou para vos comunicar em breves palavras, garanto-vos que a Terra voltará novamente a ser o Jardim do Éden e nós os seus dedicados jardineiros e cuidadores”. Assinado F. de Assis.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

TESTEMUNHAS VIVAS DO AMOR DE DEUS




Todas as relações humanas, sejam elas entre pais e filhos, maridos e esposas, apaixonados e amigos, sejam elas entre membros duma comunidade, são para serem sinais do amor de Deus pela humanidade com um todo e por cada pessoa em particular. Este é um ponto de vista pouco comum, mas é o ponto de vista de Jesus. Jesus diz: «Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei. É nisso que todos reconhecerão que sois meus discípulos» (Jo 13, 34-35). E como é que Jesus nos ama? Ele diz: «Como o Pai Me amou, assim vos amei Eu» (Jo 15, 9). O amor de Jesus por nós é a plena expressão do amor de Deus por nós, porque Jesus e o Pai são um. «O que Eu vos digo», diz Jesus, «não o digo de Mim mesmo, mas o Pai que está em Mim é que faz as obras. Acreditai que estou no Pai e o Pai em Mim» (Jo 14, 10-11).

Estas palavras, à primeira vista, podem parecer sobremaneira irreais e mistificadoras, mas têm implicações directas e radicais quanto à maneira de vivermos o nosso relacionamento diário.

Jesus revela-nos que somos chamados por Deus a ser testemunhas vivas do amor de Deus. E tornamo-nos essas testemunhas seguindo a Jesus e amando-nos mutuamente com Ele nos ama. O que tem isto a ver com o casamento, a amizade e a comunidade? É que a fonte do amor que sustenta estas relações não são os parceiros em si mesmos mas Deus que junta os parceiros.

Amar-se reciprocamente não é agarrar-se uns aos outros de modo a encontrar segurança num mundo hostil, mas viver em conjunto de tal maneira que todos nos reconheçam como povo que torna o amor de Deus visível no mundo. Não só provém de Deus toda a paternidade e maternidade, mas também toda a amizade, a camaradagem e o matrimónio, bem como a verdadeira intimidade e comunidade.

Quando vivemos como se as relações humanas fossem uma criação dos homens e, portanto, sujeitas às voltas e às mudanças dos regulamentos e costumes humanos, não podemos esperar nada senão uma imensa fragmentação e alienação que, de resto, caracterizam a nossa sociedade. Mas, quando proclamamos e reclamamos constantemente Deus como a fonte de todo o amor, então descobriremos o amor como um dom de Deus ao seu povo.

Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

A BÍBLIA SERVE A JESUS, NÃO JESUS À BÍBLIA!

Por Caio Fábio

É estranho como Jesus e os apóstolos não usaram a Bíblia como argumento de fé, exceto para os que cultuavam o Livro, no caso, os judeus; e olhe lá...
O máximo que Jesus disse foi “são as Escrituras que testificam de mim...”; e mais: “...mostrou o que a Seu respeito constava em todas as Escrituras...” — mas não gastou tempo algum supostamente fazendo apologia de nada.
Afinal, a Bíblia jamais seria a apologia de Jesus; posto que Jesus fosse o Verbo vivo e falando o que a Bíblia nem poderia sonhar em falar, revelar e dizer...
Cristãos que vivem para defender a Bíblia ainda não conheceram Jesus mesmo!
Por isso não se vê Paulo, Pedro, João, Lucas e ninguém tentando provar Jesus em razão da Bíblia ser fidedigna!
Não! Fidedigno era o testemunho que eles davam...
Da Bíblia o que se pode dizer é que ela fé fiel como Palavra apenas porque afirma que Jesus é Deus e eu sou dos pecadores o principal!
O mais é um diletantismo ao qual Jesus jamais teria tempo e animo para se dar...
Depois que o Evangelho entrou em mim a Bíblia passou a ser apenas um Testemunho, mas não o Testemunho!
Sim, pois em mim o Testemunho é o do Espírito!
Afinal, é tudo tão simples!...
Sim, o que se diz é que o testemunho de Jesus é todo o espírito da profecia; ou seja: da revelação na Bíblia.
O mais não passa de mera ilustração...
É nessa fé/certeza que me sinto a cada dia mais inabalável Nele; e Nele apenas...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO A verdadeira Amizade




É isto o que se ama nos amigos. De tal maneira se amam
que a consciência humana se julga por culpada, se não ama a
quem lhe paga amor com amor, ou se não paga com amor
quem primeiro a amou, só procurando na pessoa do amigo os
sinais exteriores da benevolência. Daqui, esse luto quando
alguém morre, as trevas de dores, o coração umedecido pela
mudança da doçura em angústia e a morte dos vivos pela perda
da vida dos mortos.
Feliz o que Vos ama, feliz o que ama o amigo e Vós, e o
inimigo por amor de Vós.Só não perde nenhum amigo aquele
a quem todos são queridos n‘Aquele que nunca perdemos.E
quem é Esse, senão o nosso Deus, O Deus que criou o céu e a
terra e os enche porque, enchendo-os, os criou?Ninguém Vos
perde, anão ser quem Vos abandona; e, se Vos deixa, para onde
vai, para onde foge, senão de Vós manso, para Vós irado? Onde
é que não encontra, no seu castigo, a vossa lei? “A vossa lei é
a verdade”, e “Vós a mesma verdade”.

FALA SANTO AGOSTINHO:

"Não pode agir mal quem tem bons pensamentos."

"Quanto mais intensos são os desejos que precedem e
acompanham nossa oração, melhores são seus efeitos."

"É grande a obscuridade da alma humana. Um homem é
capaz de domar um leão mas não é capaz de domar-se a si
mesmo."

"O cúmulo da desvergonha é não ter vergonha de ser
desvergonhado."

"Não podes ser bom amigo dos homens, se primeiro não
o fores da verdade."

"Quem ama o perigo nele perecerá."

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Grandes na Fé: Charles Finney




Ao longo de todo seu ministério pela América, calcula-se que cerca de 500 mil pessoas aceitaram ao Senhor.


A Bíblia relata uma infinidade de situações usadas por Deus para manifestar Sua vontade e Sua presença. A conversão de um dos maiores pregadores avivalistas de todos os tempos, o americano Charles Grandison Finney (1792 -1875), não chega a ser "estarrecedora" se comparada, por exemplo, ao episódio narrado nas Escrituras, no qual Deus fez falar a mula de Balaão. No entanto, não se pode dizer que seja "natural" alguém entregar-se a Jesus após a leitura exaustiva de livros de Direito, contendo citações bíblicas. Foi exatamente isso que aconteceu com o então advogado Charles Finney. Daquele momento em diante, tudo em sua vida seria incomum. Conta-se que, após uma de suas pregações em Governeur, no estado de Nova Iorque, não houve baile ou representações teatrais por quase seis anos, tamanha a força das palavras proferidas pelo chamado apóstolo do avivamento. Ao longo de todo seu ministério pela América, calcula-se que cerca de 500 mil pessoas aceitaram ao Senhor.

História - Finney nasceu em Warren, estado de Connecticut, no dia 29 de agosto de 1792. Dois anos depois, sua família foi para a cidade de Hanover, em Nova Iorque. Seus pais não eram convertidos ao Evangelho, e a única imagem religiosa que tinha na adolescência era a de uma igreja conservadora e fria. Em 1821, após ler muitos livros de Direito, cujas leis eram fundamentadas na Bíblia, ele decidiu conhecer as Escrituras. Em uma tarde fria, Finney saiu para dar um passeio nos bosques. Lembrando-se dos exemplos do Livro Sagrado, procurou estar a sós com Deus. Ajoelhado em oração, Finney entregou-se a Jesus após travar uma batalha interior: Achei-me tomado por uma fraqueza e não consegui ficar em pé. Tive vergonha de que alguém me encontrasse ali, de joelhos, e logo em desespero percebi o que me impedia de entregar meu coração ao Senhor: meu orgulho. Fui vencido pela convicção do pecado. E me arrependi. Durante todo seu processo de aprendizado e mais tarde em seu ministério, Finney manteve os princípios que aprendeu nos anos em que esteve na advocacia.

