sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Grandes na Fé: Charles Finney




Ao longo de todo seu ministério pela América, calcula-se que cerca de 500 mil pessoas aceitaram ao Senhor.


A Bíblia relata uma infinidade de situações usadas por Deus para manifestar Sua vontade e Sua presença. A conversão de um dos maiores pregadores avivalistas de todos os tempos, o americano Charles Grandison Finney (1792 -1875), não chega a ser "estarrecedora" se comparada, por exemplo, ao episódio narrado nas Escrituras, no qual Deus fez falar a mula de Balaão. No entanto, não se pode dizer que seja "natural" alguém entregar-se a Jesus após a leitura exaustiva de livros de Direito, contendo citações bíblicas. Foi exatamente isso que aconteceu com o então advogado Charles Finney. Daquele momento em diante, tudo em sua vida seria incomum. Conta-se que, após uma de suas pregações em Governeur, no estado de Nova Iorque, não houve baile ou representações teatrais por quase seis anos, tamanha a força das palavras proferidas pelo chamado apóstolo do avivamento. Ao longo de todo seu ministério pela América, calcula-se que cerca de 500 mil pessoas aceitaram ao Senhor.

História - Finney nasceu em Warren, estado de Connecticut, no dia 29 de agosto de 1792. Dois anos depois, sua família foi para a cidade de Hanover, em Nova Iorque. Seus pais não eram convertidos ao Evangelho, e a única imagem religiosa que tinha na adolescência era a de uma igreja conservadora e fria. Em 1821, após ler muitos livros de Direito, cujas leis eram fundamentadas na Bíblia, ele decidiu conhecer as Escrituras. Em uma tarde fria, Finney saiu para dar um passeio nos bosques. Lembrando-se dos exemplos do Livro Sagrado, procurou estar a sós com Deus. Ajoelhado em oração, Finney entregou-se a Jesus após travar uma batalha interior: Achei-me tomado por uma fraqueza e não consegui ficar em pé. Tive vergonha de que alguém me encontrasse ali, de joelhos, e logo em desespero percebi o que me impedia de entregar meu coração ao Senhor: meu orgulho. Fui vencido pela convicção do pecado. E me arrependi. Durante todo seu processo de aprendizado e mais tarde em seu ministério, Finney manteve os princípios que aprendeu nos anos em que esteve na advocacia.

Ele queria entender a profundidade dos problemas da. humanidade, usar sua fantástica oratória para falar de Jesus e estudar a Bíblia com uma visão racional e prática. Por causa disso, Finney teve dificuldades para compreender por que as bênçãos não chegavam ao povo de Deus: Ao ler a Bíblia, ao assistir as reuniões de oração, e ouvir os sermões do pregador,. percebi que não me achava pronto a entrar nos céus. Fiquei impressionado especialmente com o ato das orações dos cristãos, semana após semana, não serem respondidas. Li na Bíblia: Pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Li também, que Deus está mais pronto a dar o Espírito Santo aos que Lho pedirem, do que os pais terrestres a darem boas coisas aos filhos. Mas, ao ler mais a Bíblia, vi que as orações dos cristãos não eram respondidas porque não tinham fé, isto é, não esperavam que Deus lhes desse o que pediram. Entretanto, com isso senti um alívio a cerca da. veracidade do Evangelho, contou ele anos mais tarde em sua autobiografia.

Ministro do Evangelho - Em 1823, Finney se tornou ministro do Evangelho na Igreja Presbiteriana de Saint Lawrence, e iniciou, no ano seguinte, o processo conhecido nos livros de história como "o fogo dos nove anos", entre 1824 e 1832. Naquele período, ele administrou reuniões de reavivamento ao longo das chamadas cidades orientais: Gouverneur, Roma, Utica, Ruivo, Troy, Wilmington, Filadélfia, Boston e Nova Iorque. Durante as reuniões, advogados, médicos e homens de negócios se arrependiam de seus pecados e se entregavam a Jesus com lágrimas. Em Rochester, diz-se que o lugar foi estremecido até as suas fundações, e cerca de 1.200 pessoas converteram-se a Cristo. Boa parte delas tornou-se membro da Igreja Presbiteriana daquela cidade. Finney abriu o caminho para evangelistas de massa como Dwight L. Moody, Billy Sunday entre outros. Finney ficou viúvo duas vezes e teve três esposas. Casou-se com Lydia Raiz Andrews, com quem teve seis filhos. Ela morreu em 1847. Depois, casou-se com Elizabeth Ford Atkinson, que também faleceu, e, por último, Rebecca Allen Rayl. As três compartilharam do trabalho de reavivamento, acompanhando-o nas viagens e nos ministérios paralelos.

Obra teológica - Em 1832, Finney começou a pastorear uma igreja presbiteriana em Nova Iorque, ao mesmo tempo em que era evangelista em cidades mais distantes. Três anos depois, um comerciante de seda, rico e benfeitor, Arthur Tappan, ofereceu apoio financeiro ao recém fundado Instituto Colegial Oberlin naquela cidade, desde que Finney fosse convidado a montar um departamento teológico. Por influência do abolicionista Theodore Dwight Solda, o pregador aceitou o convite, mas com duas exigências: a de continuar pregando a Palavra de Deus em Nova Iorque e a de que a escola admitisse negros. Assim foi feito.

Mais tarde, o colégio passou a chamar-se Seminário Teológico Oberlin. Naquele estabelecimento, Finney foi professor de teologia sistemática e teologia pastoral. Durante os 40 anos em que atuou como evangelista, escreveu 17 livros, quatro deles impressos ate hoje. O mais significativo deles foi, sem dúvida, Teologia Sistemática,* considerado por muitos a maior obra sobre Teologia escrita após as Escrituras. Vítima de um problema cardíaco, o professor e apóstolo apaixonado por Jesus faleceu em l875.

OS ÍDOLOS SOFISTICADOS!


Por Caio Fábio

Para as pessoas cultas os tipos mais primitivos de idolatria deixaram de ser atraentes. Elas acham fácil resistir à tentação de acreditar que determinados objetos naturais são deuses, ou que certos símbolos e imagens são as próprias formas de entidades divinas e, como tais, devem ser adorados e propiciados mediante sacrifícios.

É verdade que muita superstição fetichista sobrevive ainda hoje, e o mundo evangélico brasileiro é o lugar onde elas, hoje em dia, mais crescem.

Como a bebida e a prostituição, as formas primitivas de idolatria são toleradas, mas não aprovadas pelas mentes “cultas”. O lugar desse tipo de idolatria na hierarquia acreditada de valores situa-se entre os mais baixos.

Como é diferente o caso das formas desenvolvidas e mais modernas de idolatria!

Essas formas mais sofisticadas e até cristãs lograram não apenas a sobrevivência, mas o mais alto grau de respeitabilidade. São recomendadas por homens de “intelecto” como substituto atualizado da religião supersticiosa e, por muitos mestres religiosos profissionais, equiparadas à adoração de Deus.

Tudo isso pode ser deplorável, mas não nos surpreende. A nossa educação desacredita as formas mais primitivas de idolatria; ao mesmo tempo, porém, desdenha, ou, na melhor das hipóteses, não toma conhecimento da espiritualidade sem fetiche e sem ídolo.

Em lugar de ídolos grotescos na base e da Divindade imanente e transcendente no topo, ela institui como objetos de admiração, fé e adoração, um panteão de idéias e ideais estritamente humanos, ainda que “teológicos”.

No meio cristão há muitos ídolos. A Bibliolatria é a mais forte e aceita forma de culto ao ídolo de papel. Mas há também o culto às doutrinas, aos conceitos teológicos, aos credos, e às personalidades carismáticas. Sem falar que a “igreja”, como mera instituição, também é uma divindade cristã.

Nos círculos acadêmico-teológicos e entre os que se jactam de uma educação superior, há poucos fetichistas e poucos devotos contemplativos, mas há os devotos entusiastas de alguma forma de idolatria teológica, doutrinária, política ou social. Esses são extremamente comuns entre nós.

As numerosas variedades de idolatria sofisticada e superior classificam-se em três categorias principais: a tecnológica, a política, e a moral ou religiosa. A idolatria tecnológica é a mais ingênua e primitiva das três, pois os respectivos devotos, como os da idolatria inferior (a primitiva, dos ídolos de pau e pedra), acreditam que sua redenção e libertação dependem de objetos materiais — nesse caso, aparelhos mecânicos. A idolatria tecnológica é a religião cujas doutrinas são promulgadas, explícita ou implicitamente, nas páginas de propaganda dos nossos jornais e revistas — a fonte, ajuntemos entre parênteses, da qual milhões de homens, mulheres e crianças nos países capitalistas extraem sua filosofia prática de vida.

Pouco menos ingênuos são os idólatras-políticos, que substituíram o culto dos aparelhos mecânicos redentores pelo culto das associações sociais e econômicas redentoras. Imponha-se o tipo certo de organização aos seres humanos, e todos os seus problemas, desde o pecado e a infelicidade, até o nacionalismo e a guerra, desaparecerão automaticamente. A maioria dos idólatras políticos é também formada de idólatras tecnológicos — apesar do fato de que essas duas pseudo-religiões são finalmente incompatíveis, visto que o progresso tecnológico, no ritmo presente, torna obsoleto qualquer plano político, por engenhoso que seja, num período não de gerações, mas de anos e, às vezes, até de meses. Além disso, o ser humano é uma criatura infelizmente dotada de quase-livre-arbítrio, e se, por uma razão qualquer, os indivíduos houverem por bem não fazer algo funcionar, nem a melhor das organizações produzirá os resultados que se pretendiam.

Já os idólatras morais, religiosos e teológicos são realistas na medida em que percebem que os aparelhos mecânicos e as organizações não bastam para garantir o triunfo da virtude e o aumento da felicidade, e que os indivíduos que compõem as sociedade e utilizam as máquinas são os árbitro que finalmente determinam se haverá decência nas relações pessoais, ordem ou desordem na sociedade. Instrumentos materiais e de organização tornam-se indispensáveis, e um bom instrumento é preferível a um mau. Mas em mãos desatentas ou maldosas o instrumento mais perfeito será ou inútil ou um meio para o mal.

Os moralistas teológicos deixam de ser realistas e cometem idolatria na medida em que adoram não a Deus, mas aos próprios ideais éticos, na medida em que tratam a virtude como fim em si mesmo, e não como condição necessária ao autoconhecimento, à relação com o próximo, e à experiência do amor de Deus — conhecimento e amor sem os quais as reais virtudes nunca se tornam perfeitas nem mesmo socialmente efetivas.

O fanatismo é idolatria, e tem em si o mau moral da idolatria. Isto é, o fanático adora alguma coisa que é a criação do próprio desejo, e, desse modo, até sua devoção por ela não passa de uma devoção aparente, pois, na verdade consiste em obrigar as partes de sua natureza ou de sua mente que ele menos aprecia a oferecerem sacrifícios ao que ele mais aprecia.

O culto moral, segundo o meu modo de ver, é a idolatria — a apresentação de alguma idéia que tem mais afinidade com a nossa mente e a sua colocação no lugar de Cristo, o único que não pode ser transformado em ídolo e inspirar idolatria, porque reúne todas as idéias da perfeição e exibe-as em sua justa harmonia e combinação.

Ora, em minha própria mente, consoante a sua tendência natural — isto é, tomando minha mente em sua melhor condição —, a verdade e a justiça seriam os ídolos que eu seguiria; e seriam ídolos porque não forneceriam todo o alimento de que a mente precisa e, ao adorá-las, a reverência, a humildade e a ternura poderiam, provavelmente, ser esquecidas. Mas o próprio Cristo reúne, ao mesmo tempo, a verdade, a justiça e todas as outras qualidades também... A mentalidade tacanha tende para a maldade nas partes assim negligenciadas.

Como fragmento de análise psicológica isso é admirável. Seu único defeito é um defeito de omissão, pois deixa de tomar em consideração os influxos da ordem eterna na ordem temporal, denominados graça ou inspiração. A graça e a inspiração são outorgadas quando o ser humano abre mão da sua vontade própria e se entrega, momento a momento, pelo recolhimento constante e pelo constante desapego, à vontade de Deus.

Ora, assim como existem graças animais e espirituais, cuja fonte é Deus, existem pseudograças humanas — por exemplo, os aumentos de força e virtude que acompanham o auto-sacrifício a alguma forma de idolatria política ou moral.

Distinguir a graça verdadeira da falsa muitas vezes é difícil, mas à proporção que as circunstâncias revelam toda a extensão de suas conseqüências sobre a alma, torna-se possível a discriminação até para observadores que não possuam dons especiais de intro-visão.

Onde a graça é autenticamente “sobrenatural”, não se consegue a melhoria de um aspecto da personalidade total à custa da atrofia ou deterioração de outra parte.

A virtude acompanhada e aprimorada pelo amor e pelo conhecimento de Deus é algo muito diferente da “virtude dos escribas e fariseus”, a qual, para o Cristo, se incluía entre os piores males morais.

A dureza, o fanatismo, a descaridade e o orgulho espiritual — tais são os subprodutos comuns do auto-aperfeiçoamento estóico por intermédio do esforço pessoal, desassistido ou assistido apenas pelas pseudograças conferidas quando o indivíduo se consagra à obtenção de um fim que não é o seu verdadeiro fim, quando a meta não é Deus, mas tão-somente uma projeção ampliada de suas próprias idéias favoritas ou excelências morais.

A adoração idólatra de valores éticos em si mesmos e por si mesmos frustra seu próprio objeto — e frustra-o não somente porque falta um desenvolvimento de conjunto, mas também, e acima de tudo, porque até as formas mais elevadas da idolatria moral eclipsam Deus e, por conseguinte, privam o idólatra do conhecimento iluminador e libertador da Verdade de Jesus.

Grandes na Fé: John Hus


John Hus nasceu por volta do ano 1370, na Boêmia - região que, no mapa geopolítico mundial, é ocupada, hoje, pela República Tcheca, país do Leste Europeu. Em 1400, foi ordenado sacerdote e, desde o início de seu ministério, quando assumiu o púlpito da Capela de Belém, em Praga, tomou-se um estorvo, um incômodo para alguns de seus colegas. Pregava insistentemente contra os privilégios do clero, e defendia a necessidade urgente de uma reforma religiosa. A eloqüência de suas pregações fez com que, rapidamente, boa parte da população o seguisse.

A nobreza também se rendeu ao seu discurso reformista e, há muito tempo, tentava encontrar uma forma de limitar o poder eclesiástico. Calcula-se que, na época, metade do território nacional boêmio pertencia à Igreja Católica, enquanto à Coroa cabia apenas a sexta parte. No mesmo período, com o apoio das autoridades, Hus traduziu o Novo Testamento para a língua boêmia e tornou-se um simpatizante das obras de John Wycliff (1329-1384), um reformador inglês.

Impedido de pregar - Influenciado por algumas das doutrinas wiclifistas, Hus pregava, dentre outros pontos, a autoridade suprema da Bíblia e a predestinação - doutrinas negadas, até hoje, pela Igreja Católica. Era a época em que existiam três papas comandando a Igreja, e ninguém sabia ao certo quem era o legítimo. Feito reitor da Universidade de Praga, Hus apoiava Alexandre V, eleito no Concílio de Pisa. No entanto, o arcebispo local era fiel a um outro papa - Gregório XII - e, por causa da disputa política, o arcebispo fez com que Hus fosse impedido de pregar.

Hus - que significa ganso na língua boêmia - não obedeceu à proibição e, por isso, foi excomungado em 1411. Entretanto, seu pior ato de insubordinação, e o que gerou sua condenação à morte, foi a crítica feroz a uma atitude do terceiro papa, João XXIII. Em guerra contra o rei de Nápoles, aquele papa decidiu financiar o conflito com a venda de indulgências (remissão de pecados mediante pagamento à Igreja com determinada quantia em dinheiro). Os vendedores chegaram à Boêmia, tentando usar todo tipo de método para persuadir seus "fregueses". Hus, imediatamente, protestou e afirmou que só Deus poderia conceder indulgências e ninguém jamais poderia vender algo que procede somente de Deus.

Seu discurso movimentou o país e até passeatas de protesto foram organizadas. Hus foi excomungado pela segunda vez, e mudou-se de Praga para o Sul da Boêmia, a pedido do imperador. Ele permaneceu lá, até que, em 1414, ficou sabendo da realização do concílio da igreja católico-romana de Constança, na Alemanha. O evento, que contaria com a presença de vários reformadores de renome, prometia inaugurar uma nova era na vida da Igreja, pois seria decidido quem era o papa legítimo. Hus foi convidado a expor seu caso e aceitou comparecer. Poucos dias após sua chegada a Constança, foi convidado pelo Papa João XXIII para uma assembléia composta apenas de cardeais. Hus insistiu que estava ali para defender suas idéias diante do concílio e não em uma reunião tão restrita. Antes não tivesse ido.

O boêmio saiu daquela assembléia acusado de heresia e, a partir de então, passou a ser tratado como prisioneiro. Em junho de 1415, finalmente foi julgado pelo concilio. Por aquela época, João XXIII já fora deposto, mas isso não melhorou a situação de Hus. O concilio lhe atribuía uma série de heresias, as quais ele teria de admitir ser o autor. No entanto, em momento algum, a direção do concilio se dispôs a ouvi-lo sobre quais seriam, de fato, suas doutrinas. Hus, obviamente, recusou-se a retratar-se de doutrinas que não havia propagado e, assim, foi condenado à fogueira.