Ele queria entender a profundidade dos problemas da. humanidade, usar sua fantástica oratória para falar de Jesus e estudar a Bíblia com uma visão racional e prática. Por causa disso, Finney teve dificuldades para compreender por que as bênçãos não chegavam ao povo de Deus: Ao ler a Bíblia, ao assistir as reuniões de oração, e ouvir os sermões do pregador,. percebi que não me achava pronto a entrar nos céus. Fiquei impressionado especialmente com o ato das orações dos cristãos, semana após semana, não serem respondidas. Li na Bíblia: Pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Li também, que Deus está mais pronto a dar o Espírito Santo aos que Lho pedirem, do que os pais terrestres a darem boas coisas aos filhos. Mas, ao ler mais a Bíblia, vi que as orações dos cristãos não eram respondidas porque não tinham fé, isto é, não esperavam que Deus lhes desse o que pediram. Entretanto, com isso senti um alívio a cerca da. veracidade do Evangelho, contou ele anos mais tarde em sua autobiografia.

Ministro do Evangelho - Em 1823, Finney se tornou ministro do Evangelho na Igreja Presbiteriana de Saint Lawrence, e iniciou, no ano seguinte, o processo conhecido nos livros de história como "o fogo dos nove anos", entre 1824 e 1832. Naquele período, ele administrou reuniões de reavivamento ao longo das chamadas cidades orientais: Gouverneur, Roma, Utica, Ruivo, Troy, Wilmington, Filadélfia, Boston e Nova Iorque. Durante as reuniões, advogados, médicos e homens de negócios se arrependiam de seus pecados e se entregavam a Jesus com lágrimas. Em Rochester, diz-se que o lugar foi estremecido até as suas fundações, e cerca de 1.200 pessoas converteram-se a Cristo. Boa parte delas tornou-se membro da Igreja Presbiteriana daquela cidade. Finney abriu o caminho para evangelistas de massa como Dwight L. Moody, Billy Sunday entre outros. Finney ficou viúvo duas vezes e teve três esposas. Casou-se com Lydia Raiz Andrews, com quem teve seis filhos. Ela morreu em 1847. Depois, casou-se com Elizabeth Ford Atkinson, que também faleceu, e, por último, Rebecca Allen Rayl. As três compartilharam do trabalho de reavivamento, acompanhando-o nas viagens e nos ministérios paralelos.

Obra teológica - Em 1832, Finney começou a pastorear uma igreja presbiteriana em Nova Iorque, ao mesmo tempo em que era evangelista em cidades mais distantes. Três anos depois, um comerciante de seda, rico e benfeitor, Arthur Tappan, ofereceu apoio financeiro ao recém fundado Instituto Colegial Oberlin naquela cidade, desde que Finney fosse convidado a montar um departamento teológico. Por influência do abolicionista Theodore Dwight Solda, o pregador aceitou o convite, mas com duas exigências: a de continuar pregando a Palavra de Deus em Nova Iorque e a de que a escola admitisse negros. Assim foi feito.

Mais tarde, o colégio passou a chamar-se Seminário Teológico Oberlin. Naquele estabelecimento, Finney foi professor de teologia sistemática e teologia pastoral. Durante os 40 anos em que atuou como evangelista, escreveu 17 livros, quatro deles impressos ate hoje. O mais significativo deles foi, sem dúvida, Teologia Sistemática,* considerado por muitos a maior obra sobre Teologia escrita após as Escrituras. Vítima de um problema cardíaco, o professor e apóstolo apaixonado por Jesus faleceu em l875.

OS ÍDOLOS SOFISTICADOS!


Por Caio Fábio

Para as pessoas cultas os tipos mais primitivos de idolatria deixaram de ser atraentes. Elas acham fácil resistir à tentação de acreditar que determinados objetos naturais são deuses, ou que certos símbolos e imagens são as próprias formas de entidades divinas e, como tais, devem ser adorados e propiciados mediante sacrifícios.

É verdade que muita superstição fetichista sobrevive ainda hoje, e o mundo evangélico brasileiro é o lugar onde elas, hoje em dia, mais crescem.

Como a bebida e a prostituição, as formas primitivas de idolatria são toleradas, mas não aprovadas pelas mentes “cultas”. O lugar desse tipo de idolatria na hierarquia acreditada de valores situa-se entre os mais baixos.

Como é diferente o caso das formas desenvolvidas e mais modernas de idolatria!

Essas formas mais sofisticadas e até cristãs lograram não apenas a sobrevivência, mas o mais alto grau de respeitabilidade. São recomendadas por homens de “intelecto” como substituto atualizado da religião supersticiosa e, por muitos mestres religiosos profissionais, equiparadas à adoração de Deus.

Tudo isso pode ser deplorável, mas não nos surpreende. A nossa educação desacredita as formas mais primitivas de idolatria; ao mesmo tempo, porém, desdenha, ou, na melhor das hipóteses, não toma conhecimento da espiritualidade sem fetiche e sem ídolo.

Em lugar de ídolos grotescos na base e da Divindade imanente e transcendente no topo, ela institui como objetos de admiração, fé e adoração, um panteão de idéias e ideais estritamente humanos, ainda que “teológicos”.

No meio cristão há muitos ídolos. A Bibliolatria é a mais forte e aceita forma de culto ao ídolo de papel. Mas há também o culto às doutrinas, aos conceitos teológicos, aos credos, e às personalidades carismáticas. Sem falar que a “igreja”, como mera instituição, também é uma divindade cristã.

Nos círculos acadêmico-teológicos e entre os que se jactam de uma educação superior, há poucos fetichistas e poucos devotos contemplativos, mas há os devotos entusiastas de alguma forma de idolatria teológica, doutrinária, política ou social. Esses são extremamente comuns entre nós.

As numerosas variedades de idolatria sofisticada e superior classificam-se em três categorias principais: a tecnológica, a política, e a moral ou religiosa. A idolatria tecnológica é a mais ingênua e primitiva das três, pois os respectivos devotos, como os da idolatria inferior (a primitiva, dos ídolos de pau e pedra), acreditam que sua redenção e libertação dependem de objetos materiais — nesse caso, aparelhos mecânicos. A idolatria tecnológica é a religião cujas doutrinas são promulgadas, explícita ou implicitamente, nas páginas de propaganda dos nossos jornais e revistas — a fonte, ajuntemos entre parênteses, da qual milhões de homens, mulheres e crianças nos países capitalistas extraem sua filosofia prática de vida.

Pouco menos ingênuos são os idólatras-políticos, que substituíram o culto dos aparelhos mecânicos redentores pelo culto das associações sociais e econômicas redentoras. Imponha-se o tipo certo de organização aos seres humanos, e todos os seus problemas, desde o pecado e a infelicidade, até o nacionalismo e a guerra, desaparecerão automaticamente. A maioria dos idólatras políticos é também formada de idólatras tecnológicos — apesar do fato de que essas duas pseudo-religiões são finalmente incompatíveis, visto que o progresso tecnológico, no ritmo presente, torna obsoleto qualquer plano político, por engenhoso que seja, num período não de gerações, mas de anos e, às vezes, até de meses. Além disso, o ser humano é uma criatura infelizmente dotada de quase-livre-arbítrio, e se, por uma razão qualquer, os indivíduos houverem por bem não fazer algo funcionar, nem a melhor das organizações produzirá os resultados que se pretendiam.

Já os idólatras morais, religiosos e teológicos são realistas na medida em que percebem que os aparelhos mecânicos e as organizações não bastam para garantir o triunfo da virtude e o aumento da felicidade, e que os indivíduos que compõem as sociedade e utilizam as máquinas são os árbitro que finalmente determinam se haverá decência nas relações pessoais, ordem ou desordem na sociedade. Instrumentos materiais e de organização tornam-se indispensáveis, e um bom instrumento é preferível a um mau. Mas em mãos desatentas ou maldosas o instrumento mais perfeito será ou inútil ou um meio para o mal.

Os moralistas teológicos deixam de ser realistas e cometem idolatria na medida em que adoram não a Deus, mas aos próprios ideais éticos, na medida em que tratam a virtude como fim em si mesmo, e não como condição necessária ao autoconhecimento, à relação com o próximo, e à experiência do amor de Deus — conhecimento e amor sem os quais as reais virtudes nunca se tornam perfeitas nem mesmo socialmente efetivas.