No dia 6 de julho, ele foi levado até a Catedral de Constança para ouvir um sermão sobre a teimosia dos hereges. Em seguida, teve seus cabelos cortados, uma cruz foi desenhada em sua cabeça, e recebeu uma coroa de papel decorada com desenhos de diabinhos. Mais uma vez, exigiram que Hus se retratasse, mas ele não voltou atrás. Atribui-se a Hus as seguintes palavras:

"Estou preparado para morrer na Verdade do Evangelho que ensinei e escrevi". Hus morreu cantando os Salmos, e sua morte deflagrou uma verdadeira revolução contra a Igreja na Boêmia.

Recentemente, o Papa João Paulo II reconheceu o erro de seus "infalíveis" antecessores. Em dezembro de 1999, o líder católico pediu desculpas - embora demasiadamente tardias - pela morte de Hus. Na ocasião, falando sobre o reformador tcheco em um simpósio internacional promovido pelo Vaticano, João Paulo II afirmou: "Hoje, às vésperas do Grande Jubileu, sinto a necessidade de expressar profundo arrependimento pela morte cruel infligida a John Hus e pelas conseqüentes marcas de conflito e divisão deixadas nas mentes e nos corações do povo boêmio".

Fonte: Revista Graça

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

HERMENÊUTICA: O QUE MAIS FALTA A JESUS?..





por Caio Fabio



Paulo nos diz que a letra mata [mesmo que seja letra da Escritura…]; que o exercício que tenta ver mágica de revelação na exegese, é tolice [prova disso é o modo como ele “usa” as Escrituras do Antigo Testamento]; que qualquer “interpretação” que não seja via Encarnação, ou seja: centrada exclusivamente em Jesus — é engano religioso que presume ler tudo o que foi dito como “interpretação correta”...



Como poucos [...] Paulo entendeu que o Evangelho era Jesus e que Jesus era o Evangelho; e que tudo o mais que tivesse havido e sido escrito antes, como “Escritura”, agora, depois de Jesus, depois da Encarnação, depois de Emanuel: Deus conosco — teria que ser submetido ao espírito de Jesus, ao espírito do Evangelho; pois, na Velha Aliança se poderia invocar a Deus para que mandasse fogo do céu para consumir os adversários, mas, em Jesus, a mesma idéia antiga de “poder espiritual”, fora completamente banida, repreendida e abominada por Ele, que, ante tal proposta de piedade perversa [que eu chamo de peidade...] feita por João, apenas respondeu com a seguinte afirmação: “Vós não sabeis de que espírito sois!...”



“Toda Escritura é inspirada por Deus e apta para o ensino, a correção e a educação na justiça” — dizia Paulo; embora, ao assim dizer, não transferisse para as Escrituras nada além do poder de testemunhar Jesus, no que [...] e se [...] ela desse testemunho de Jesus; posto que para os apóstolos [e João declara isso], “o testemunho de Jesus era o espírito de toda a profecia”; ou seja: a finalidade de toda a Palavra escrita [...] era ser apenas, agora, testemunho da verdade dos fatos do encontro entre a humanidade e Deus, e, depois, entre os hebreus e Deus, e, ainda depois, acerca de Israel como nação e Deus como o Senhor das nações; e, agora, em Jesus, era o testemunho que não se poderia entender antes de haver Encarnação; por isto, para Paulo, Jesus era a Chave Hermenêutica para a compreensão das Escrituras...



Assim, em Jesus, se tem a separação nas Escrituras de tudo quanto fosse circunstancial, passageiro, cultural, histórico, necessário ao tempo, de um lado, e, de outro lado, tem-se o que é permanente, o que é definitivo, o que é eterno, o que é Evangelho antes da manifestação histórica do Evangelho...



Depois de Jesus a Bíblia é a coletânea de livros nos quais se pode encontrar o testemunho histórico/profético acerca de Jesus, mas não se tem nada além disso...



Por exemplo, depois de Jesus a leitura se inverteu... Já não se lê as Escrituras em busca do Messias, mas, a partir do Messias se lê o todo das Escrituras; visto que, depois de Jesus, tudo quanto não seja Evangelho segundo o espírito de Jesus, ainda que esteja escrito na Bíblia, caiu [...], segundo Paulo e o escritor de Hebreus [...], em estado de obsolescência e caducidade...



Sim, Jesus é tudo; e quem não considere Jesus assim [...], ainda não entrou no reino do entendimento segundo Deus.



Este é um fato ante o qual não há barganhas a propor...



Ou é assim..., ou, então, ter-se-á tudo com a grife Jesus, mas de Jesus mesmo não se terá nada...



Há, todavia, aqueles que se escandalizam quando digo que Jesus é o Único Verbo, a Única Palavra Eterna; e que o mais... [a Bíblia toda], é testemunho humano, inspirado; sim, testemunho dessa esperança ou dessa fé, mas não é nada..., além disso...; visto que em Jesus, e não na Bíblia, é que estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento...



Sem tal visão tudo é idolatria...



Sim, a Bíblia vira ídolo, as Escrituras ficam maior que Jesus, e as doutrinas da “igreja” se tornam a “etiqueta comportamental de Deus”, conforme definida pelos homens...



Ou seja: porque deixou de ser assim é que herdamos a desgraça do “Cristianismo de Constantino”, que é o que se tem como “igreja” e “crença” em Jesus até hoje; mas que nada tem a ver com o Evangelho; posto que tudo tenha sido construído a partir da Bíblia como livro e dos “mestres” como decodificadores da revelação; e, em tal caso, Jesus tinha que se harmonizar com o todo da Escritura, e não a Escritura se harmonizar a Jesus [...].



Para os apóstolos, no entanto, se requeria a coragem de deixar de fora tudo quanto não coubesse mais [...] ante o avanço revelado da vontade de Deus encarnada em Jesus.



Esta é a coragem de ruptura que também se demanda de quem quer que queira tornar-se discípulo de Jesus, e de Jesus somente...



Você tem outra pretensão?...



Ora, nossa única pretensão deveria apenas ser o tornarmo-nos cartas vivas [...], evangelhos de carne e sangue [...], epistolas de reconciliação [...], escrituras feitas de inscrição no coração...



Sim, pois em Jesus, tanto como promessa feita pelos Profetas, como também mediante o Seu próprio Prometer aos Seus [todos] discípulos — está dito que todos os que Nele cressem seriam evangelhos andantes [...], cartas hebréias em sua mobilidade no caminho [...]; ao ponto de Paulo declarar que nosso chamado é para sermos cartas vivas, escritas pelo Espírito do Deus vivente; cartas essas vistas e lidas por todos os homens, mediante os nossos atos de amor, e nossa visão tomada pela mente de Cristo, que é o Evangelho.



Doutrina certa segundo Jesus é vida vivida em amor...



O que passar disso é Cristianismo, não Evangelho!



Pense nisso!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Bíblia e as questões raciais e sociais



Por Ariovaldo Ramos


“ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura” Marcos 16.15

“destarte não pode haver judeu nem grego nem escravo, nem liberto,
nem homem, nem mulher , porque todos vós sois um em Cristo Jesus”
Gálatas 3:28 “abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem , em ti serão benditas todas as famílias da terra”
Gênesis 12:3.