O fanatismo é idolatria, e tem em si o mau moral da idolatria. Isto é, o fanático adora alguma coisa que é a criação do próprio desejo, e, desse modo, até sua devoção por ela não passa de uma devoção aparente, pois, na verdade consiste em obrigar as partes de sua natureza ou de sua mente que ele menos aprecia a oferecerem sacrifícios ao que ele mais aprecia.

O culto moral, segundo o meu modo de ver, é a idolatria — a apresentação de alguma idéia que tem mais afinidade com a nossa mente e a sua colocação no lugar de Cristo, o único que não pode ser transformado em ídolo e inspirar idolatria, porque reúne todas as idéias da perfeição e exibe-as em sua justa harmonia e combinação.

Ora, em minha própria mente, consoante a sua tendência natural — isto é, tomando minha mente em sua melhor condição —, a verdade e a justiça seriam os ídolos que eu seguiria; e seriam ídolos porque não forneceriam todo o alimento de que a mente precisa e, ao adorá-las, a reverência, a humildade e a ternura poderiam, provavelmente, ser esquecidas. Mas o próprio Cristo reúne, ao mesmo tempo, a verdade, a justiça e todas as outras qualidades também... A mentalidade tacanha tende para a maldade nas partes assim negligenciadas.

Como fragmento de análise psicológica isso é admirável. Seu único defeito é um defeito de omissão, pois deixa de tomar em consideração os influxos da ordem eterna na ordem temporal, denominados graça ou inspiração. A graça e a inspiração são outorgadas quando o ser humano abre mão da sua vontade própria e se entrega, momento a momento, pelo recolhimento constante e pelo constante desapego, à vontade de Deus.

Ora, assim como existem graças animais e espirituais, cuja fonte é Deus, existem pseudograças humanas — por exemplo, os aumentos de força e virtude que acompanham o auto-sacrifício a alguma forma de idolatria política ou moral.

Distinguir a graça verdadeira da falsa muitas vezes é difícil, mas à proporção que as circunstâncias revelam toda a extensão de suas conseqüências sobre a alma, torna-se possível a discriminação até para observadores que não possuam dons especiais de intro-visão.

Onde a graça é autenticamente “sobrenatural”, não se consegue a melhoria de um aspecto da personalidade total à custa da atrofia ou deterioração de outra parte.

A virtude acompanhada e aprimorada pelo amor e pelo conhecimento de Deus é algo muito diferente da “virtude dos escribas e fariseus”, a qual, para o Cristo, se incluía entre os piores males morais.

A dureza, o fanatismo, a descaridade e o orgulho espiritual — tais são os subprodutos comuns do auto-aperfeiçoamento estóico por intermédio do esforço pessoal, desassistido ou assistido apenas pelas pseudograças conferidas quando o indivíduo se consagra à obtenção de um fim que não é o seu verdadeiro fim, quando a meta não é Deus, mas tão-somente uma projeção ampliada de suas próprias idéias favoritas ou excelências morais.

A adoração idólatra de valores éticos em si mesmos e por si mesmos frustra seu próprio objeto — e frustra-o não somente porque falta um desenvolvimento de conjunto, mas também, e acima de tudo, porque até as formas mais elevadas da idolatria moral eclipsam Deus e, por conseguinte, privam o idólatra do conhecimento iluminador e libertador da Verdade de Jesus.

Grandes na Fé: John Hus


John Hus nasceu por volta do ano 1370, na Boêmia - região que, no mapa geopolítico mundial, é ocupada, hoje, pela República Tcheca, país do Leste Europeu. Em 1400, foi ordenado sacerdote e, desde o início de seu ministério, quando assumiu o púlpito da Capela de Belém, em Praga, tomou-se um estorvo, um incômodo para alguns de seus colegas. Pregava insistentemente contra os privilégios do clero, e defendia a necessidade urgente de uma reforma religiosa. A eloqüência de suas pregações fez com que, rapidamente, boa parte da população o seguisse.

A nobreza também se rendeu ao seu discurso reformista e, há muito tempo, tentava encontrar uma forma de limitar o poder eclesiástico. Calcula-se que, na época, metade do território nacional boêmio pertencia à Igreja Católica, enquanto à Coroa cabia apenas a sexta parte. No mesmo período, com o apoio das autoridades, Hus traduziu o Novo Testamento para a língua boêmia e tornou-se um simpatizante das obras de John Wycliff (1329-1384), um reformador inglês.

Impedido de pregar - Influenciado por algumas das doutrinas wiclifistas, Hus pregava, dentre outros pontos, a autoridade suprema da Bíblia e a predestinação - doutrinas negadas, até hoje, pela Igreja Católica. Era a época em que existiam três papas comandando a Igreja, e ninguém sabia ao certo quem era o legítimo. Feito reitor da Universidade de Praga, Hus apoiava Alexandre V, eleito no Concílio de Pisa. No entanto, o arcebispo local era fiel a um outro papa - Gregório XII - e, por causa da disputa política, o arcebispo fez com que Hus fosse impedido de pregar.

Hus - que significa ganso na língua boêmia - não obedeceu à proibição e, por isso, foi excomungado em 1411. Entretanto, seu pior ato de insubordinação, e o que gerou sua condenação à morte, foi a crítica feroz a uma atitude do terceiro papa, João XXIII. Em guerra contra o rei de Nápoles, aquele papa decidiu financiar o conflito com a venda de indulgências (remissão de pecados mediante pagamento à Igreja com determinada quantia em dinheiro). Os vendedores chegaram à Boêmia, tentando usar todo tipo de método para persuadir seus "fregueses". Hus, imediatamente, protestou e afirmou que só Deus poderia conceder indulgências e ninguém jamais poderia vender algo que procede somente de Deus.

Seu discurso movimentou o país e até passeatas de protesto foram organizadas. Hus foi excomungado pela segunda vez, e mudou-se de Praga para o Sul da Boêmia, a pedido do imperador. Ele permaneceu lá, até que, em 1414, ficou sabendo da realização do concílio da igreja católico-romana de Constança, na Alemanha. O evento, que contaria com a presença de vários reformadores de renome, prometia inaugurar uma nova era na vida da Igreja, pois seria decidido quem era o papa legítimo. Hus foi convidado a expor seu caso e aceitou comparecer. Poucos dias após sua chegada a Constança, foi convidado pelo Papa João XXIII para uma assembléia composta apenas de cardeais. Hus insistiu que estava ali para defender suas idéias diante do concílio e não em uma reunião tão restrita. Antes não tivesse ido.

O boêmio saiu daquela assembléia acusado de heresia e, a partir de então, passou a ser tratado como prisioneiro. Em junho de 1415, finalmente foi julgado pelo concilio. Por aquela época, João XXIII já fora deposto, mas isso não melhorou a situação de Hus. O concilio lhe atribuía uma série de heresias, as quais ele teria de admitir ser o autor. No entanto, em momento algum, a direção do concilio se dispôs a ouvi-lo sobre quais seriam, de fato, suas doutrinas. Hus, obviamente, recusou-se a retratar-se de doutrinas que não havia propagado e, assim, foi condenado à fogueira.

No dia 6 de julho, ele foi levado até a Catedral de Constança para ouvir um sermão sobre a teimosia dos hereges. Em seguida, teve seus cabelos cortados, uma cruz foi desenhada em sua cabeça, e recebeu uma coroa de papel decorada com desenhos de diabinhos. Mais uma vez, exigiram que Hus se retratasse, mas ele não voltou atrás. Atribui-se a Hus as seguintes palavras:

"Estou preparado para morrer na Verdade do Evangelho que ensinei e escrevi". Hus morreu cantando os Salmos, e sua morte deflagrou uma verdadeira revolução contra a Igreja na Boêmia.

Recentemente, o Papa João Paulo II reconheceu o erro de seus "infalíveis" antecessores. Em dezembro de 1999, o líder católico pediu desculpas - embora demasiadamente tardias - pela morte de Hus. Na ocasião, falando sobre o reformador tcheco em um simpósio internacional promovido pelo Vaticano, João Paulo II afirmou: "Hoje, às vésperas do Grande Jubileu, sinto a necessidade de expressar profundo arrependimento pela morte cruel infligida a John Hus e pelas conseqüentes marcas de conflito e divisão deixadas nas mentes e nos corações do povo boêmio".