Quando lemos estes três textos, chegamos a conclusão de que a Bíblia
é absolutamente contrária a qualquer tipo de discriminação racial,
social ou de outra natureza. Estes três textos são universais o
suficiente para que qualquer possibilidade de discriminação, de
racismo ou segregação fique totalmente afastada da vida daqueles que
seguem a Bíblia, pois, superam as barreiras sociais, econômicas e
culturais, lingüísticas e sexuais.
Toda criatura é toda criatura. Ninguém pode ser vetado ao conhecimento
do evangelho, seja homem seja mulher; seja branco, seja preto, seja
amarelo, seja vermelho; seja culto, seja inculto; seja rico ou seja
pobre.
Gálatas 3.28 diz que, na igreja, não pode haver judeu nem grego, nem
homem nem mulher, nem rico nem pobre, nem culto nem inculto; a igreja
é, por excelência, um lugar de igualdade, todos são um.
Quando olhamos para o chamado de Abraão, percebemos o mesmo, o chamado
foi para que todas as famílias da terra fossem abençoadas – “em ti
serão benditas todas as famílias da terra” – ora, diante do exposto,
quem quer que se aproxime da Bíblia não poderá alegar nenhuma dúvida
sobre a visão de Deus em relação aos homens, todos são iguais, todos
têm direito, todos têm acesso a palavra, o chamado para o evangelho é
para todos e o objetivo de Deus é abençoar a todos indistintamente.
Penso, portanto, que poderiamos concluir dizendo que quem lê a Bíblia
não tem preconceito, porque a Bíblia não privilegia raças, ou sexo, ou
cultura, ou questão econômica, todos são iguais, todos têm acesso e
direito ao evangelho. A igreja é um lugar onde todos são bem vindos,
na igreja não há diferença nenhuma entre as pessoas, todas as pessoas
são tidas como parte do corpo de Cristo , todas foram batizadas no
mesmo Espírito e a todas foi dado beber do mesmo Espírito, e o
chamado de Deus, desde Abraão, é um chamado com visão universal .
Mas será que é mesmo assim, será que quem se aproxima da Bíblia está
isento de ser mordido pela serpente da segregação?
Se é assim, como se explica certos elementos da história dos cristãos?
Por exemplo, como os cristãos puderam ser escravocratas?
Como puderam pregar o evangelho aos escravos e mantê-los escravos?
Por que é que os cristãos incentivam e incentivaram guerras que
tinham como fundamento a questão racial ?
Como é que se explica tais elementos da história do Cristianismo, se a
Bíblia é absolutamente contrária a qualquer tipo de segregação?
Como explicar cristãos que privilegiam classes sociais; que pregam a
diferença entre os sexos do ponto de vista da autoridade e da
capacidade, principalmente, nas questões ministeriais?
Como é que se explica isso diante da Bíblia?
É interessante perceber que grande parte das batalhas que Jesus Cristo
travou, enquanto esteve aqui, foi com pessoas que liam e expunham a
Bíblia, e, justamente, no campo da segregação. Por exemplo: em Lucas
16, Jesus (a partir do versículo 20) conta a história de um certo
mendigo chamado Lázaro, fala de um homem rico que se vestia de púrpura
e linho finíssimo, e diz que ambos morreram. Lázaro foi para o seio de
Abraão e o rico, que se vestia de púrpura e linho finíssimo, que todos
os dias se regalava esplendidamente, foi para um lugar de tormento .
Por que esta história? Na cabeça daquele povo, que lia e expunha o
livro sagrado, o homem rico é o abençoado, se alguém, além de estar
no meio do povo de Deus, é rico, então é um homem abençoado; o
andrajoso, que jaz à sua porta, é um maldito, deve ter feito alguma
coisa contra Deus, ele ou a sua família, por isso, nas relações do
Israel de então, os ricos eram privilegiados, aliás, os profetas fazem
menção disso o tempo todo: de como os juizes e príncipes se deixam
corromper; de como os ricos tem privilégios e os pobres são relegados
ao segundo plano. O triste é que isso está acontecendo no povo de
Deus, que leu que em Abraão seriam benditas todas as famílias da
terra, o povo que recebeu a lei do jubileu, que diz que a cada 50 anos
as terras precisam ser devolvidas, os escravos precisam ser libertos,
as dívidas tem que ser perdoadas e a sociedade tem que recomeçar. É
este povo que privilegia os ricos. Jesus, então, conta esta história e
inverte-lhes a lógica, diz que o maldito aqui é o rico e o bem
aventurado é o andrajoso. Parafraseando: “o andrajoso, o miserável,
mendigo foi para o seio de Abraão; o rico, o “abençoado”, que vestia
púrpura e linho e que se regalava esplendidamente, foi para o lugar de
tormento”.
O que Jesus fez ao contar esta história? Ele foi de encontro a lógica
segregacionista, foi um choque para o povo e seus mestres. Qual o
tipo de segregação que Jesus Cristo estava atacando aqui? A
discriminação sócio-econômica que preconizava que os pobres são, por
inferência, malditos de Deus e os ricos, pela mesma ilação, benditos
de Deus, porque são abençoados, têm tudo, são gloriosos; os pobres, os
andrajosos, os mendigos, os despossuídos, os largados na beira da
estrada são uns miseráveis, não têm nada de Deus, não têm benção
nenhuma. Jesus está atacando um preconceito do povo que lia a Bíblia e
que sabia do chamado abrâmico e do jubileu; do resgate da viúva; da
proteção ao órfão; que tinha que deixar parte da colheita para os
pobres e para o estrangeiro. Como lhes foi possível desenvolver tal
discriminação?
Em Lucas 18 a partir do verso 10, outro tipo de preconceito é
denunciado. Jesus fala de dois homens que foram orar, um fariseu e
outro publicano, o fariseu colocando-se em pé, orava: “Oh Deus graças
te dou porque não sou como os demais homens , roubadores, injustos e
adúlteros nem ainda como este publicano: jejuo 2 vezes por semana e
dou o dízimo de tudo que ganho”. O publicano estando em pé, longe,
não ousava levantar os olhos ao céu mas batia no peito dizendo: “oh
Deus se propício a mim pecador” . E aí Jesus arremata: “digo-vos que
este desceu justificado para sua casa e não aquele , porque todo que
se exalta será humilhado mas o que se humilha será exaltado. Que
discriminação aparece aqui? Como a gente poderia chamá-la? – É,
paradoxalmente, a discriminação entre o nível de espiritualidade, um
tipo de segregação que tem a ver com as pessoas se diferenciarem entre
si baseados no quanto fazem ou não fazem para Deus. Faz lembrar a fala
de um personagem de Woody Allen, no filme “Desconstruindo Harry” que
afirma que a religião, apenas, nos leva a saber a quem odiar. É o que,
claramente, demonstra o orgulho do fariseu; inclusive, é interessante
a forma como Jesus Cristo descreve a tal oração: “O fariseu posto em
pé orava de si para si mesmo” – que triste! Pensar estar falando com o
Pai e estar falando de si para si mesmo. O fariseu não consegue olhar
para o publicano como um ser humano que, a exemplo dele, também,
depende de Deus. Não consegue vê-lo como igual: essa é a gênese do
preconceito . Preconceito é não conseguir se ver num outro ser humano
, é não conseguir olhar para o outro e ver nele um semelhante, alguém
com as mesmas carências, lutas, perguntas, buscas, indagações e
necessidades. O mais triste aqui é o preconceito sustentar-se na
relação com Deus. Como é que um sujeito que ama tanto a Deus, como se
auto-proclama o fariseu, pode tratar um outro ser humano dessa forma?
Veja, estamos falando de pessoas que lêem a Bíblia, o fariseu não só
lia como expunha a Bíblia, aliás, a bem da verdade, devemo-lhes muito,
pois, eles preservaram os manuscritos e as tradições com fidelidade.
Como é que, alguém que diz conhecer tanto Deus, que não é roubador nem
injusto ou adultero, ou seja, cumpre os mandamentos; que jejua duas
vezes por semana (quantos, dentre nós, jejuam duas vezes por semana?);
que dá o dízimo de tudo quanto ganha; pode tratar o publicano desse
jeito ? Que fé é essa que ao invés de fazê-lo ter misericórdia, o faz
desdenhar do publicano, que leitura da Bíblia é essa que ao invés de
fazê-lo interceder por aquela vida, o faz vê-lo como uma referencia
de maldade, gente com quem ele não quer se igualar, não quer conviver,
gente de quem ele não quer saber e que, segundo ele, Deus também não?
Que leitura da Bíblia esse camarada tem? Porque essa é a grande
pergunta quando nos deparamos com as questões do racismo da segregação
. Como alguém que lê a Bíblia pode ter algum sinal de segregação? Mas
no entanto, estamos vendo que Jesus travou muitas brigas com os
partidos da época e, boa parte dessas brigas, foram travadas atacando
os preconceitos vigentes naquela sociedade que lia a Bíblia.
Em Lucas 10, Jesus conta que um homem estava descendo para
Jericó, foi assaltado e deixado inconsciente, semimorto e que, por
ali, passou um levita e um sacerdote, ambos se afastaram do homem
porque ele estava semimorto, ou seja, como não sabiam se, de fato, o
homem estava morto ou não, e, como tocar num homem morto os tornava
imundos, impossibilitados de exercerem os ofícios religiosos, então,
preferiram não arriscar, não foram verificar, passaram ao lado, não
quiseram correr o risco – interessante notar que nenhum dos dois
estava indo para Jerusalém, onde oficiavam, mas para Jericó, logo não
estavam diante da pressão do sacerdócio. Lá está um homem jogado no
chão, semimorto, se eles tivessem se aproximado, teriam-no percebido
vivo, mas não quiseram arriscar-se. Que fé é esta que, ao invés de
optar por lutar pelo que resta de vida em alguém, arrisca sentenciá-lo
à morte para preservar-se, de modo a poder oficiar ao Deus da vida?
Não tem alguma coisa errada aqui?
Eles são sacerdotes do Deus altíssimo. O Deus altíssimo é o Deus da
vida, doador e sustentador da vida, eles passam por um homem, não
sabem se ele está morto ou não, se ele estiver morto eles não podem
tocá-lo porque vão ficar inadequados para o ofício , mas e se ele
estiver vivo? E se tudo o que ele está precisando é de alguém que se
aproxime dele? Qual é o valor máximo dessa fé? É o resguardar-se para
um determinado ofício ou um arriscar-se em favor da vida? Eles
optaram por resguardar-se para um determinado ofício, iam deixando o
homem morrer! Ainda bem que passou um samaritano, porque este não lê a
Bíblia como eles lêem, não acredita do jeito que eles acreditam, não
pensa como eles pensam, nem tem medo de correr riscos em favor da
vida.
Os samaritanos eram considerados como uma sub-raça, fruto de uma
miscigenação provocada pelos assírios. Os judeus, preconceituosamente,
os repudiavam, e Jesus evoca justo um elemento “sub-raça”, para
ensinar aos seus ouvintes o que significa o termo “o próximo”, esta
era a pergunta que o fariseu havia lhe feito: “quem é o meu próximo?”
E a ironia...depois de contar a história, Jesus pergunta de maneira
que obrigava o fariseu a pronunciar a palavra samaritano. Pergunta:
“Quem na sua opinião foi o próximo deste que estava à morte?” E a
resposta natural seria: o samaritano, mas um fariseu jamais diria
isso. Então, respondeu: “aquele que lhe fez bem” - Olha o nível do
preconceito: ele jamais creditaria a um samaritano alguma coisa boa,
nem que fosse, apenas, numa história hipotética, à sua resposta Jesus
arremata e diz – “vá tu e faça o mesmo”.
Agora, como o povo mantenedor do pacto que assegura que em Abrão
serão benditas todas as famílias da terra, pode ter preconceito
racial?
João 4, verso 27: Jesus está em Sicar falando com uma mulher
samaritana e os discípulos chegam: “neste ponto chegaram seus
discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher,
todavia, nenhum lhe disse que perguntas ou porque falas com ela?”
Ainda bem que Jesus era o tipo de pessoa que, antes de questioná-lo, o
sujeito tinha que pensar dez vezes, senão, os discípulos,
provavelmente, iriam cair na alma Dele: “Como é que o Senhor, um
judeu um rabi, está falando com uma samaritana, uma mulher? Além de
tudo mulher e mulher com problema na vida, senão não estaria aqui na
hora do almoço”. - O preconceito aqui é duplo; é racial e sexual . É
uma mulher! Um rabi não pode ficar se dirigindo a mulheres. Como um
povo que lê a Bíblia chegou a isso? Como um povo que teve juízas, que
foi salvo do genocídio pela rainha Ester, chegou a isso? O povo que
preservou as escrituras, que recebeu as revelações, que celebrou o
pacto no Sinai; tornou-se preconceituoso.
João 9, versos 2 e 3: Jesus estava caminhando e viu um cego de
nascença, ao que os seus discípulos perguntaram: “mestre quem pecou,
este ou os seus pais para que nascesse cego?” - respondeu Jesus “nem
ele pecou , nem seus pais, mas foi para que se manifeste nele as obras
de Deus”. Veja a crueldade que está presente nesta pergunta. Um
sujeito que nascesse estropiado, naquele tempo, estava condenado
mesmo; na cabeça daquele povo é um maldito de Deus, ele ou os seus
pais pecaram e ele está pagando por seus pecados, pensavam. Deve
alguém envolver-se nisso? Não; é um problema entre ele e Deus; está
pagando pelos seus pecados. Deveria alguém correr para ajudar o
sujeito? Ajudar como? Ele está contra Deus e Deus está contra ele.
Percebe a crueldade embutida na pergunta: Quem foi que pecou Senhor?
O camarada é cego de nascença; está numa situação tão desoladora que
não esboça a menor reação à passagem de Jesus passa; não é como
Bartimeu, que pergunta e clama até ser atendido. Este não esboça
relação alguma: a multidão passando por ele e nem ao menos pergunta
“Por que tanta gente?” Parece estar imbuído da mesma crença de seu
povo: “eu sou um cego de nascença, logo eu ou meus pais pecamos, não
há saída para mim; não adianta ser Jesus, ninguém pode fazer nada por
mim” - Jesus pensava de modo diferente: ataca o preconceito daquele
povo, primeiro, corrige os seus discípulos quando diz : “ninguém
pecou, isto aconteceu para a glória de Deus, para que se manifeste a
glória , a obra de Deus”.
Mas como é que um sujeito, na beira da calçada, cego de nascença,
pode servir para a glória de Deus? O ALTÍSSIMO vê no sofrimento
humano, resultado da queda da raça, não um merecido castigo, mas, uma
oportunidade de revelar o seu amor por aqueles que criou à sua imagem
e semelhança. E, aí, Jesus o vê, e faz uma coisa inusitada, ao invés
de, simplesmente, ordenar: “vê”; cospe no chão, faz um lodo com a sua
saliva e passa no rosto do camarada. Que absurdo! O sujeito já está
destruído, arrebentado, desesperado, Jesus vai e suja o seu rosto com
lodo feito com sua própria saliva! Parece um ato de sadismo. E,
depois, diz: “vá se lavar no tanque de Siloé”. - Não pode ser um
tanque mais perto? Não pode ser qualquer água? Não, tem que ser na
água de Siloé , Siloé significa o enviado , vá se lavar lá . E ele se
levanta e vai. E quando se levanta e vai, Jesus tinha operado a
primeira cura; pois ele precisava ser curado de duas coisas: primeiro,
do peso do preconceito do seu povo que o tinha deixado atado naquele
lugar, tinha que acreditar que havia esperança para ele; tinha de
reagir ao seu sofrimento. E, Jesus, de um modo extremamente criativo
o faz reagir, suja-lhe o rosto e o exorta a limpar-se no tanque do
Messias, do libertador. Quando ele se levanta a primeira cura é
operada; quando se lava, opera-se a segunda. A primeira cura o faz
reagir ao sofrimento, ao peso do preconceito, ao peso de uma teologia
absurda que o condenava a ser um apático no meio do caminho,
esperando a morte chegar. Isso nos faz pensar sobre a Bíblia e as
interrelações humanas, a questão da discriminação, do preconceito: por
detrás do preconceito tem sempre uma teologia. Por que é que gente que
lê a Bíblia tem preconceito sócio-econômico, como Jesus atacou na
história do Lázaro e do rico? Ou sócio-religioso como denunciado na
história da oração do fariseu e o do publicano? Ou raciais, como no
caso da história do samaritano? Ou sexuais como com a mulher
samaritana? Por que gente que lê a Bíblia tem, quando vê um desgraçado
no meio do caminho, o tipo de inferência que pergunta: quem foi que
pecou para que ele esteja assim? Lamentavelmente, por detrás de cada
preconceito tem sempre uma teologia.
Como se explica cristãos escravocratas, e, mais, que evangelizam os
que mantêm como escravos? Tem que ter uma teologia por de trás disso.
Tem de ter uma forma de encarar Deus. Tem de ter uma forma de encarar
as relações humanas. Sem uma teologia o indivíduo ficaria louco; seria
absolutamente incoerente. Muitos daqueles donos de escravos, que
evangelizaram seus escravos, acreditavam em Deus. Eles criam em Jesus
cristo, nas Escrituras , e criam que seus escravos precisavam se
converter. Como eles conseguiram? Há uma teologia por detrás disso.
Assim como havia uma teologia que fazia, o povo de então, crer que
o rico e não Lázaro é quem ia para o seio de Abrão. Jesus inverte a
lógica: Lázaro foi para o seio de Abrão, o rico. para um lugar de
tormento. Há uma teologia, quando o Senhor diz para o menino rico:
“escuta, vá venda tudo o que você tem dá aos pobres e depois vem e
segue-me” - e os discípulos ficam surpresos, obrigando Jesus a
dizer: “é mais fácil o camelo passar no fundo da agulha do que um
rico entrar no reino dos céus “ - E qual é a pergunta dos discípulos?
“Senhor então quem é que pode ser salvo?” - Que teologia que está
por detrás dessa pergunta? A teologia de que o rico é abençoado e se
é abençoado, já está no reino. Tem uma teologia por detrás de cada ato
de segregação. Tem uma teologia por detrás de cada ato de
discriminação. Tem uma propositura acerca de como Deus se relaciona
com os homens, de como Deus se relaciona mais com uns e menos com
outros. Nota isso em todos os lugares: nos púlpitos das nossa igrejas;
nas nações que vão sendo abençoadas por Deus. Houve um tempo que os
ingleses acharam que eram o novo Israel, depois os americanos, depois,
os coreanos começaram a achar que o eram,e, agora, nós, os
brasileiros, porque, afinal de contas, o celeiro de missões somos nós,
a bandeira está na nossa mão, nós temos mais jogo de cintura cultural,
que todos os outros. A benção de Deus está é com a gente . Que
teologia permite-nos comportamento e afirmações absurdas, uma vez que
a Bíblia é radicalmente contra qualquer tipo de discriminação e
segregação.
Todos nós corremos este risco, quando desenvolvemos uma teologia que
privilegia sinais externos, como a teologia da prosperidade. Qualquer
teologia que privilegie sinais externos da manifestação de Deus, como
marca de benção e de privilégio, vai gerar algum nível de segregação
e discriminação. Teologias assim, jamais podem admitir um Lázaro no
seio de Abraão. Sào teologias que nascem de leituras bíblicas feitad
a partir do princípio da Torre de Babel, que não se livram do conceito
de raça, de nação, de diferença. O evento da Torre de Babel
desencadeou uma maldição divina sobre nós, porque nos rebelamos
contra Deus uma segunda vez, de modo, novamente, aviltante. Ele tinha
preservado a raça humana a partir de Noé e, mais uma vez, o homem se
rebela. Todos fomos contaminados por esse virus. Essa divisão é tão
visceral que, recentemente, assistimos, pela TV, a uma guerra absurda
que teve como fundamento e base a questão racial e religiosa, mais
nada. Por que os sérvios fizeram o que fizeram em Kosovo? Por que
Tutsis e os Hutus, em Ruanda, não conseguem se entender? Por que os
Chosa e os Zulus, na África do Sul, não conseguem se acertar? É só a
Torre de Babel. Precisamos nos dar conta de que a teologia só será
libertadora, unificadora, se partir de leitura que expurgue os efeitos
da Torre de Babel; caso contrário teremos segregação, porque, mais
cedo ou mais tarde, ao invés de estarmos lendo a Bíblia contra nós,
estaremos lendo a Bíblia a nosso favor, a favor do nosso clã, da
nossa raça, do nosso povo. Passamos a fazer leituras seletivas.
Atos 10:13 e 20:35: o Senhor visita a Pedro; o Espírito Santo vai
prepará-lo para fazer missão. Estamos falando de alguém que ouviu
Jesus Cristo dizer: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda a
criatura”. Que problema o Espírito Santo está tendo com ele? O
Espírito Santo mandou um anjo visitar o Cornélio e dizer-lhe: “Vá na
casa do curtidor chamar a um certo Simão, para que lhe diga o que você
precisa ouvir: suas esmolas , sua caridade chegaram à presença de
Deus e há algo que você precisa saber.” Cornélio manda seus
subordinados buscarem Pedro e, então, o Espírito Santo começa um outro
trabalho: o de preparar Pedro. Mas prepará-lo por que, se ele ouviu
que era para pregar o evangelho a toda criatura? O Senhor dá-lhe uma
visão: animais, cuja carne era proibida, pela lei, de ser usada como
alimento; e o Senhor lhe diz: “Mata e come” - “De jeito nenhum Senhor”
responde Pedro. Deve ter sido a primeira vez que a palavra “Senhor”
foi usada como pronome tratamento, apenas. Como ele conseguiu dizer
de jeito nenhum e, ainda, chamar o Espírito Santo de Senhor? Que
leitura ele faz das escrituras que lhe permite, conscientemente, numa
experiência com o Senhor, dizer-lhe não? “Não chame de comum ou imundo
aquilo que eu abençoei” retruca o Senhor. Chegam, então, os meninos
enviados por Cornélio e o Senhor ordena: “Vá, não duvide, porque foi
eu que os enviei”. E ele vai. Que preparo para que Pedro fizesse o
que sabia que tinha de fazer! Eis a força do efeito Babel em nós.
Quando chega na casa de Cornélio. Veja que jeito de entrar na casa de
alguém que o convida com pompa e circunstância: Vocês sabem que não é
lícito para um Judeu entrar na casa de um gentio, ou seja, você não
sabe que não me é permitido entrar na casa de um cão como você, mas eu
sei que Deus não faz acepção de pessoas (verso 28). Sabe nada! Porque
se soubesse não dizia isso para o homem. Em que lugar das escrituras
está dito que não é permitido um judeu entrar na casa de um gentio?
Em lugar algum. É a tradição dos anciãos, como os judeus não podiam
comer os alimentos que os gentios comiam, para que não caíssem na
tentação de, em visitando um gentio, comer dos alimentos que comiam e
que lhes era proibido, os anciãos estabeleceram: “é proibido ir na
casa de um gentio”. E Pedro, então, só vai porque o Espírito Santo o
intima e, só os batiza, porque, antes de terminar a mensagem, de
fazer o apelo, o Espírito Santo vem e os batiza, como no pentecostes.
Que mais Pedro poderia fazer? Parece-me, portanto, que a maior questão
que o Espírito Santo teve que enfrentar foi o preconceito de Pedro.