Fonte: Revista Graça

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

HERMENÊUTICA: O QUE MAIS FALTA A JESUS?..





por Caio Fabio



Paulo nos diz que a letra mata [mesmo que seja letra da Escritura…]; que o exercício que tenta ver mágica de revelação na exegese, é tolice [prova disso é o modo como ele “usa” as Escrituras do Antigo Testamento]; que qualquer “interpretação” que não seja via Encarnação, ou seja: centrada exclusivamente em Jesus — é engano religioso que presume ler tudo o que foi dito como “interpretação correta”...



Como poucos [...] Paulo entendeu que o Evangelho era Jesus e que Jesus era o Evangelho; e que tudo o mais que tivesse havido e sido escrito antes, como “Escritura”, agora, depois de Jesus, depois da Encarnação, depois de Emanuel: Deus conosco — teria que ser submetido ao espírito de Jesus, ao espírito do Evangelho; pois, na Velha Aliança se poderia invocar a Deus para que mandasse fogo do céu para consumir os adversários, mas, em Jesus, a mesma idéia antiga de “poder espiritual”, fora completamente banida, repreendida e abominada por Ele, que, ante tal proposta de piedade perversa [que eu chamo de peidade...] feita por João, apenas respondeu com a seguinte afirmação: “Vós não sabeis de que espírito sois!...”



“Toda Escritura é inspirada por Deus e apta para o ensino, a correção e a educação na justiça” — dizia Paulo; embora, ao assim dizer, não transferisse para as Escrituras nada além do poder de testemunhar Jesus, no que [...] e se [...] ela desse testemunho de Jesus; posto que para os apóstolos [e João declara isso], “o testemunho de Jesus era o espírito de toda a profecia”; ou seja: a finalidade de toda a Palavra escrita [...] era ser apenas, agora, testemunho da verdade dos fatos do encontro entre a humanidade e Deus, e, depois, entre os hebreus e Deus, e, ainda depois, acerca de Israel como nação e Deus como o Senhor das nações; e, agora, em Jesus, era o testemunho que não se poderia entender antes de haver Encarnação; por isto, para Paulo, Jesus era a Chave Hermenêutica para a compreensão das Escrituras...



Assim, em Jesus, se tem a separação nas Escrituras de tudo quanto fosse circunstancial, passageiro, cultural, histórico, necessário ao tempo, de um lado, e, de outro lado, tem-se o que é permanente, o que é definitivo, o que é eterno, o que é Evangelho antes da manifestação histórica do Evangelho...



Depois de Jesus a Bíblia é a coletânea de livros nos quais se pode encontrar o testemunho histórico/profético acerca de Jesus, mas não se tem nada além disso...



Por exemplo, depois de Jesus a leitura se inverteu... Já não se lê as Escrituras em busca do Messias, mas, a partir do Messias se lê o todo das Escrituras; visto que, depois de Jesus, tudo quanto não seja Evangelho segundo o espírito de Jesus, ainda que esteja escrito na Bíblia, caiu [...], segundo Paulo e o escritor de Hebreus [...], em estado de obsolescência e caducidade...



Sim, Jesus é tudo; e quem não considere Jesus assim [...], ainda não entrou no reino do entendimento segundo Deus.



Este é um fato ante o qual não há barganhas a propor...



Ou é assim..., ou, então, ter-se-á tudo com a grife Jesus, mas de Jesus mesmo não se terá nada...



Há, todavia, aqueles que se escandalizam quando digo que Jesus é o Único Verbo, a Única Palavra Eterna; e que o mais... [a Bíblia toda], é testemunho humano, inspirado; sim, testemunho dessa esperança ou dessa fé, mas não é nada..., além disso...; visto que em Jesus, e não na Bíblia, é que estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento...



Sem tal visão tudo é idolatria...



Sim, a Bíblia vira ídolo, as Escrituras ficam maior que Jesus, e as doutrinas da “igreja” se tornam a “etiqueta comportamental de Deus”, conforme definida pelos homens...



Ou seja: porque deixou de ser assim é que herdamos a desgraça do “Cristianismo de Constantino”, que é o que se tem como “igreja” e “crença” em Jesus até hoje; mas que nada tem a ver com o Evangelho; posto que tudo tenha sido construído a partir da Bíblia como livro e dos “mestres” como decodificadores da revelação; e, em tal caso, Jesus tinha que se harmonizar com o todo da Escritura, e não a Escritura se harmonizar a Jesus [...].



Para os apóstolos, no entanto, se requeria a coragem de deixar de fora tudo quanto não coubesse mais [...] ante o avanço revelado da vontade de Deus encarnada em Jesus.



Esta é a coragem de ruptura que também se demanda de quem quer que queira tornar-se discípulo de Jesus, e de Jesus somente...



Você tem outra pretensão?...



Ora, nossa única pretensão deveria apenas ser o tornarmo-nos cartas vivas [...], evangelhos de carne e sangue [...], epistolas de reconciliação [...], escrituras feitas de inscrição no coração...



Sim, pois em Jesus, tanto como promessa feita pelos Profetas, como também mediante o Seu próprio Prometer aos Seus [todos] discípulos — está dito que todos os que Nele cressem seriam evangelhos andantes [...], cartas hebréias em sua mobilidade no caminho [...]; ao ponto de Paulo declarar que nosso chamado é para sermos cartas vivas, escritas pelo Espírito do Deus vivente; cartas essas vistas e lidas por todos os homens, mediante os nossos atos de amor, e nossa visão tomada pela mente de Cristo, que é o Evangelho.



Doutrina certa segundo Jesus é vida vivida em amor...



O que passar disso é Cristianismo, não Evangelho!



Pense nisso!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Bíblia e as questões raciais e sociais



Por Ariovaldo Ramos


“ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura” Marcos 16.15

“destarte não pode haver judeu nem grego nem escravo, nem liberto,
nem homem, nem mulher , porque todos vós sois um em Cristo Jesus”
Gálatas 3:28 “abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem , em ti serão benditas todas as famílias da terra”
Gênesis 12:3.