Como alguém que andou com Jesus pode ser preconceituoso? Como aquele
que recebeu a chaves do reino pode ser preconceituoso? Como quem viu
Jesus abençoar a mulher samaritana como os que, com ela, vieram pode
ser preconceituoso? Como quem viu Jesus receber e tratar as mulheres
com igualdade, pode ser preconceituoso? Mas ele era. Por causa da
forma como ele lia as Escrituras. Quando não se lê sob a perspectiva
da universalidade de Deus, fica complicado. Agora, é possível ler a
Bíblia sem esta perspectiva? É, Amós 9:7 no-lo diz. Amós trazia a
mensagem de Deus e o povo o contradizia, afirmando que o Senhor não os
tiraria com mão forte do Egito, para condená-los ao cativeiro
novamente. Contra esse argumento, Deus manda Amós dizer ao povo: “
não sois vós para mim, ó filhos de Israel, como o filho do Etíope?
Eu fiz isso com os filisteus, também, eu os fiz subir de Caftor para
onde eles estão, mas não o fiz só com os Filisteus, fiz com os Sírios,
também, eu os trouxe desde Quir até onde eles estão, eu não fiz isso
só com Israel. – Mas justo os Sírios e os Filisteus que são inimigos?
É como se Deus estivesse dizendo, através de Amós: “ pra mim entre
vocês e os etíopes não tem diferença nenhuma, vocês não entenderam o
seu chamado; que era para que todas as famílias da terra fossem
abençoadas”
Quando se perde a visão missionária – a visão da perspectiva universal
de Deus, a leitura bíblica corre o risco de tornar-se segregacionista.
Quando se perde a visão do propósito divino de atingir todas as
etnias, todas as famílias da terra a leitura da Bíblia tende a ser
discriminatória. Isso é o que Deus está comunicando através de seu
profeta, Israel havia perdido a consciência de quem era e de qual era
a sua missão.
Apocalipse 5:9-10 é um texto que todo mundo gosta, pois, diz que
reinaremos sobre a terra: “Digno és de tomar o livro e de abrir e de
abrir-lhe os selos porque foste morto e com teu sangue compraste para
Deus os que procedem de toda a tribo língua povo e nação e para
nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes e reinarão sobre a
terra” – Então somos os que reinam sobre a terra? Ora, então, tudo tem
de ser nosso mesmo. O texto diz reino e sacerdotes, e reinarão sobre
a terra. – Como é que sacerdotes reinam? Sacerdotes reinam de
joelhos, reinam porque intercedem pela terra, porque intercedem pelos
povos; nós não reinaríamos sobre a terra porque tudo seria nosso, em
termos de posse, mas porque nós seríamos para o bem de todos, porque
sacerdotes reinam de joelhos. Temos pensado nesta categoria ou na
categoria do venha a nós? Sacerdote não tem direito ao cetro
imperial... sacerdote reina de joelhos irmãos... sacerdote reina
intercedendo, clamando, levando as demandas de Deus aos povos e se
oferecendo a Deus para ser sua resposta às demandas do povo. Missão
é uma moeda de duas faces, de um lado somos aqueles que levamos aos
povos as demandas de Deus, de outro, somos os que se oferecem a Deus
como instrumentos para que Ele possa atender as demandas do povo.
Porque o povo clama por justiça, por saúde, por alimento, por carinho,
por verdade, por modelos de vida comunitária. Sacerdotes reinam de
joelhos e de mangas arregaçadas para o trabalho, olhando o bem do
próximo, clamando e se entregando a Deus por todos os povos. Quando a
gente não lê a Bíblia com visão missionária a nossa leitura vai se
tornando segregacionista, assim como a teologia decorrente. A visão
missionária iguala todos os homens. Israel perdeu a visão de que era
uma nação para os outros povos, uma nação sacerdotal. Perdeu a visão
de que era uma nação que só existia porque Deus queria salvar o mundo.
E sabe o que é lamentável nisso tudo? É que nós, cristãos, se ainda
não perdemos esta visão, estamos próximos, porque a nossa visão não
tem sido de sacrifício, de entrega, de busca da vontade de Deus, de
levar a palavra de Deus, mas, de ser abençoado. Nossa teologia tem se
sustentado em sinais visíveis de benção, como o enriquecimento. É
complicado quando um cristão diz que: “eu não posso admitir que passe
necessidades porque eu sou filho de Deus”. Bom... então você não
pode jamais ser um missionário, porque você não admite passar
necessidades. Mas ser cristão é ser missionário. Então você não pode
ser cristão. Porque ser cristão é ser exposto a morte todos os dias
por amor de seu nome, disse o apóstolo em Romanos 8: “somos levados
a essa situação de morte, todos os dias por amor de seu nome”, mas
nada pode nos separar do amor de Cristo. Somos ovelhas ao matadouro,
foi o que o apóstolo disse. Nós estamos carregando o que resta do
sofrimento de Cristo, estamos nos oferecendo para que centenas,
milhares, bilhões de pessoas sejam salvas, por que sabemos o que está
acontecendo no mundo, que tudo isso é passageiro, que vem aí o reino
de Deus na sua plenitude, que vem o juízo sobre todos os homens.
Então, nos entregamos para que todos os homens possam ouvir essa
palavra; sabemos o segredo, que ninguém mais precisa ser escravo do
diabo, ser prisioneiro do inferno. Reputamos como perda todas as
coisas pela excelência do conhecimento de Jesus Cristo e do seu
projeto. Se se perde esta perspectiva, a leitura da Bíblia passa a ser
egoísta, e toda a leitura egoísta é, necessariamente,
discriminatória, por colocar o leitor numa situação de privilégio em
relação aos outros, onde não estará disposto a sofrer. Quem não está
pronto a enfrentar a realidade do sofrimento, também, não pode ser
instrumento de consolo. Como que alguém pleno do consolador não se
dispõe a consolar? Tem alguma coisa errada na teologia, a gente vai
perdendo a perspectiva de Deus; deixando de entender a visão universal
de Deus; sendo levado por nossas próprias ansiedades; transformando
Deus num Deus para nós. Tornamo-nos discriminadores, por nos crermos
melhores do que os outros uma vez que Deus é para nós. Isso é o
contrário do que Jesus Cristo disse em João 12:32: “E Eu quando for
levantado da terra trairei todos a mim mesmo” - É o contrario de
Babel, onde Deus dispersou todos, quebrando a pretensa união; em
Cristo Jesus, Deus chama todos à unidade, porém, em outro centro: não
mais o homem e sua glória, mas, Jesus Cristo. Entender o evangelho é
colocar-se na contramão de todo o preconceito. O evangelho é vida e o
preconceito é a marca da morte.
Concluindo, vejamos a passagem em que Jesus responde a João Batista.
Em Mateus 11, João Batista manda perguntar a Jesus: “És tu aquele que
estava para vir ou havemos de esperar outro?” - E Jesus respondendo
disse aos discípulos: “Ide e anunciai a João o que estás ouvindo e
vendo, os cegos vêem os cochos andam, os leprosos são purificados os
surdos ouvem e os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo
pregado o evangelho e bem aventurado é aquele que não achar em mim
motivo de tropeço ou bem aventurado é aquele que não se escandaliza de
mim ”
Interessante!!!!!
Se qualquer transeunte em Israel perguntasse: “É o senhor mesmo ou a
gente tem que esperar outro?” - Seria compreensível, mas João???? Foi
ele que disse ”eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” -
que disse : “eu vim por causa Dele”; “eu vi o céu se abrir, eu vi o
espírito pousar como pomba sobre a cabeça dele” – Parece-me que João
padecia do mesmo equívoco israelita sobre a teologia do reino. Israel
esperava por reino político, o Messias vem, subjuga todas as nações e
Judá reina. O que está acontecendo com João? Ele é um homem fiel a
Deus e, por isso, está preso. Certamente ele esperava que o Messias
viesse libertá-lo, porém, o Cristo está ocupado com outras
prioridades. Quando nossa teologia tem problema nossa visão de
Cristo fica distorcida, ou corre o risco de distorcer-se. “vão e falem
o que vocês estão vendo e ouvindo” –Estão vendo e ouvindo Jesus
devolver aos cegos as cores, aos coxos a agilidade, aos leprosos a
reintegração social, aos surdos os sons, aos mortos a vida, aos pobres
a dignidade. Jesus está revertendo os efeitos da queda. Esse é o
reino de Deus. Certamente, João estava lá angustiado, e quem não
estaria? Mas é interessante o que Jesus diz: “ Bem aventurado é
aquele que não se escandaliza de mim” – e é possível se escandalizar
de Jesus? Quando faz o que esperávamos que Ele não fizesse, a gente
se escandaliza. Quando não faz o que queríamos que Ele fizesse, a
gente se escandaliza. Você nunca encontrou um irmão que diz: “Deus não
ouve mais as minhas orações!” - Ele está escandalizado com Deus porque
Ele não pode ser manipulado e, portanto, não respondeu suas orações do
jeito como gostaria que as coisas acontecessem. Mas Deus é Deus!!
Soberano na história, soberano no universo, não pode ser manipulado.
Deus não é para nós, nós somos para Deus. Deus é por nós, mas não é
para nós. Se a gente não tem esta visão de que Deus tem um propósito,
de que nós estamos em meio à história da salvação, que a prioridade é
“buscar e salvar o que se havia perdido”; destruir as obras do diabo;
anunciar a todas as raças, línguas, tribos e nações; buscar os
despossuidos; reverter os efeitos da queda. Se a gente não tiver essa
visão, nossa leitura da Bíblia esta condenada a ser uma leitura
preconceituosa, mesmo que o nosso preconceito se atenha apenas e tão
somente a nós, o que, talvez, seja até pior. Quem não cruzou com
irmãos superespirituais, que não ouvem mais ninguém porque Deus é
com ele e não precisa de mais ninguém? Já vi irmão dizer: “se Deus
quiser dizer-me algo que venha falar comigo“ – Dá vontade de
perguntar, você é especial a esse ponto, que Deus tem que falar
diretamente com você senão você não prestará atenção? As escrituras
não bastam? As palavras de exortação não bastam? Isso é arrogância, a
fonte de toda a discriminação.
Então, o que é que Bíblia tem a ver com segregação, com preconceito
racial e social? Nada e tudo; depende de como você a lê. Se você a
ler sob a perspectiva de que Deus tem uma visão universal, está
desenvolvendo a história da salvação, buscando o que se havia perdido,
com uma mensagem que é para todos em todos os lugares,
indiscriminadamente; e de que nosso maior privilégio é nos engajarmos
nessa visão e em sua obra. Se você tem essa visão, sua leitura da
Bíblia vai libertá-lo dos efeitos da Torre de Babel e vai torná-lo
um produtivo servo do Senhor, não por quantas pessoas você pode vir
ou não a ganhar para Cristo, porque isso é problema do Espírito Santo
e não seu, mas, pelo quanto você vai espalhar esta notícia em todos
os lugares onde você estiver, e pelo quanto você vai tratar todos
os homens com o mesmo amor que recebeu de Deus. Fará de você um
instrumento de libertação para muitos outros. Mas se a leitura
basear-se no principio da Torre de Babel, gerará teologia
preconceituosa, porque é o princípio de alguém que se acha especial.
O grande antídoto para o preconceito, para o racismo, para qualquer
tipo de discriminação, é a visão missionária. Quando a gente olha o
mundo como Deus olha, quando vê as pessoas como Deus as vê, é liberto
dos efeitos da Torre de Babel, de discriminar qualquer ser humano, e
ganha consciência sacerdotal; e sacerdotes reinam de joelhos.