Quando lemos estes três textos, chegamos a conclusão de que a Bíblia
é absolutamente contrária a qualquer tipo de discriminação racial,
social ou de outra natureza. Estes três textos são universais o
suficiente para que qualquer possibilidade de discriminação, de
racismo ou segregação fique totalmente afastada da vida daqueles que
seguem a Bíblia, pois, superam as barreiras sociais, econômicas e
culturais, lingüísticas e sexuais.
Toda criatura é toda criatura. Ninguém pode ser vetado ao conhecimento
do evangelho, seja homem seja mulher; seja branco, seja preto, seja
amarelo, seja vermelho; seja culto, seja inculto; seja rico ou seja
pobre.
Gálatas 3.28 diz que, na igreja, não pode haver judeu nem grego, nem
homem nem mulher, nem rico nem pobre, nem culto nem inculto; a igreja
é, por excelência, um lugar de igualdade, todos são um.
Quando olhamos para o chamado de Abraão, percebemos o mesmo, o chamado
foi para que todas as famílias da terra fossem abençoadas – “em ti
serão benditas todas as famílias da terra” – ora, diante do exposto,
quem quer que se aproxime da Bíblia não poderá alegar nenhuma dúvida
sobre a visão de Deus em relação aos homens, todos são iguais, todos
têm direito, todos têm acesso a palavra, o chamado para o evangelho é
para todos e o objetivo de Deus é abençoar a todos indistintamente.
Penso, portanto, que poderiamos concluir dizendo que quem lê a Bíblia
não tem preconceito, porque a Bíblia não privilegia raças, ou sexo, ou
cultura, ou questão econômica, todos são iguais, todos têm acesso e
direito ao evangelho. A igreja é um lugar onde todos são bem vindos,
na igreja não há diferença nenhuma entre as pessoas, todas as pessoas
são tidas como parte do corpo de Cristo , todas foram batizadas no
mesmo Espírito e a todas foi dado beber do mesmo Espírito, e o
chamado de Deus, desde Abraão, é um chamado com visão universal .
Mas será que é mesmo assim, será que quem se aproxima da Bíblia está
isento de ser mordido pela serpente da segregação?
Se é assim, como se explica certos elementos da história dos cristãos?
Por exemplo, como os cristãos puderam ser escravocratas?
Como puderam pregar o evangelho aos escravos e mantê-los escravos?
Por que é que os cristãos incentivam e incentivaram guerras que
tinham como fundamento a questão racial ?
Como é que se explica tais elementos da história do Cristianismo, se a
Bíblia é absolutamente contrária a qualquer tipo de segregação?
Como explicar cristãos que privilegiam classes sociais; que pregam a
diferença entre os sexos do ponto de vista da autoridade e da
capacidade, principalmente, nas questões ministeriais?
Como é que se explica isso diante da Bíblia?
É interessante perceber que grande parte das batalhas que Jesus Cristo
travou, enquanto esteve aqui, foi com pessoas que liam e expunham a
Bíblia, e, justamente, no campo da segregação. Por exemplo: em Lucas
16, Jesus (a partir do versículo 20) conta a história de um certo
mendigo chamado Lázaro, fala de um homem rico que se vestia de púrpura
e linho finíssimo, e diz que ambos morreram. Lázaro foi para o seio de
Abraão e o rico, que se vestia de púrpura e linho finíssimo, que todos
os dias se regalava esplendidamente, foi para um lugar de tormento .
Por que esta história? Na cabeça daquele povo, que lia e expunha o
livro sagrado, o homem rico é o abençoado, se alguém, além de estar
no meio do povo de Deus, é rico, então é um homem abençoado; o
andrajoso, que jaz à sua porta, é um maldito, deve ter feito alguma
coisa contra Deus, ele ou a sua família, por isso, nas relações do
Israel de então, os ricos eram privilegiados, aliás, os profetas fazem
menção disso o tempo todo: de como os juizes e príncipes se deixam
corromper; de como os ricos tem privilégios e os pobres são relegados
ao segundo plano. O triste é que isso está acontecendo no povo de
Deus, que leu que em Abraão seriam benditas todas as famílias da
terra, o povo que recebeu a lei do jubileu, que diz que a cada 50 anos
as terras precisam ser devolvidas, os escravos precisam ser libertos,
as dívidas tem que ser perdoadas e a sociedade tem que recomeçar. É
este povo que privilegia os ricos. Jesus, então, conta esta história e
inverte-lhes a lógica, diz que o maldito aqui é o rico e o bem
aventurado é o andrajoso. Parafraseando: “o andrajoso, o miserável,
mendigo foi para o seio de Abraão; o rico, o “abençoado”, que vestia
púrpura e linho e que se regalava esplendidamente, foi para o lugar de
tormento”.
O que Jesus fez ao contar esta história? Ele foi de encontro a lógica
segregacionista, foi um choque para o povo e seus mestres. Qual o
tipo de segregação que Jesus Cristo estava atacando aqui? A
discriminação sócio-econômica que preconizava que os pobres são, por
inferência, malditos de Deus e os ricos, pela mesma ilação, benditos
de Deus, porque são abençoados, têm tudo, são gloriosos; os pobres, os
andrajosos, os mendigos, os despossuídos, os largados na beira da
estrada são uns miseráveis, não têm nada de Deus, não têm benção
nenhuma. Jesus está atacando um preconceito do povo que lia a Bíblia e
que sabia do chamado abrâmico e do jubileu; do resgate da viúva; da
proteção ao órfão; que tinha que deixar parte da colheita para os
pobres e para o estrangeiro. Como lhes foi possível desenvolver tal
discriminação?
Em Lucas 18 a partir do verso 10, outro tipo de preconceito é
denunciado. Jesus fala de dois homens que foram orar, um fariseu e
outro publicano, o fariseu colocando-se em pé, orava: “Oh Deus graças
te dou porque não sou como os demais homens , roubadores, injustos e
adúlteros nem ainda como este publicano: jejuo 2 vezes por semana e
dou o dízimo de tudo que ganho”. O publicano estando em pé, longe,
não ousava levantar os olhos ao céu mas batia no peito dizendo: “oh
Deus se propício a mim pecador” . E aí Jesus arremata: “digo-vos que
este desceu justificado para sua casa e não aquele , porque todo que
se exalta será humilhado mas o que se humilha será exaltado. Que
discriminação aparece aqui? Como a gente poderia chamá-la? – É,
paradoxalmente, a discriminação entre o nível de espiritualidade, um
tipo de segregação que tem a ver com as pessoas se diferenciarem entre
si baseados no quanto fazem ou não fazem para Deus. Faz lembrar a fala
de um personagem de Woody Allen, no filme “Desconstruindo Harry” que
afirma que a religião, apenas, nos leva a saber a quem odiar. É o que,
claramente, demonstra o orgulho do fariseu; inclusive, é interessante
a forma como Jesus Cristo descreve a tal oração: “O fariseu posto em
pé orava de si para si mesmo” – que triste! Pensar estar falando com o
Pai e estar falando de si para si mesmo. O fariseu não consegue olhar
para o publicano como um ser humano que, a exemplo dele, também,
depende de Deus. Não consegue vê-lo como igual: essa é a gênese do
preconceito . Preconceito é não conseguir se ver num outro ser humano
, é não conseguir olhar para o outro e ver nele um semelhante, alguém
com as mesmas carências, lutas, perguntas, buscas, indagações e
necessidades. O mais triste aqui é o preconceito sustentar-se na
relação com Deus. Como é que um sujeito que ama tanto a Deus, como se
auto-proclama o fariseu, pode tratar um outro ser humano dessa forma?
Veja, estamos falando de pessoas que lêem a Bíblia, o fariseu não só
lia como expunha a Bíblia, aliás, a bem da verdade, devemo-lhes muito,
pois, eles preservaram os manuscritos e as tradições com fidelidade.
Como é que, alguém que diz conhecer tanto Deus, que não é roubador nem
injusto ou adultero, ou seja, cumpre os mandamentos; que jejua duas
vezes por semana (quantos, dentre nós, jejuam duas vezes por semana?);
que dá o dízimo de tudo quanto ganha; pode tratar o publicano desse
jeito ? Que fé é essa que ao invés de fazê-lo ter misericórdia, o faz
desdenhar do publicano, que leitura da Bíblia é essa que ao invés de
fazê-lo interceder por aquela vida, o faz vê-lo como uma referencia
de maldade, gente com quem ele não quer se igualar, não quer conviver,
gente de quem ele não quer saber e que, segundo ele, Deus também não?
Que leitura da Bíblia esse camarada tem? Porque essa é a grande
pergunta quando nos deparamos com as questões do racismo da segregação
. Como alguém que lê a Bíblia pode ter algum sinal de segregação? Mas
no entanto, estamos vendo que Jesus travou muitas brigas com os