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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Tiago irmão de Jesus




Esse é o testemunho mais detalhado de Hegésipo, em que concorda plenamente com Clemente. Tiago era de fato tão admirável e tão celebrado entre todos por sua retidão, que mesmo os mais sábios dos judeus pensavam que a morte de Tiago fora a causa do cerco imediato de Jerusalém.

Quando Paulo apelou a César e foi enviado a Roma por Festo, os judeus, desapontados em sua esperança de vê-lo atingido pela trama por eles armada, voltam-se contra Tiago, o irmão do Senhor, a quem os apóstolos haviam confiado o assento episcopal em Jerusalém. Suas medidas nefastas contra ele foram as seguintes. Eles o conduziram para um lugar público e exigiram que renunciasse à fé em Cristo diante de todo povo, mas contrariando as expectativas de todos, em voz firme e muito acima do que esperavam, declarou-se por completo diante de toda a multidão e confessou que Jesus Cristo era o filho de Deus, nosso Salvador e Senhor. Não conseguindo mais suportar o testemunho daquele que, por causa do elevado nível que tinha atingido na virtude e na piedade, era considerado o mais justo dos homens, mataram-no, usando como ensejo a anarquia reinante, já que Festo havia morrido na judéia, deixando o distrito sem governante nem líder. Ora, quanto ao modo pelo qual Tiago morreu, já foi declarado pelas palavras de Clemente: que ele foi lançado de uma ala do templo e espancado com um malho até a morte. Hegésipo, que pertence a geração seguinte à dos apóstolos, fornece o relato mais exato a seu respeito em seu quinto livro, como se segue: " Ora, Tiago, o irmão do Senhor que, por haver muitos com esse nome, era chamado justo por todos deste os tempos do Senhor até o nosso, recebeu o governo da igreja juntamente com os apóstolos. Este era santo desde o ventre de sua mãe. Ele não bebia vinho nem bebida fermentada, e se abstinha de alimento animal; nenhuma navalha passava pela sua cabeça; jamais se ungia com óleo e jamais ia aos banhos. Somente ele tinha permissão de entrar no santuário. Jamais vestia roupas de lã, mais de linho. Ele costumava entrar sozinho no templo, sendo com freqüência visto de joelhos, intercedendo para que o povo fosse perdoado, de modo que seus joelhos ficaram duros como os de um camelo por causa de suas súplicas habituais, ajoelhando-se diante de Deus. Assim, por sus piedade extrema era chamado justo e Oblias ( ou Zadique e Osleã ) que significa justiça e proteção do povo, conforme os profetas declararam a seu respeito.