partidos da época e, boa parte dessas brigas, foram travadas atacando
os preconceitos vigentes naquela sociedade que lia a Bíblia.
Em Lucas 10, Jesus conta que um homem estava descendo para
Jericó, foi assaltado e deixado inconsciente, semimorto e que, por
ali, passou um levita e um sacerdote, ambos se afastaram do homem
porque ele estava semimorto, ou seja, como não sabiam se, de fato, o
homem estava morto ou não, e, como tocar num homem morto os tornava
imundos, impossibilitados de exercerem os ofícios religiosos, então,
preferiram não arriscar, não foram verificar, passaram ao lado, não
quiseram correr o risco – interessante notar que nenhum dos dois
estava indo para Jerusalém, onde oficiavam, mas para Jericó, logo não
estavam diante da pressão do sacerdócio. Lá está um homem jogado no
chão, semimorto, se eles tivessem se aproximado, teriam-no percebido
vivo, mas não quiseram arriscar-se. Que fé é esta que, ao invés de
optar por lutar pelo que resta de vida em alguém, arrisca sentenciá-lo
à morte para preservar-se, de modo a poder oficiar ao Deus da vida?
Não tem alguma coisa errada aqui?
Eles são sacerdotes do Deus altíssimo. O Deus altíssimo é o Deus da
vida, doador e sustentador da vida, eles passam por um homem, não
sabem se ele está morto ou não, se ele estiver morto eles não podem
tocá-lo porque vão ficar inadequados para o ofício , mas e se ele
estiver vivo? E se tudo o que ele está precisando é de alguém que se
aproxime dele? Qual é o valor máximo dessa fé? É o resguardar-se para
um determinado ofício ou um arriscar-se em favor da vida? Eles
optaram por resguardar-se para um determinado ofício, iam deixando o
homem morrer! Ainda bem que passou um samaritano, porque este não lê a
Bíblia como eles lêem, não acredita do jeito que eles acreditam, não
pensa como eles pensam, nem tem medo de correr riscos em favor da
vida.
Os samaritanos eram considerados como uma sub-raça, fruto de uma
miscigenação provocada pelos assírios. Os judeus, preconceituosamente,
os repudiavam, e Jesus evoca justo um elemento “sub-raça”, para
ensinar aos seus ouvintes o que significa o termo “o próximo”, esta
era a pergunta que o fariseu havia lhe feito: “quem é o meu próximo?”
E a ironia...depois de contar a história, Jesus pergunta de maneira
que obrigava o fariseu a pronunciar a palavra samaritano. Pergunta:
“Quem na sua opinião foi o próximo deste que estava à morte?” E a
resposta natural seria: o samaritano, mas um fariseu jamais diria
isso. Então, respondeu: “aquele que lhe fez bem” - Olha o nível do
preconceito: ele jamais creditaria a um samaritano alguma coisa boa,
nem que fosse, apenas, numa história hipotética, à sua resposta Jesus
arremata e diz – “vá tu e faça o mesmo”.
Agora, como o povo mantenedor do pacto que assegura que em Abrão
serão benditas todas as famílias da terra, pode ter preconceito
racial?
João 4, verso 27: Jesus está em Sicar falando com uma mulher
samaritana e os discípulos chegam: “neste ponto chegaram seus
discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher,
todavia, nenhum lhe disse que perguntas ou porque falas com ela?”
Ainda bem que Jesus era o tipo de pessoa que, antes de questioná-lo, o
sujeito tinha que pensar dez vezes, senão, os discípulos,
provavelmente, iriam cair na alma Dele: “Como é que o Senhor, um
judeu um rabi, está falando com uma samaritana, uma mulher? Além de
tudo mulher e mulher com problema na vida, senão não estaria aqui na
hora do almoço”. - O preconceito aqui é duplo; é racial e sexual . É
uma mulher! Um rabi não pode ficar se dirigindo a mulheres. Como um
povo que lê a Bíblia chegou a isso? Como um povo que teve juízas, que
foi salvo do genocídio pela rainha Ester, chegou a isso? O povo que
preservou as escrituras, que recebeu as revelações, que celebrou o
pacto no Sinai; tornou-se preconceituoso.
João 9, versos 2 e 3: Jesus estava caminhando e viu um cego de
nascença, ao que os seus discípulos perguntaram: “mestre quem pecou,
este ou os seus pais para que nascesse cego?” - respondeu Jesus “nem
ele pecou , nem seus pais, mas foi para que se manifeste nele as obras
de Deus”. Veja a crueldade que está presente nesta pergunta. Um
sujeito que nascesse estropiado, naquele tempo, estava condenado
mesmo; na cabeça daquele povo é um maldito de Deus, ele ou os seus
pais pecaram e ele está pagando por seus pecados, pensavam. Deve
alguém envolver-se nisso? Não; é um problema entre ele e Deus; está
pagando pelos seus pecados. Deveria alguém correr para ajudar o
sujeito? Ajudar como? Ele está contra Deus e Deus está contra ele.
Percebe a crueldade embutida na pergunta: Quem foi que pecou Senhor?
O camarada é cego de nascença; está numa situação tão desoladora que
não esboça a menor reação à passagem de Jesus passa; não é como
Bartimeu, que pergunta e clama até ser atendido. Este não esboça
relação alguma: a multidão passando por ele e nem ao menos pergunta
“Por que tanta gente?” Parece estar imbuído da mesma crença de seu
povo: “eu sou um cego de nascença, logo eu ou meus pais pecamos, não
há saída para mim; não adianta ser Jesus, ninguém pode fazer nada por
mim” - Jesus pensava de modo diferente: ataca o preconceito daquele
povo, primeiro, corrige os seus discípulos quando diz : “ninguém
pecou, isto aconteceu para a glória de Deus, para que se manifeste a
glória , a obra de Deus”.
Mas como é que um sujeito, na beira da calçada, cego de nascença,
pode servir para a glória de Deus? O ALTÍSSIMO vê no sofrimento
humano, resultado da queda da raça, não um merecido castigo, mas, uma
oportunidade de revelar o seu amor por aqueles que criou à sua imagem
e semelhança. E, aí, Jesus o vê, e faz uma coisa inusitada, ao invés
de, simplesmente, ordenar: “vê”; cospe no chão, faz um lodo com a sua
saliva e passa no rosto do camarada. Que absurdo! O sujeito já está
destruído, arrebentado, desesperado, Jesus vai e suja o seu rosto com
lodo feito com sua própria saliva! Parece um ato de sadismo. E,
depois, diz: “vá se lavar no tanque de Siloé”. - Não pode ser um
tanque mais perto? Não pode ser qualquer água? Não, tem que ser na
água de Siloé , Siloé significa o enviado , vá se lavar lá . E ele se
levanta e vai. E quando se levanta e vai, Jesus tinha operado a
primeira cura; pois ele precisava ser curado de duas coisas: primeiro,
do peso do preconceito do seu povo que o tinha deixado atado naquele
lugar, tinha que acreditar que havia esperança para ele; tinha de
reagir ao seu sofrimento. E, Jesus, de um modo extremamente criativo
o faz reagir, suja-lhe o rosto e o exorta a limpar-se no tanque do
Messias, do libertador. Quando ele se levanta a primeira cura é
operada; quando se lava, opera-se a segunda. A primeira cura o faz
reagir ao sofrimento, ao peso do preconceito, ao peso de uma teologia
absurda que o condenava a ser um apático no meio do caminho,
esperando a morte chegar. Isso nos faz pensar sobre a Bíblia e as
interrelações humanas, a questão da discriminação, do preconceito: por
detrás do preconceito tem sempre uma teologia. Por que é que gente que
lê a Bíblia tem preconceito sócio-econômico, como Jesus atacou na
história do Lázaro e do rico? Ou sócio-religioso como denunciado na
história da oração do fariseu e o do publicano? Ou raciais, como no
caso da história do samaritano? Ou sexuais como com a mulher
samaritana? Por que gente que lê a Bíblia tem, quando vê um desgraçado
no meio do caminho, o tipo de inferência que pergunta: quem foi que
pecou para que ele esteja assim? Lamentavelmente, por detrás de cada
preconceito tem sempre uma teologia.
Como se explica cristãos escravocratas, e, mais, que evangelizam os
que mantêm como escravos? Tem que ter uma teologia por de trás disso.
Tem de ter uma forma de encarar Deus. Tem de ter uma forma de encarar
as relações humanas. Sem uma teologia o indivíduo ficaria louco; seria
absolutamente incoerente. Muitos daqueles donos de escravos, que
evangelizaram seus escravos, acreditavam em Deus. Eles criam em Jesus
cristo, nas Escrituras , e criam que seus escravos precisavam se
converter. Como eles conseguiram? Há uma teologia por detrás disso.
Assim como havia uma teologia que fazia, o povo de então, crer que
o rico e não Lázaro é quem ia para o seio de Abrão. Jesus inverte a
lógica: Lázaro foi para o seio de Abrão, o rico. para um lugar de