Assim, alguns das sete seitas dentre o povo, mencionados acima por mim em meus comentários, inquiriram-lhe qual seria a porta para Jesus, e ele respondeu que ele era o Salvador. Pelo que alguns creram que Jesus é o Cristo. Mas essas seitas acima mencionadas não criam nem na ressurreição nem que alguém viria para dar a cada um de acordo com suas obras, mas os que acreditaram nisso, acreditaram por causa de Tiago. Ora, desde que muitos, mesmo dos governantes, creram, houve um tumulto entre os judeus, escribas e fariseus, dizendo havia o perigo de todo o povo esperar Jesus como o Messias. Assim reuniram-se e disseram a Tiago: " Rogamos que refreies o povo que se extravia após Jesus como se ele fosse o Cristo. Rogamos que persuadas corretamente a respeito de Jesus todos os que vêm para o dia da Páscoa, pois todos nós confiamos em ti. Assim coloca-te numa ala do templo para que possas estar bem visível no alto e para que tuas palavras possam ser facilmente ouvidas por todo povo, já que por causa da Páscoa todas as tribos estão reunidas, e também alguns gentios". Assim, os já mencionados escribas e fariseus colocaram Tiago num ala do templo e gritaram para ele: " Ó justo, em quem todos devemos acreditar, uma vez que o povo está se desviando após Jesus que foi crucificado, declara-nos: Qual é a porta Jesus que foi crucificado?. E ele respondeu em alta voz: " Por que me perguntas a respeito de Jesus o filho do homem? Ele está assentado nos céus à direita do grande Poder e está para vir nas nuvens do céu". E muitos foram confirmados e gloriavam pelo testemunho de Tiago dizendo: " Hosana ao Filho de Davi". Então os mesmos sacerdotes e fariseus disseram uns aos outros:" Fizemos mal em conceder tal testemunho a Jesus, mas vamos e o lancemos do alto para que temam crer nele". E gritaram dizendo: " Ah, ah, o próprio justo está enganado", e cumpriram o que está escrito em Isaías: " Tomemos o justo, pois nos causa repulsa. Portanto eles comerão o fruto de suas obras" ( Is 3 ). Assim subiram e lançaram o justo dizendo uns aos outros: " Apedrejemos Tiago, o justo", e começaram a apedrejá-lo, uma vez que não morreu de imediato quando lançado, mas virou-se e se ajoelhou, dizendo: " Imploro a ti, ó Senhor Deus e Pai, que os perdoes, pois não sabem o que fazem". E assim o apedrejavam quando um dos sacerdotes dos filhos de Recabe, filho de Recabim, de quem testemunhou o profeta Jeremias, clamou: " Parai! Que estais fazendo? O justo está orando por vós". E um deles, lavandeiro, atingiu a cabaça do justo com o malho que usava para bater as roupas. Assim Tiago sofreu martírio e o sepultaram no lugar junto ao templo, e seu túmulo ainda permanece. Ele tornou-se verdadeira testemunha tanto a judeus como a gregos de que é o Cristo. Logo depois disso Vespasiano invadiu e tomou a Judéia".

Esse é o testemunho mais detalhado de Hegésipo, em que concorda plenamente com Clemente. Tiago era de fato tão admirável e tão celebrado entre todos por sua retidão, que mesmo os mais sábios dos judeus pensavam que essa fora a causa do cerco imediato de Jerusalém, que teria ocorrido por nenhum outro motivo, senão o crime contra ele. Josefo também não hesitou em acrescentar esse testemunho em suas obras: " Essas coisas", afirma, "aconteceram aos judeus para vingar Tiago o justo, que era o irmão daquele chamado Cristo, e a quem os judeus mataram apesar de sua destacada retidão". O mesmo autor também narra sua morte no vigésimo livro de suas antiguidades, com as seguintes palavras:" Ora, quando Cesar ouviu a morte de Festo, envidou Albino como governador da Judéia. Mas o Anano que, conforme mencionamos, havia recebido o sumo sacerdócio, era especialmente audaz e ousado quanto a disposição. Ele também era da seita dos saduceus, os mais cruéis de todos os judeus na execução do julgamento, conforme já explicamos. Assim, tendo esse caráter, e pensando que tinha uma oportunidade adequada em relação a morte de Festo e Albino ainda estar a caminho, Anano convoca uma assembléia de juízes e levando o irmão de Jesus chamado Cristo, cujo nome era Tiago, e alguns outros, apresentou uma acusação contra eles, como se tivessem violado a lei e os entregou para serem apedrejados como criminosos. Mas os que na cidade eram considerados mais ponderados e mais estritos na observância da lei ficaram grandemente irados com isso e o comunicaram secretamente ao rei, rogando-lhe que escrevesse a Anano para que desistisse de fazer tais coisas, dizendo que não agiria legalmente mesmo antes. Alguns deles também foram encontrar-se com Albino quando chegou em Alexandria e explicaram que era ilegal Anano convocar o sinédrio sem seu conhecimento.

Albino, influenciado por esse relato, escreve irado para Anano, ameaçando chamá-lo para um ajuste de contas. Mas pelo mesmo motivo, o rei Agripa o destituiu do sumo sacerdócio quando o havia exercido por três meses, e nomeou Jesus, filho de Dameu, como seu sucessor". São tais os relatos a respeito de Tiago, de quem se diz que teria escrito a primeira das epístolas gerais ( universais ); mas deve-se observar que é considerada espúria. De fato, não muitos dos antigos a mencionam, nem a chamada epístola de Judas, também uma das sete chamadas epístolas universais. Entretanto sabemos que essas cartas, e o restante, têm sido empregadas publicamente na maioria das igrejas.


Fonte: História Eclesiástica, Eusébio de Cesaréia (CPAD)

As 95 teses de Martinho Lutero




Conheça o conteúdo das famosas teses de Lutero.

Debate para o esclarecimento do valor das indulgências pelo Dr. Martin Luther, 1517

Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do reverendo padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de Santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão, ele solicita que os que não puderem estar presentes e debater conosco oralmente o façam por escrito, mesmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. In the Name our Lord Jesus Christ. Amen.

1 Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.

2 Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).

3 No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.

4 Por conseqüência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.

5 O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.

6 O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.

7 Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.

8 Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.

9 Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.

10 Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.

11 Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.

12 Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.

13 Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.

14 Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.

15 Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.

16 Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.

17 Parece desnecessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.

18 Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.

19 Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.

20 Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.

21 Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.

22 Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.

23 Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.

24 Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.

25 O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.

26 O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.

27 Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].

28 Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.

29 E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.

30 Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.

31 Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.

32 Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.

33 Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.

34 Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.

35 Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves confessionais.

36 Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.

37 Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.

38 Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.

39 Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a liberdade das indulgências e a verdadeira contrição.

40 A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.

41 Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.

42 Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.

43 Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.

44 Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.

45 Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.

46 Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.

47 Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.

48 Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.

49 Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.

50 Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

51 Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto - como é seu dever - a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.

52 Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.

53 São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.

54 Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.

55 A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.

56 Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.

57 É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.

58 Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.

59 S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.

60 É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.

61 Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.

62 O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.

63 Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos.

64 Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros.

65 Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.

66 Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.

67 As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.

68 Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.

69 Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.

70 Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa.

71 Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.

72 Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.

73 Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências.

74 muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.

75 A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.

76 Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa.

77 A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.

78 Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12.

79 É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.

80 Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.

81 Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.

82 Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante?

83 Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?

84 Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito?

85 Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais - de fato e por desuso já há muito revogados e mortos - ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?

86 Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?

87 Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária?

88 Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?

89 Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?

90 Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.

91 Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.

92 Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz!

93 Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!

94 Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;

95 e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.

1517 A.D.