tormento. Há uma teologia, quando o Senhor diz para o menino rico:
“escuta, vá venda tudo o que você tem dá aos pobres e depois vem e
segue-me” - e os discípulos ficam surpresos, obrigando Jesus a
dizer: “é mais fácil o camelo passar no fundo da agulha do que um
rico entrar no reino dos céus “ - E qual é a pergunta dos discípulos?
“Senhor então quem é que pode ser salvo?” - Que teologia que está
por detrás dessa pergunta? A teologia de que o rico é abençoado e se
é abençoado, já está no reino. Tem uma teologia por detrás de cada ato
de segregação. Tem uma teologia por detrás de cada ato de
discriminação. Tem uma propositura acerca de como Deus se relaciona
com os homens, de como Deus se relaciona mais com uns e menos com
outros. Nota isso em todos os lugares: nos púlpitos das nossa igrejas;
nas nações que vão sendo abençoadas por Deus. Houve um tempo que os
ingleses acharam que eram o novo Israel, depois os americanos, depois,
os coreanos começaram a achar que o eram,e, agora, nós, os
brasileiros, porque, afinal de contas, o celeiro de missões somos nós,
a bandeira está na nossa mão, nós temos mais jogo de cintura cultural,
que todos os outros. A benção de Deus está é com a gente . Que
teologia permite-nos comportamento e afirmações absurdas, uma vez que
a Bíblia é radicalmente contra qualquer tipo de discriminação e
segregação.
Todos nós corremos este risco, quando desenvolvemos uma teologia que
privilegia sinais externos, como a teologia da prosperidade. Qualquer
teologia que privilegie sinais externos da manifestação de Deus, como
marca de benção e de privilégio, vai gerar algum nível de segregação
e discriminação. Teologias assim, jamais podem admitir um Lázaro no
seio de Abraão. Sào teologias que nascem de leituras bíblicas feitad
a partir do princípio da Torre de Babel, que não se livram do conceito
de raça, de nação, de diferença. O evento da Torre de Babel
desencadeou uma maldição divina sobre nós, porque nos rebelamos
contra Deus uma segunda vez, de modo, novamente, aviltante. Ele tinha
preservado a raça humana a partir de Noé e, mais uma vez, o homem se
rebela. Todos fomos contaminados por esse virus. Essa divisão é tão
visceral que, recentemente, assistimos, pela TV, a uma guerra absurda
que teve como fundamento e base a questão racial e religiosa, mais
nada. Por que os sérvios fizeram o que fizeram em Kosovo? Por que
Tutsis e os Hutus, em Ruanda, não conseguem se entender? Por que os
Chosa e os Zulus, na África do Sul, não conseguem se acertar? É só a
Torre de Babel. Precisamos nos dar conta de que a teologia só será
libertadora, unificadora, se partir de leitura que expurgue os efeitos
da Torre de Babel; caso contrário teremos segregação, porque, mais
cedo ou mais tarde, ao invés de estarmos lendo a Bíblia contra nós,
estaremos lendo a Bíblia a nosso favor, a favor do nosso clã, da
nossa raça, do nosso povo. Passamos a fazer leituras seletivas.
Atos 10:13 e 20:35: o Senhor visita a Pedro; o Espírito Santo vai
prepará-lo para fazer missão. Estamos falando de alguém que ouviu
Jesus Cristo dizer: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda a
criatura”. Que problema o Espírito Santo está tendo com ele? O
Espírito Santo mandou um anjo visitar o Cornélio e dizer-lhe: “Vá na
casa do curtidor chamar a um certo Simão, para que lhe diga o que você
precisa ouvir: suas esmolas , sua caridade chegaram à presença de
Deus e há algo que você precisa saber.” Cornélio manda seus
subordinados buscarem Pedro e, então, o Espírito Santo começa um outro
trabalho: o de preparar Pedro. Mas prepará-lo por que, se ele ouviu
que era para pregar o evangelho a toda criatura? O Senhor dá-lhe uma
visão: animais, cuja carne era proibida, pela lei, de ser usada como
alimento; e o Senhor lhe diz: “Mata e come” - “De jeito nenhum Senhor”
responde Pedro. Deve ter sido a primeira vez que a palavra “Senhor”
foi usada como pronome tratamento, apenas. Como ele conseguiu dizer
de jeito nenhum e, ainda, chamar o Espírito Santo de Senhor? Que
leitura ele faz das escrituras que lhe permite, conscientemente, numa
experiência com o Senhor, dizer-lhe não? “Não chame de comum ou imundo
aquilo que eu abençoei” retruca o Senhor. Chegam, então, os meninos
enviados por Cornélio e o Senhor ordena: “Vá, não duvide, porque foi
eu que os enviei”. E ele vai. Que preparo para que Pedro fizesse o
que sabia que tinha de fazer! Eis a força do efeito Babel em nós.
Quando chega na casa de Cornélio. Veja que jeito de entrar na casa de
alguém que o convida com pompa e circunstância: Vocês sabem que não é
lícito para um Judeu entrar na casa de um gentio, ou seja, você não
sabe que não me é permitido entrar na casa de um cão como você, mas eu
sei que Deus não faz acepção de pessoas (verso 28). Sabe nada! Porque
se soubesse não dizia isso para o homem. Em que lugar das escrituras
está dito que não é permitido um judeu entrar na casa de um gentio?
Em lugar algum. É a tradição dos anciãos, como os judeus não podiam
comer os alimentos que os gentios comiam, para que não caíssem na
tentação de, em visitando um gentio, comer dos alimentos que comiam e
que lhes era proibido, os anciãos estabeleceram: “é proibido ir na
casa de um gentio”. E Pedro, então, só vai porque o Espírito Santo o
intima e, só os batiza, porque, antes de terminar a mensagem, de
fazer o apelo, o Espírito Santo vem e os batiza, como no pentecostes.
Que mais Pedro poderia fazer? Parece-me, portanto, que a maior questão
que o Espírito Santo teve que enfrentar foi o preconceito de Pedro.
Como alguém que andou com Jesus pode ser preconceituoso? Como aquele
que recebeu a chaves do reino pode ser preconceituoso? Como quem viu
Jesus abençoar a mulher samaritana como os que, com ela, vieram pode
ser preconceituoso? Como quem viu Jesus receber e tratar as mulheres
com igualdade, pode ser preconceituoso? Mas ele era. Por causa da
forma como ele lia as Escrituras. Quando não se lê sob a perspectiva
da universalidade de Deus, fica complicado. Agora, é possível ler a
Bíblia sem esta perspectiva? É, Amós 9:7 no-lo diz. Amós trazia a
mensagem de Deus e o povo o contradizia, afirmando que o Senhor não os
tiraria com mão forte do Egito, para condená-los ao cativeiro
novamente. Contra esse argumento, Deus manda Amós dizer ao povo: “
não sois vós para mim, ó filhos de Israel, como o filho do Etíope?
Eu fiz isso com os filisteus, também, eu os fiz subir de Caftor para
onde eles estão, mas não o fiz só com os Filisteus, fiz com os Sírios,
também, eu os trouxe desde Quir até onde eles estão, eu não fiz isso
só com Israel. – Mas justo os Sírios e os Filisteus que são inimigos?
É como se Deus estivesse dizendo, através de Amós: “ pra mim entre
vocês e os etíopes não tem diferença nenhuma, vocês não entenderam o
seu chamado; que era para que todas as famílias da terra fossem
abençoadas”
Quando se perde a visão missionária – a visão da perspectiva universal
de Deus, a leitura bíblica corre o risco de tornar-se segregacionista.
Quando se perde a visão do propósito divino de atingir todas as
etnias, todas as famílias da terra a leitura da Bíblia tende a ser
discriminatória. Isso é o que Deus está comunicando através de seu
profeta, Israel havia perdido a consciência de quem era e de qual era
a sua missão.
Apocalipse 5:9-10 é um texto que todo mundo gosta, pois, diz que
reinaremos sobre a terra: “Digno és de tomar o livro e de abrir e de
abrir-lhe os selos porque foste morto e com teu sangue compraste para
Deus os que procedem de toda a tribo língua povo e nação e para
nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes e reinarão sobre a
terra” – Então somos os que reinam sobre a terra? Ora, então, tudo tem
de ser nosso mesmo. O texto diz reino e sacerdotes, e reinarão sobre
a terra. – Como é que sacerdotes reinam? Sacerdotes reinam de
joelhos, reinam porque intercedem pela terra, porque intercedem pelos
povos; nós não reinaríamos sobre a terra porque tudo seria nosso, em
termos de posse, mas porque nós seríamos para o bem de todos, porque
sacerdotes reinam de joelhos. Temos pensado nesta categoria ou na
categoria do venha a nós? Sacerdote não tem direito ao cetro
imperial... sacerdote reina de joelhos irmãos... sacerdote reina
intercedendo, clamando, levando as demandas de Deus aos povos e se
oferecendo a Deus para ser sua resposta às demandas do povo. Missão
é uma moeda de duas faces, de um lado somos aqueles que levamos aos
povos as demandas de Deus, de outro, somos os que se oferecem a Deus
como instrumentos para que Ele possa atender as demandas do povo.
Porque o povo clama por justiça, por saúde, por alimento, por carinho,
por verdade, por modelos de vida comunitária. Sacerdotes reinam de
joelhos e de mangas arregaçadas para o trabalho, olhando o bem do
próximo, clamando e se entregando a Deus por todos os povos. Quando a
gente não lê a Bíblia com visão missionária a nossa leitura vai se
tornando segregacionista, assim como a teologia decorrente. A visão
missionária iguala todos os homens. Israel perdeu a visão de que era
uma nação para os outros povos, uma nação sacerdotal. Perdeu a visão
de que era uma nação que só existia porque Deus queria salvar o mundo.
E sabe o que é lamentável nisso tudo? É que nós, cristãos, se ainda
não perdemos esta visão, estamos próximos, porque a nossa visão não
tem sido de sacrifício, de entrega, de busca da vontade de Deus, de
levar a palavra de Deus, mas, de ser abençoado. Nossa teologia tem se
sustentado em sinais visíveis de benção, como o enriquecimento. É
complicado quando um cristão diz que: “eu não posso admitir que passe
necessidades porque eu sou filho de Deus”. Bom... então você não
pode jamais ser um missionário, porque você não admite passar
necessidades. Mas ser cristão é ser missionário. Então você não pode
ser cristão. Porque ser cristão é ser exposto a morte todos os dias
por amor de seu nome, disse o apóstolo em Romanos 8: “somos levados
a essa situação de morte, todos os dias por amor de seu nome”, mas
nada pode nos separar do amor de Cristo. Somos ovelhas ao matadouro,
foi o que o apóstolo disse. Nós estamos carregando o que resta do
sofrimento de Cristo, estamos nos oferecendo para que centenas,
milhares, bilhões de pessoas sejam salvas, por que sabemos o que está
acontecendo no mundo, que tudo isso é passageiro, que vem aí o reino
de Deus na sua plenitude, que vem o juízo sobre todos os homens.
Então, nos entregamos para que todos os homens possam ouvir essa
palavra; sabemos o segredo, que ninguém mais precisa ser escravo do
diabo, ser prisioneiro do inferno. Reputamos como perda todas as
coisas pela excelência do conhecimento de Jesus Cristo e do seu
projeto. Se se perde esta perspectiva, a leitura da Bíblia passa a ser
egoísta, e toda a leitura egoísta é, necessariamente,
discriminatória, por colocar o leitor numa situação de privilégio em
relação aos outros, onde não estará disposto a sofrer. Quem não está
pronto a enfrentar a realidade do sofrimento, também, não pode ser
instrumento de consolo. Como que alguém pleno do consolador não se
dispõe a consolar? Tem alguma coisa errada na teologia, a gente vai
perdendo a perspectiva de Deus; deixando de entender a visão universal
de Deus; sendo levado por nossas próprias ansiedades; transformando
Deus num Deus para nós. Tornamo-nos discriminadores, por nos crermos
melhores do que os outros uma vez que Deus é para nós. Isso é o
contrário do que Jesus Cristo disse em João 12:32: “E Eu quando for
levantado da terra trairei todos a mim mesmo” - É o contrario de
Babel, onde Deus dispersou todos, quebrando a pretensa união; em
Cristo Jesus, Deus chama todos à unidade, porém, em outro centro: não
mais o homem e sua glória, mas, Jesus Cristo. Entender o evangelho é
colocar-se na contramão de todo o preconceito. O evangelho é vida e o
preconceito é a marca da morte.
Concluindo, vejamos a passagem em que Jesus responde a João Batista.
Em Mateus 11, João Batista manda perguntar a Jesus: “És tu aquele que
estava para vir ou havemos de esperar outro?” - E Jesus respondendo
disse aos discípulos: “Ide e anunciai a João o que estás ouvindo e
vendo, os cegos vêem os cochos andam, os leprosos são purificados os
surdos ouvem e os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo
pregado o evangelho e bem aventurado é aquele que não achar em mim
motivo de tropeço ou bem aventurado é aquele que não se escandaliza de
mim ”
Interessante!!!!!
Se qualquer transeunte em Israel perguntasse: “É o senhor mesmo ou a
gente tem que esperar outro?” - Seria compreensível, mas João???? Foi
ele que disse ”eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” -
que disse : “eu vim por causa Dele”; “eu vi o céu se abrir, eu vi o
espírito pousar como pomba sobre a cabeça dele” – Parece-me que João
padecia do mesmo equívoco israelita sobre a teologia do reino. Israel
esperava por reino político, o Messias vem, subjuga todas as nações e
Judá reina. O que está acontecendo com João? Ele é um homem fiel a
Deus e, por isso, está preso. Certamente ele esperava que o Messias
viesse libertá-lo, porém, o Cristo está ocupado com outras
prioridades. Quando nossa teologia tem problema nossa visão de
Cristo fica distorcida, ou corre o risco de distorcer-se. “vão e falem
o que vocês estão vendo e ouvindo” –Estão vendo e ouvindo Jesus
devolver aos cegos as cores, aos coxos a agilidade, aos leprosos a
reintegração social, aos surdos os sons, aos mortos a vida, aos pobres
a dignidade. Jesus está revertendo os efeitos da queda. Esse é o
reino de Deus. Certamente, João estava lá angustiado, e quem não
estaria? Mas é interessante o que Jesus diz: “ Bem aventurado é
aquele que não se escandaliza de mim” – e é possível se escandalizar
de Jesus? Quando faz o que esperávamos que Ele não fizesse, a gente
se escandaliza. Quando não faz o que queríamos que Ele fizesse, a
gente se escandaliza. Você nunca encontrou um irmão que diz: “Deus não
ouve mais as minhas orações!” - Ele está escandalizado com Deus porque
Ele não pode ser manipulado e, portanto, não respondeu suas orações do
jeito como gostaria que as coisas acontecessem. Mas Deus é Deus!!
Soberano na história, soberano no universo, não pode ser manipulado.
Deus não é para nós, nós somos para Deus. Deus é por nós, mas não é
para nós. Se a gente não tem esta visão de que Deus tem um propósito,
de que nós estamos em meio à história da salvação, que a prioridade é
“buscar e salvar o que se havia perdido”; destruir as obras do diabo;
anunciar a todas as raças, línguas, tribos e nações; buscar os
despossuidos; reverter os efeitos da queda. Se a gente não tiver essa
visão, nossa leitura da Bíblia esta condenada a ser uma leitura
preconceituosa, mesmo que o nosso preconceito se atenha apenas e tão
somente a nós, o que, talvez, seja até pior. Quem não cruzou com
irmãos superespirituais, que não ouvem mais ninguém porque Deus é
com ele e não precisa de mais ninguém? Já vi irmão dizer: “se Deus
quiser dizer-me algo que venha falar comigo“ – Dá vontade de
perguntar, você é especial a esse ponto, que Deus tem que falar
diretamente com você senão você não prestará atenção? As escrituras
não bastam? As palavras de exortação não bastam? Isso é arrogância, a
fonte de toda a discriminação.
Então, o que é que Bíblia tem a ver com segregação, com preconceito
racial e social? Nada e tudo; depende de como você a lê. Se você a
ler sob a perspectiva de que Deus tem uma visão universal, está
desenvolvendo a história da salvação, buscando o que se havia perdido,
com uma mensagem que é para todos em todos os lugares,
indiscriminadamente; e de que nosso maior privilégio é nos engajarmos
nessa visão e em sua obra. Se você tem essa visão, sua leitura da
Bíblia vai libertá-lo dos efeitos da Torre de Babel e vai torná-lo
um produtivo servo do Senhor, não por quantas pessoas você pode vir
ou não a ganhar para Cristo, porque isso é problema do Espírito Santo
e não seu, mas, pelo quanto você vai espalhar esta notícia em todos
os lugares onde você estiver, e pelo quanto você vai tratar todos
os homens com o mesmo amor que recebeu de Deus. Fará de você um
instrumento de libertação para muitos outros. Mas se a leitura
basear-se no principio da Torre de Babel, gerará teologia
preconceituosa, porque é o princípio de alguém que se acha especial.
O grande antídoto para o preconceito, para o racismo, para qualquer
tipo de discriminação, é a visão missionária. Quando a gente olha o
mundo como Deus olha, quando vê as pessoas como Deus as vê, é liberto
dos efeitos da Torre de Babel, de discriminar qualquer ser humano, e
ganha consciência sacerdotal; e sacerdotes reinam de joelhos.

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